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Os 50 anos da I Conferência da ONU sobre Espaço
José Monserrat Filho*
“Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.”
Carlos Drummond de Andrade
O cinquentenário da 1ª Conferência das Nações Unidas sobre a Exploração e o Uso Pacífico do Espaço Exterior (UNISPACE I)1, realizada de 15 a 18 de outubro de 1968, será comemorado, em 2018, com um encontro de alto nível sobre o tema “O Espaço como Condutor do Desenvolvimento Sócio Econômico Sustentável”. É o que anuncia o Escritório da ONU sobre Assuntos do Espaço (UNOOSA, na sigla em inglês), que promoverá em 19 de novembro deste ano, em Viena, Áustria, a primeira reunião de preparação para o magno fórum. O programa da reunião prevê quatro pilares temáticos: economia espacial, sociedade espacial, acessibilidade ao espaço e diplomacia espacial.2
Tais áreas temáticas terão, forçosamente, que enfrentar o maior desafio das atividades espaciais do nosso tempo – a conquista de garantias reais para sua sustentabilidade a longo prazo, para os mais sólidos meios de proteção e segurança do espaço, e para o uso exclusivamente pacífico de suas órbitas, com a proibição de ali se instalar qualquer tipo de armas.
Clima da época – Vale recordar o contexto mundial em que ocorreu a UNISPACE I.
(1) 1968 é o 11º ano da Era Espacial, iniciada pelo Sputnik-1 em 4 de outubro de 1957;
(2) Em 10 de outubro de 1967, entra em vigor o Tratado do Espaço3, saudado como a Carta Magna do espaço e das atividades espaciais;
(3) Desenvolve-se a corrida espacial entre a ex-União Soviética (URSS) e os EUA para ver quem chegaria primeiro à Lua. Os EUA venceram a competição. Os astronautas da Missão Apollo 11 pisaram no solo lunar em 20 de julho de 1969;
(4) A guerra no Vietnã (ou guerra americana, para os vietnamitas) intensifica-se – duraria 20 anos, de 1955 a 1975. Os EUA saem derrotados, mas hoje têm boas relações com o país asiático;
(5) Em 20-21 de agosto, a URSS invade a então República Socialista da Tchecoslováquia, para impedir as reformas políticas liberalizantes do governo de Alexander Dubcek;
(6) Em 1º de julho, assina-se o Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que entra em vigor em 1º de março de 1970 e reconhece cinco países detentores de tais armas – EUA, União Soviética (hoje representada pela Federação Russa), Reino Unido, França e China, aos quais se somam hoje Índia, Paquistão e Israel. O Brasil adere ao TNP em 7 de dezembro de 1998;
(7) Em 22 de abril, entra em vigor o Tratado de Tlatelolco, assinado, na Cidade do México, em 14 de fevereiro de 1967, que torna a América Latina e o Caribe zona livre de armas nucleares, sendo hoje ratificado pelos 33 países da região;
(8) Em 25 de agosto, a França explode no Oceano Pacífico sua primeira bomba de hidrogênio, depois de realizar inúmeros testes com armas nucleares de 1960 até 1966.
(9) EUA e União Soviética mantêm mais de 38 mil ogivas nucleares. Esse número iria subindo e superaria os 70 mil em 1986. Apesar do congelamento do poder nuclear global fixado pelo TNP e de certos acordos entre as duas maiores potências, a Guerra Fria em 1968 corre solta.
Relator da UNISPACE I – O relator foi o diplomata brasileiro Geraldo de Carvalho Silos4, que trabalhou por mais de dez anos na Missão do Brasil junto às Nações Unidas (ONU), em especial junto ao Comitê da ONU para o Uso Pacífico do Espaço (UNCOPUOS, na sigla em inglês). Depois, foi embaixador no Japão, México, Canadá e Suíça. Seria justo e oportuno que a delegação do Brasil no Fórum dos 50 anos da UNISPACE I, em 2018, prestasse especial homenagem ao embaixador Geraldo de Carvalho Silos, por seu valioso aporte ao desenvolvimento das atividades espaciais, em geral, e do Direito Espacial, em particular.
UNISPACE I, II e III – Eis alguns dados sobre cada Conferência, todas sediadas em Viena:
A UNISPACE I teve a participação de 78 Estados Membros e nove agências especializadas da ONU, além de quatro outras organizações internacionais. Em 1968, a ONU tinha 126 Estados Membros5. Ou seja, 62% deles participaram da UNISPACE I.
A UNISPACE II, realizada de 9 a 21 de agosto de 1982, teve 94 países participantes. A ONU contava então com 157 Estados Membros. Isso significa que 60% deles compareceram ao evento, que, entre outras decisões, aprovou a criação dos Centros Regionais de Educação em Ciência e Tecnologia Espacial, inclusive um centro latino-americano que se divide entre o Brasil e o Máxico. Foi uma reunião difícil. As armas antissatélites começavam a ser testadas pelos EUA e URSS.
A UNISPACE III, de 19 a 30 de julho de 1999, recebeu 170 países. A ONU tinha então 188 Estados Membros. Quer dizer, cerca de 90% deles compareceram ao evento. Promovida sob o tema “Os Benefícios do Espaço para a Humanidade no Século 21”, a UNISPACE III aprovou “O Milênio Espacial – Declaração de Viena sobre o Espaço e o Desenvolvimento Humano”. O mundo vivia ainda as esperanças do período pós-Guerra Fria.
Balanço das três UNISPACE – O encontro de 2018 poderá fazer um balanço objetivo dos avanços e falhas das três UNISPACE, sobretudo no tocante à governança global das atividades espaciais, que hoje mais do que nunca está sendo questionada.
Poder transformador na UNISPACE+50 – O mais importante em 2018, porém, será certamente o empenho para implementar a Agenda de Desenvolvimento pós-2015 da Declaração do Milênio, que visa, entre outras coisas, erradicar a pobreza e a fome no mundo, assegurar a sustentabilidade ambiental e construir uma “parceria global para o desenvolvimento”. Para isso, são necessários “instrumentos avançados com poder transformador” que possam ser “universalmente aplicáveis a todas as áreas do desenvolvimento”, como diz a nota informativa da UNOOSA. A nota ressalta que “a tecnologia espacial dispõe dos meios capazes de transformar as abordagens tradicionais em praticamente qualquer setor da economia”. A meta maior seria, então, substituir as abordagens tradicionais por outras mais inovadoras e efetivas. A questão é saber para que lado penderão as inovações, para o largo interesse público – que inclui produtiva participação privada – ou apenas para o estreito interesse privado, concentrado nos hiper poderosos círculos financeiros.
Série de fóruns setoriais – Com vistas ao evento de 2018, a UNOOSA deverá organizar, a partir de 2016, uma série de fóruns de alto nível sobre o espaço como condutor do desenvolvimento socioeconômico sustentável, discutindo suas diversas dimensões: econômica, ambiental, social, política e legal, sempre de olho no desenvolvimento sustentável global.
A reunião preparatória de 19 de novembro deve contar com a participação de autoridades governamentais, representantes de agências espaciais e outros altos funcionários. Será, portanto, uma reunião oficial. Pelo anúncio feito, parece que não haverá lugar, pelo menos na mesa dos debates, para cientistas, pesquisadores, tecnólogos e empresários. Será bom isso?
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Esse artigo expressa exclusivamente a opinião do autor.
Referências
1) Ver no site www.unoosa.org/pdf/gadocs/A_7285E.pdf.
2) Veja no site https://mail.google.com/mail/u/0/?tab=wm#inbox/14f8e483fa2f5985?projector=1.
3) Veja no site http://www.sbda.org.br/textos/textos.htm.
4) O embaixador Geraldo de Carvalho Silos, natural de Casa Branca (São Paulo), faleceu no Rio de Janeiro, em 31 de janeiro de 2013, aos 83. Jornalista e diplomata, publicou duas traduções de William Shakespeare, "Hamlet" (Editora JB, 1984) e "Antônio e Cleópatra" (Topbooks, 1997).
5) Ver no site www.un.org/en/members/growth.shtml.
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