segunda-feira, 2 de maio de 2016

"Nas atividades espaciais cabe ao Estado deixar fazer", artigo de José Raimundo Braga Coelho

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Nas atividades espaciais cabe ao Estado deixar fazer

02/05/2016

Uma das iniciativas de estabelecimento de um programa espacial no Brasil ocorreu quando brasileiros e franceses discutiram a possibilidade de criação de uma Missão Espacial Brasileira, que seria executada em parceria com o CNES (a Agência Espacial Francesa). É interessante observar um pressuposto já estabelecido naquela época, ­final dos anos 1970: a implantação de uma empresa que gradativamente deveria transformar-se em uma Integradora, também denominada Contratante Principal.

A ideia de organizar o que se tornaria o Programa Espacial Brasileiro, como um sistema, foi lançada ainda nos anos 70, com a criação, no âmbito do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA), da Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (Cobae). Coube à Cobae conceber e implementar a então denominada Missão Espacial Completa Brasileira (MECB) – um programa integrado que tinha como meta o estabelecimento de autonomia na área espacial, ou seja, colocar satélites brasileiros em órbita, com foguetes nacionais, a partir de um Centro de Lançamentos próprio. A parceria com o CNES, à época, foi deixada de lado.

A MECB foi a tônica do programa espacial nos anos 80 e início dos anos 90, responsável por lançar as bases da infraestrutura e dos quadros técnicos que permanecem até hoje, assim como dos primeiros resultados concretos na área de satélites: o SCD1 e o SCD2 (Satélites de Coleta de Dados).

Em 1988, Brasil e China decidiram desenvolver uma família de Satélites de Observação da Terra (CBERS), dando início a um outro tipo de integração – a integração por oportunidade, valendo-se de parcerias estratégicas, baseadas em dois fatores considerados de suprema importância – os benefícios mútuos e o desenvolvimento conjunto.

Em 1994 foi criada a Agência Espacial Brasileira (AEB), autarquia federal de natureza civil, hoje vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com a incumbência de executar e fazer executar a Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE). Coube à AEB a responsabilidade de dar continuidade aos projetos concebidos no âmbito da MECB, integrada à nova agenda decenal estratégica do Programa Espacial Brasileiro, denominada Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).

Juntos à AEB, responsável pela coordenação geral do programa espacial, o Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (Sindae) conta com dois principais órgãos setoriais: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelo desenvolvimento de tecnologias e sistemas satelitais, e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), onde está o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), que desenvolve tecnologias para os sistemas de lançadores. Agregam-se a esses segmentos, a Indústria Nacional Espacial, as universidades e, mais recentemente, os usuários e parceiros, que utilizam diretamente os benefícios dos empreendimentos.

A despeito da atribuição legal de coordenação concedida à AEB, o Programa Espacial Brasileiro de hoje ultrapassa as fronteiras do PNAE. Estende-se a necessidades ditadas por segmentos importantes da nação. A segurança nacional, com sua envoltória operacional abrangente, é um dos mais ilustres exemplos.

Foi assim que acolhemos a ideia do SGDC (o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação Estratégica), onde a participação do MCTI deve-se à decisão de Estado de que era fundamental aproveitar esta oportunidade para beneficiar o setor espacial brasileiro com conhecimentos e tecnologias, a serem garantidos durante o processo de aquisição dos sistemas.

A AEB foi incluída na gestão do planejamento, da construção e do lançamento do SGDC, e está empenhada nas ações do Plano de Absorção e Transferência de Tecnologia, com isto preparando a base industrial e as nossas instituições para um comprometimento progressivo e efetivo nas próximas missões. A criação no âmbito desse programa de Empresa Integradora, Contratante Principal, em uma articulação entre a Telebrás e a Embraer, atendeu ao princípio que para nós inspira muito sucesso – a Parceria Público Privada (PPP).

É esse, em poucas palavras, o cenário de desenvolvimento da tecnologia espacial que buscamos alcançar. No entanto, cabe ressaltar três desafi­os fundamentais, que se adequadamente superados, poderão contribuir para reverter a percepção sobre os resultados efetivos do nosso programa espacial.

Primeiro: é necessário reconhecer que o orçamento hoje destinado às atividades espaciais brasileiras é muito reduzido, tanto em termos absolutos, quanto em termos relativos. Programas espaciais são exigentes por sua própria natureza, mas os benefícios auferidos não se comparam aos montantes investidos.

Segundo: as instituições públicas executoras dos projetos continuam sufocadas pela burocracia, pelas incertezas jurídicas, pelo temor dos administradores frente aos órgãos de controle, e principalmente, por um aparente e incontornável declínio em seus quadros de servidores técnicos e administrativos. O modelo que rege tais organizações precisa ser mudado, para que haja esperanças de uma reversão da realidade atual.

Terceiro: programas de Estado, via de regra, como os programas espaciais, sempre exigirão a presença e competência do Estado, para formular os requisitos dos sistemas e missões, e contratar sua execução. A opção de fazer ele próprio vem se mostrando cada vez menos efi­caz. Torna-se fundamental que o Brasil entenda que não há alternativa fora da plena atribuição à indústria nacional da responsabilidade pelo desenvolvimento dos projetos em sua fase industrial. Ao Estado não cabe mais fazer, mas deixar fazer, em seu próprio benefício.

José Raimundo Braga Coelho, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB).

Fonte: edição de abril do Jornal da Ciência, publicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
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