sábado, 6 de julho de 2013

Proton, Cyclone 4 e os riscos de falhas

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Em artigo publicado no blog Panorama Espacial há 4 anos, o especialista em propulsão espacial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Dr. José Nivaldo Hinckel, citou como um dos argumentos contrários à utilização do foguete Cyclone 4 pela Alcântara Cyclone Space (ACS) para lançamentos a partir do solo brasileiro, o risco ambiental e risco para habitantes próximos à base de lançamento representado pela falha do foguete nos instantes iniciais do lançamento.

Foi colocada também a seguinte questão: Porque o Brasil vai buscar o Acesso ao Espaço, seguindo uma trilha que está sendo progressivamente abandonada pelos outros programas?

A falha do foguete Proton, ocorrida na última segunda-feira (01), demonstra que este risco não é apenas hipotético. Coincidentemente, na edição desta mesma segunda-feira, a publicação especializada The Space Review divulgou a primeira parte de um artigo relatando ocorrência semelhante com um foguete Longa Marcha 3B, em 1996. A segunda parte do artigo será publicada na próxima segunda-feira. No episódio do lançador chinês, houve um número considerável de vítimas fatais. Dados oficiais reconhecem um número de vítimas da ordem de dezenas. Entretanto, há relatos que elevam este número para meio milhar. No último voo do foguete Titan IV, dos Estados Unidos, em 1998, houve outro incidente semelhante. Neste caso, a falha ocorreu a uma altura de alguns quilômetros. Em comum, todos estes foguetes tem a utilização de propelentes altamente tóxicos, uma mistura de hidrazinas e o tetróxido de dinitrogênio.

Neste tipo de incidente o risco imediato é a ocorrência de incêndio e explosões violentas resultante da queima parcial das centenas de toneladas de propelentes armazenadas nos tanques de propelentes que se se rompem. O risco remanescente é a contaminação ambiental relacionada à parcela sustancial dos propelentes não consumidos no incêndio local. Estes propelentes, principalmente o tetróxido que é mais volátil, formam uma nuvem tóxica de coloração alaranjada que se difunde no ar e é carregada e espalhada pelos ventos, ameaçando e destruindo plantações, animais e populações nas proximidades da base de lançamento.

Em função destes riscos, os programas que utilizam ou utilizaram estes propelentes foram e vão progressivamente abandonando o seu uso: a Agência Espacial Europeia e a Arianespace aposentaram os foguetes Ariane 2, 3 e 4 no início da década passada. Os Estados Unidos descontinuaram a utilização dos foguetes Titan 2 e 4 ainda na década de noventa e suspenderam a produção de novos foguetes Delta 2, restando um reduzido número de foguetes para atender a algumas missões da NASA e do Departamento de Defesa. A Rússia vem desenvolvendo os foguetes da família Angara com propelentes não tóxicos com a finalidade de substituir o venerável Proton. O primeiro testes de foguetes desta família está programado para ocorrer ainda este ano. A China igualmente desenvolve foguetes utilizando propelentes não tóxicos para substituir seus foguetes atuais que utilizam a mesma mistura de propelentes tóxicos. A Coréia do Sul busca o seu foguete utilizando propulsores baseados no foguete russo da família Angara.

Este tipo de acidente, falha nos instantes iniciais do lançamento, pode evidentemente ocorrer, e ocorre, com foguetes utilizando outros tipos de propelentes. Porém, os riscos ambientais e pessoais são muito maiores quando ocorre com foguetes carregados com centenas de toneladas de líquidos altamente inflamáveis e tóxicos.

Considerando os riscos acima expostos, a fragilidade dos planos de negócios e de implantação sustentado pela ACS, assim como a inadequação do envelope de lançamento do Cyclone 4 à demanda de lançamentos, é pertinente repetir a questão colocada há 4 anos: continuará o Brasil a busca do “Acesso ao Espaço” seguindo uma trilha evidentemente  traiçoeira e que está sendo abandonada por todos os outros programas?
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2 comentários:

teste disse...

Mileski
Uma análise de impactos e riscos de contaminação nunca foi realizada ou, ao menos, divulgada. Razões para preocupação e questionamentos são evidentes e respostas apropriadas são fundamentais para a segurança do ambiente, das pessoas e até dos esforços realizados. Você menciona o artigo de há 4 anos, na verdade pelo menos desde 2005 essa questão foi colocada, por exemplo, neste artigo do JCmail: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=24716
O Hinckel tem principalmente alertado para os problemas no caso de um acidente em baixa altitude, sem dúvida isso poderia levar a uma tragédia de enormes proporções. Mas outras questões precisam ser aprofundadas: (1)- os impactos dos resíduos venenosos da combustão do UDMH e o dióxido de nitrogênio, http://ntrs.nasa.gov/archive/nasa/casi.ntrs.nasa.gov/20120002683_2012002115.pdf ;
(2) – impactos associados as características específicas a localização de Alcântara, momentos iniciais e para toda a trajetória em lançamentos equatoriais, polares, ou outros. Veja que o referido par combustível/oxidante não permite ou, ao menos, dificulta mecanismos de tele - destruição, inclusive o Cyclone nem mesmo prevê mecanismo nesse sentido segundo o pessoal da ACS. Em outras palavras, mesmo em acidentes em altitudes elevadas o combustível e o oxidante pode cair até a superfície acondicionados nos respectivos tanques.
É possível que os especialistas possam responder essas questões, no entanto, devido a importância e a complexidade delas impõem a necessidade de análise detalhadas e de resultados abertos. Um exemplo de relatório sumarizado poderia ser o do FAA para o SeaLaunch/Zenith, http://www.fas.org/spp/guide/ukraine/launch/2_99Bslea.pdf . Veja que o SeaLaunch é literalmente localizado em um deserto oceânico, em termos locais, e muito mais distante do que está situada Alcântara de qualquer localidade ambiental ou habitada.
Sempre que possível, e isso foi feito em inúmeras oportunidades, apresento a necessidade da análise do risco dos lançamentos de Alcântara para as autoridades espaciais. Mas ainda entendo que a questão não foi respondida.
Abraços
Décio

Unknown disse...

E por onde anda os defensores das comunidades quilombolas, eles são sabem o risco que esse missel tóxico da guerra fria representa?