sexta-feira, 7 de agosto de 2009

"Alcântara e o interesse nacional"

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Alcântara e o interesse nacional, artigo de Luciano Rezende Moreira

"Não se trata de avançar o programa espacial brasileiro a qualquer custo. (...) Entretanto, o interesse nacional deve prevalecer"

Luciano Rezende Moreira é diretor da Associação de Pós-graduandos da Universidade Federal de Viçosa (APG - UFV) e doutorando por essa mesma instituição. Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":

O Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA) continua, e de certa forma sempre será, tema controverso. Afinal, há muitos personagens em nossa sociedade que historicamente sempre se posicionaram contra todo e qualquer projeto nacional soberano.

Setores estes que em um passado recente comemoraram o vergonhoso Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, firmado em Washington entre os Estados Unidos e o Brasil, e são os mesmos que hoje semeiam celeumas e incentivam falsas contradições que devem ser rapidamente resolvidas, conforme as exigências da circunstância histórica atual, em defesa dos interesses e das perspectivas do conjunto da nação.

De fato, há de se comemorar a derrota do projeto levado a cabo pelo governo Fernando Henrique Cardoso, com total anuência dos grandes meios de comunicação, em que a estratégica base de lançamentos de Alcântara seria arrendada total e irrestritamente aos Estados Unidos pelo preço de nossa soberania elementar.

Ademais, sequer a miserável quantia paga poderia ser investida no nosso programa aeroespacial e nenhuma autoridade brasileira teria acesso ao lugar e tampouco às informações sobre as operações ali realizadas. Dessa nos livramos.

Superada essa fase, parecia que o programa espacial brasileiro iria alçar vôos maiores, elevando a um novo patamar uma série de atividades concernentes, tais como a segurança nacional e a do espaço aéreo brasileiro, o monitoramento ambiental, as telecomunicações, além de promover uma série de atividades de interesse da comunidade científica.

Para isso, foi feito um tratado com a Ucrânia, que detém uma das mais testadas linhas de foguete, o Cyclone, além de uma enorme tradição em investimentos aeroespaciais, com tecnologia em fabricação de foguetes e plataforma de lançamento. Desse convênio foi criada a ACS (Alcântara Cyclone Space), uma empresa binacional onde caberia ao Brasil, dentre outras medidas, disponibilizar o Centro de Lançamentos de Alcântara, cobiçado por sua estratégica posição a 2,2 graus do Equador que a faz a mais competitiva entre todas as outras de todo o mundo (a base francesa de Kourou, na Guiana, o centro mais bem localizado do mundo para esses lançamentos, está a 5,2 graus da linha do Equador). E o mais importante: uma parceria com intercâmbio científico e tecnológico, ao contrário da proposta anterior com os EUA.

Contudo, vários entraves levantados contra a ampliação da área do Centro de Lançamentos de Alcântara, imprescindível para abrigar o projeto, vêm fazendo com que a Agência Espacial Brasileira já admita substituir Alcântara por outra base, menos competitiva.

Em recente artigo publicado no Valor Econômico (30/7) por Raymundo Costa é relatado que o governo brasileiro já pensa em transferir parte do programa espacial para região próxima do porto de Pecém, no Ceará. Segundo a reportagem "a divisão tornou-se inevitável depois que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) baixou uma portaria decretando como área quilombola 78 mil hectares dos 114 mil hectares que constituem a península de Alcântara".

O próprio presidente da ACS, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, é enfático ao condenar o que ele chama de "burocratas" do Incra e das chamadas "lideranças" das comunidades quilombolas, os advogados do 'museu antropológico' e aos agentes financiadores internacionais de estarem destruindo todo o esforço de instalação de um programa espacial completo no Brasil e alerta que a destinação de 781 km² da península para o "Território da Comunidade Quilombola de Alcântara" reduziu o espaço para atividades espaciais brasileiras ao atual CLA, impossibilitado de crescer para cumprir novas missões. Acrescenta ainda que somente em fluxo de caixa, o Brasil deixa de ganhar US$ 300 milhões por ano de atraso.

Não se trata de avançar o programa espacial brasileiro a qualquer custo. Óbvio que estudos rigorosos pelo Ibama sobre impactos ambientais e pesquisas diversas sobre a área quilombola devem ser realizados, assim como a adoção de iniciativas para que sejam evitados ou amenizados qualquer tipo de desarmonia local.

Entretanto, o interesse nacional deve prevalecer. Justas posições levantadas pela comunidade local (que inclusive tem muito a ganhar com o desenvolvimento da região) devem ser energicamente atendidas, com a autoridade moral de que quem as fazem são justamente aqueles que foram secularmente excluídos. Por outro lado, não se pode deixar organismos internacionais estranhos e de interesses opostos ao nosso programa espacial agirem livremente, patrocinando autêntico boicote ao CLA.

Não só os militares ou a comunidade científica têm interesse no avanço imediato do programa espacial (inclusive incorporando a ACS no Programa de Aceleração do Crescimento), mas toda a sociedade que percebe no cotidiano, desde a importância de um satélite para melhor prover sua comunicação até o combate ao desmatamento em nossas florestas para amenizar o aquecimento global, a centralidade desta área. Em suma, é esse interesse nacional, que comunga com os interesses dos brasileiros, que precisa figurar em primeiro plano.

Fonte: JC E-mail, 06/08/2009

Comentários: o autor tem uma visão extremista que não necessariamente condiz com a realidade. O relato sobre o acordo de salvaguardas tecnológicas com os EUA possui distorções que não condizem com a realidade e com o histórico das negociações. Além do mais, como já tratado no blog no passado, é essencial para qualquer chance de sucesso comercial da Alcântara Cyclone Space (vejam a postagem "Salvaguardas tecnológicas entre Brasil e EUA"). Do mesmo modo, por mais que não aparente, o relacionamento com os ucranianos também tem seus momentos de tensão.
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2 comentários:

rondini disse...

Olá MIleski.
Sabemos que quanto mais próximo à linha do equador, mais econômico se torna um lançamento.
A base de alcântara fica 2,2 graus da linha do equador e a região do porto de pecém fica à 3,2 graus, uma diferença de 1 grau.
Essa diferença representaria muita desvantagem? Se no CLA o custo é 30% menor, qual o custo em pecém?
Se em pecém não houver problemas com a elevação de custo de lançamento não seria melhor desativar a base barreira do inferno e aproveitar a infraestrutura de pecém?
Até mais!

phobus disse...

" O preço que os homens de bem pagam pela indiferença aos assuntos políticos é ser governados pelos maus"

(Platão, filosofo grego, 427 a.C - 327 a.C)

Uma nação pode sobreviver aos idiotas e até aos gananciosos.
Mas não pode sobreviver à traição gerada dentro de si mesma.
Um inimigo exterior não é tão perigoso, porque é conhecido e carrega suas bandeiras abertamente.
Mas o traidor se move livremente dentro do governo, seus melífluos sussurros são ouvidos entre todos e ecoam no próprio vestíbulo do Estado.
E esse traidor não parece ser um traidor; ele fala com familiaridade a suas vítimas, usa sua face e suas roupas e apela aos sentimentos que se alojam no coração de todas as pessoas.
Ele arruína as raízes da sociedade; ele trabalha em segredo e oculto na noite para demolir as fundações da nação; ele infecta o corpo político a tal ponto que este sucumbe.
(Discurso de Cícero, tribuno romano, no ano de 42 AC, referindo-se à podridão existente no governo)