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Como será a governança global do espaço nas próximas décadas?
José Monserrat Filho*
“O futuro é uma espécie de banco ao qual vamos remetendo, um a um, os cheques de nossas esperanças. Ora, não é possível que todos os cheques sejam sem fundo.” Mario Quintana (1906-1994), poeta gaúcho.
Uma grande Conferência Internacional sobre como as atividades espacias serão governadas globalmente nos próximos 20-30 anos deverá ser realizada em 2016, porque a governança hoje em vigor não parece atender às suas necessidades mais prementes de atualização e mudanças.
Quem promove o inusitado evento é o Centro de Pesquisas em Direito Aeronáutico e Espacial da Faculdade de Direito da Universidade McGill, de Montréal, Canadá.
Sua meta é criar e/ou reforçar as bases políticas e jurídicas para “o uso sustentável do espaço exterior com fins pacíficos e em benefício de toda a humanidade”.
“Fins pacíficos” e “benefício de toda a humanidade” são, portanto, os termos-chave.
Neste sentido, a Conferência de 2016 enfrentará a missão pioneira e ambiciosa de responder à seguinte pergunta: “A fim de alcançar, de forma eficaz e prática, o objetivo do uso sustentável do espaço exterior para fins pacíficos e em benefício de toda a humanidade, quais deveriam ser o formato e o conteúdo da governança global do espaço nos próximos 20-30 anos?”
É o que anunciam os Professores Ram S. Jakhu, da Universidade McGill, e Joseph N. Pelton, da Universidade George Washington, dos Estados Unidos, autores do texto que procura explicar o “Estudo Internacional sobre Governança Global do Espaço”, a ser elaborado para servir de base à Conferência de 2016.
Participação global – Jakhu e Pelton partem da crença generalizada de que “os problemas globais exigem soluções globais, buscadas e aplicadas por meio da participação global”, e afirmam que “a Conferência Internacional planejada para 2016 será convocada no formato de um fórum internacional interdisciplinar e neutro para descortinar uma visão abrangente, num amplo quadro (Big Picture) das atividades espaciais e da governança global do espaço”.
A ideia, portanto, é de um encontro aberto, imparcial e com participação global, ou seja, não restrito aos países com programas espaciais (spacefaring nations), cujo número aumentou bastante desde os anos 60 – hoje há mais de 60 países que operam seus próprios satélites e mais de 70 agências espaciais nacionais –, mas ainda está longe de incluir todos os 193 Países Membros das Nações Unidas (ONU), ou pelo menos a maioria deles.
Conselho de Segurança do Espaço? – Nas nações desenvolvidas, não raro se insinua a tese de que as decisões espaciais mais relevantes na atualidade devem ser tomadas pelos Estados – em aliança com suas corporações privadas – que mais investem e têm negócios no setor.
Desse ponto de vista, as grandes potências espaciais não podem de modo algum ficar sujeitas à opinião e ao voto de países sem atividades espaciais, pese embora tais atividades afetem cada vez mais os interesses, as necessidades e a segurança da totalidade de países do mundo.
Essa tese abre caminho à criação – na prática ao menos – de uma espécie de “Colegiado de Spacefaring Nations”, similar ao Conselho de Segurança da ONU, que decide com absoluta exclusividade sobre as questões mais cruciais do planeta. Isso, claro, rompe com o princípio de uma comunidade mundial de Estados igualmente soberanos, lavrado tanto na Carta da ONU quanto no Tratado do Espaço de 1967 – a Carta Magna das atividades espaciais.
Objetivos do Estudo sobre Governança Global do Espaço – São cinco, esclarecem Jakhu e Pelton:
“1) Analisar as mudanças as condições econômicas, políticas e sociais globais, e a dependência da infraestrutura espacial;
2) Identificar e avaliar todas as ameaças e riscos espaciais conhecidos;
3) Examinar as oportunidades espaciais e a necessidade do uso pacífico e sustentável do espaço exterior, e a exploração e explotação do espaço em benefício de toda a humanidade;
4) Identificar a segurança e as lacunas técnicas e operacionais a serem preenchidas; e
5) Recomendar o tipo de governança espacial mais apropriado, com seus acordos, arranjos, regulamentos, normas-padrão e mecanismos institucionais adequados, além das inovações e práticas pertinentes às atividades espaciais presentes e emergentes.”
Três Partes com 23 Capítulos – Os cinco objetivos deverão ser alcançados nas três Partes estabelecidas para o Estudo.
A Parte I, sobre os Problemas Gerais, terá três Capítulos:
1º Capítulo – As Tendências Atuais e Emergentes da Governança Global, que incluirá questões como 1) Que mecanismos são hoje utilizados e quais estão deixando de sê-lo? 2) Como o conceito de governança global evoluiu em outras áreas do Direito Internacional (Direito do Mar, Direito Aeronáutico, Antártica, Direito Ambiental Internacional – aquecimento global, mudança climática e perda constante de espécies bióticas –, Direitos Humanos Internacionais, Direito Penal Internacional, Direitos Intergeracionais etc.); e 3) Quais são as implicações desses fatores sobre a governança espacial global?
2º Capítulo – Visão Geral dos Mecanismos Existentes de Governança Global do Espaço, que abordará questões como 1) O atual regime de governança global do espaço foi bem sucedido ou falhou no atendimento ao interesse público global no espaço? 2) Recapitulando os cinco tratados espaciais da ONU, seu impacto atual, sua amplitude e seu status de ratificação, quais são suas principais características relacionadas com a governança global do espaço e suas deficiências; 3) A ONU (Comitê para o Uso Pacífico do Espaço – COPUOS e as Conferências UNISPACE) e suas agências especializadas (União Internacional de Telecomunicações – UIT, Organização da Aviação Civil Internacional – OACI, Organização Meteorológica Mundial (OMM), Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente – UNEP, e UNESCO); 4) Como e em que medida os regimes de costumes e “soft law” (direito não obrigatório, como as medidas de transparência e fomento à confiança) influem na governança global do espaço?
3º Capítulo – A Governança Global do Espaço a partir de Perspectivas Regionais, que questionará as implicações positivas e negativas dos acordos regionais de cooperação como o dos EUA e Agência Espacial Europeia, do Fórum de Agências Espaciais da Ásia e Pacífico (APRSAF) e da Organização de Cooperação Espacial na Ásia e Pacífico (APSCO), bem como a criação de outras agências regionais no Oriente Médio, África e América Latina.
4º Capítulo – Políticas e Legislações Nacionais e a Governança Global do Espaço, que discutirá a fragmentação, os conflitos e a harmonização entre as políticas e legislações espaciais de cada país. E mais: Quais são os limites da jurisdição extraterritorial dos países? Pode um Estado estender sua regulamentação nacional a atividades exercidas no espaço exterior?
5º Capítulo – O Papel das Empresas Privadas Comerciais no Espaço, que examinará as principais forças condutoras do crescente papel das empresas privadas comerciais no espaço e como melhor equilibrar as considerações comerciais com os problemas da governança global do espaço.
A Parte II, sobre as Aplicações (Usos) do Espaço Exterior, terá 11 Capítulos, abaixo elencados, que examinarão a evolução, o status atual e o futuro de cada aplicação, bem como a adequação ou inadequação de sua governança, e se recomendarão ações para melhorar as condições de hoje e de amanhã.
6º Capítulo – Satélites de Telecomunicações;
7º Capítulo – Sensoriamento Remoto e Observação da Terra;
8º Capítulo – Segurança Global do Espaço;
9º Capítulo – Sistemas Globais de Navegação por Satélites & Serviços;
10º Capítulo – Serviços de Lançamentos Espaciais;
11º Capítulo – Missões Espaciais com Humanos;
12º Capítulo – Viagens (Voos) Espaciais de Humanos e Turismo;
13º Capítulo – Migração e Colonização Espacial;
14º Capítulo – Novo Espaço (Aplicações, inclusive Serviços de em Órbita ou no Espaço;
15º Capítulo – Mineração e Uso dos Recursos Naturais do Espaço;
16º Capítulo – Energia Solar com Base Espacial (inclusive os elevadores espaciais);
A Parte III, sobre Os Maiores Desafios, tem seis Capítulos:
17º Capítulo – Problemas Ambientais Globais do Espaço, que vai se indagar se existe ou não governança global no caso das implicações das atividades espaciais humanas sobre o meio ambiente; se as normas emergentes e as diretrizes sobre detritos espaciais (endossadas pela Assembleia Geral da ONU) e sobre a sustentabilidade das atividades espaciais (em elaboração no UNCOPUOS) são a solução requerida; e qual deve ser a governança global dos pequenos satélites – cube, micro, nano, pico e outros.
18º Capítulo – O Gerenciamento do Tráfico Espacial e o Controle Coordenado sobre o Espaço Próximo, que trata de como gerenciar todo tipo de veículos aeroespaciais e espaciais, bem como do zoneamento das regiões do espaço e do desenvolvimento dos processos de proteção a cada uma delas.
19º Capítulo – Cometas e Asteroides Potencialmente Perigosos e o Severo Clima Espacial; que estudará mecanismos conjuntos para defender o planeta e recuperá-lo dos desastres.
20º Capítulo – Papel do Espaço no Desenvolvimento Econômico a Longo Prazo na Terra, que avaliará os acordos, regulamentos, normas-padrão, códigos de conduta e diretrizes capazes de fazer avançar a economia global ou a preservação da segurança econômica mundial.
21º Capítulo – A Extensão dos Benefícios e Usos do Espaço para Toda a Humanidade, que vai revisar “o uso e o potencial do espaço no Sul Global para o cumprimento das metas do Milênio para o desenvolvimento”, bem como verificar se as normas do Direito Espacial, vinculantes ou não, se aplicam a todos os países do mundo.
22º Capítulo – A Formação de Competências para a Governança Global do Espaço, que buscará responder à questão sobre o papel da educação superior e da pesquisa para garantir a sustentabilidade das atividades espaciais, seus fins pacíficos e benefícios para toda a humanidade.
A Parte IV, sobre Conclusões e Recomendações, tem um único capítulo:
23º Capítulo – Conclusões, Resultados Consolidados e Recomendações, que tentará nos dizer, enfim, quais serão as estruturas que a governança global do espaço deverá (ou poderá) assumir – tanto formalmente quanto no conteúdo – nos próximos 20 ou 30 anos.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Esse artigo expressa exclusivamente a opinião do autor.
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