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Conflitos e orçamentos militares em alta na Terra
José Monserrat Filho*
“E a orquestração bem trabalhada acaba por acentuar as incompatibilidades, os contrastes, as divergências, os conflitos. A violência e o desvario em geral.” Mino Carta1
Com mais de 2.500 participantes, mais de 40 chefes de Estado e de Governo e um sem número de empresários globais de diversas áreas, o Fórum Econômico Mundial deu início, nesta quarta-feira, em Davos, Suíça, a quatro dias de debates sobre questões que abalam as atividades econômicas e financeiras em escala mundial. O tema central desta feita são os conflitos que hoje ameaçam a economia já tão combalida do Planeta.
Não foi dito, mas, evidentemente, isso inclui possíveis conflitos em órbitas da Terra, de onde, aliás, já há muitos anos são comandados as guerras aqui na Terra.
O desafio de Davos é resolver as ditas “crises geopolíticas”, eufemismo para guerras, ataques, bombardeios, violências planejadas e executadas com frieza, que, claro, desorganizam ainda mais a vida econômica irracional e caótica em que a humanidade vive atualmente sem perspectivas de solução plausível. A visão unilateral esperta desce a detalhes e chega a colocar o conflito na Ucrânia à frente da guerra no Oriente Médio, que vem de longe e tende a se perpetuar até um genocídio final.
Mas a pergunta lançada (que não quer calar) é legítima e pede resposta urgente: O que a comunidade internacional pode fazer para ajudar a erguer uma paz duradoura?
É muito bom que se apele à comunidade internacional. Hoje, qualquer conflito, ainda que aparentemente local ou mesmo regional, é sempre e cada vez mais um problema global, que só pode ser resolvido globalmente, em amplo esforço coletivo.
Ainda mais que, neste momento, como observam Edgar Morin e Anne Brigitte Kern, “o certo é que a história mundial retomou sua marcha turbulenta, correndo a um futuro desconhecido, ao mesmo tempo em que retorna a um passado desaparecido” 2.
Os gastos militares alcançaram, em 2012, a bagatela de um trilhão e 756 bilhões de dólares, o que equivale a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. É a corrida armamentista, insanidade recorrente, que já vimos tantas vezes nos últimos 100 anos – para não irmos mais atrás –, sempre com milhões de vítimas e destruição em massa.
Estima-se que essa quantia seria suficiente para a comunidade internacional cumprir as Metas do Milênio3 das Nações Unidas, eliminando da face da Terra a fome e a miséria, a desnutrição e uma variedade de doenças endêmicas. Em poucos anos, provavelmente, mudaríamos a situação social do mundo, com um impacto nunca visto, na história humana, de desenvolvimento sustentável e bem-estar geral.
Há muitos cálculos e previsões sobre o que acontecerá de mais importante na vida da Terra até 2050. Mas pouco, muito pouco, se fala sobre os progressos sociais que se podem prognosticar para esse período de 35 anos.
Um trilhão e 756 bilhões de dólares em gastos militares. Tamanha fortuna nos leva à outra questão-chave levantada por Edgar Morin e Anne Brigitte Kern: “Podemos sair dessa História?” Ou o armamentismo e os conflitos bélicos são nosso único devir?
Um evento inesperado mostra que pode haver um futuro mais sensato.
O Partido Nacional Escocês (SNP), com prestígio crescente e capaz de desempenhar papel preponderante na política britânica após as eleições de maio vindouro, convidou, em 20 de janeiro, os principais partidos políticos do país a aprovarem a eliminação do sistema de dissuasão nuclear do Reino Unido.4
O líder do SNP no Parlamento, Angus Robertson, propôs que os submarinos nucleares Trident, hoje estacionados na Base de Faslane, perto de Glasgow, Escócia, não sejam substituídos. A seu ver, "chegou a hora de marcar uma data para demolir o Trident e não mais substituir essas armas de destruição em massa".
O SNP, líder da luta para fazer da Escócia um país independente do Reino Unido, sobe nas pesquisas de opinião pública. Ademais, ele vai concorrer às eleições de maio em aliança com o Partido Trabalhista. A coligação parece ter chances nas urnas. O SNP poderá eleger no mínimo 12 deputados, o dobro do que tem hoje.
É verdade que o governo conservador e a oposição trabalhista mantêm um acordo de apoio conjunto à continuidade do Trident, mas alguns deputados trabalhistas já se manifestam contra a linha do partido, ampliando a posição do SNP.
O deputado Angus Robertson vale-se de um argumento muito convincente, sobretudo em época de crise econômica e financeira como a atual: o fim do Trident poderá adicionar mais de US$ 150 bilhões aos carentes cofres britânicos.
A frota de quatro submarinos Trident contribuiu para coroar a Grã-Bretanha como potência nuclear, embora os mísseis nucleares sempre tivessem sido e continuem sendo fornecidos pelos Estados Unidos. Hoje é mais um resquício fantasma da Guerra Fria, que alguns governantes saudosistas tentam ressuscitar. Para que?
Talvez algum espírito mais esclarecido, vindo quem sabe da Escócia, desça em Davos e consiga convencer o nobre público ali presente que apostar prioritariamente no uso da força, as usually, já deixou de ser um bom negócio e pode pôr tudo a perder.
* Vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial, Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica e Chefe dda Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Este artigo reflete apenas a opinião do autor.
Referências
1) Revista Carta Capital, nº 833, de 21/01/2015, p. 18.
2) Morin, Edgard, e Kern, Anne Brigitte, Terra-Pátria, Ed. Sulina, 2011, p. 33.
3) As oito Metas ou Objetivos do Milênio, adotados pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 8/09/2000, são: 1) Acabar com a Fome e a Miséria; 2) Educação Básica de Qualidade para todos; 3) Igualdade entre Sexos e Valorização da Mulher; 4) Reduzir a Mortalidade Infantil; 5) Melhorar a Saúde das Gestantes; 6) Combater a Aids, a Malária e outras doenças; 7) Qualidade de Vida e Respeito ao Meio Ambiente; e 8) Estabelecer uma parceria mundial para o Desenvolvimento. Ver www.objetivosdomilenio.org.br.
4) Notícia da France Press (AFP), de Londres, datada de 20 de janeiro de 2015.
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