domingo, 4 de maio de 2014

"O Brasil nos planos da MDA"

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O Brasil nos planos da MDA

André M. Mileski

Uma das principais características do Canadá, facilmente notada por qualquer visitante, é seu forte caráter multinacional. Dos países desenvolvidos, é o que mais recebe imigrantes, oriundos de praticamente todas as regiões do mundo. No final de janeiro, a reportagem de T&D esteve na Califórnia, nos Estados Unidos, e em Vancouver, no Canadá, para conhecer um pouco mais sobre a MacDonald, Dettwiler and Associates (MDA), que, a exemplo de seu país de origem, também está muito alinhado ao conceito de multinacionalidades. E isso se percebe de diferentes maneiras, inclusive entre os altos executivos. O presidente do grupo, Daniel Friedmann, nasceu em Santiago do Chile. John Celli, presidente da Space Systems/Loral (SSL), adquirida pela MDA, é italiano. E não são casos isolados, havendo outros exemplos de executivos e funcionários de origem estrangeira ocupando posições importantes.

Como parte de sua missão, a MDA, com clientes em todos os continentes, está buscando se tornar mais multinacional, tendo a intenção de ampliar suas bases industriais para além do Canadá e Estados Unidos, em mercados emergentes, como o Brasil, a Rússia e a Índia.

Capacidades e tecnologias

A MDA foi fundada em 1969 por dois empreendedores, John MacDonald e Werner Dettwiler, que deram origem ao seu nome. Ao longo de sua história, a empresa realizou aquisições e consolidações, tornando-se um dos principais grupos em suas áreas e atuação no mundo. Contando com cerca de 4.500 funcionários, se identifica como uma companhia global de comunicações e informação, fornecendo soluções operacionais para organizações comerciais e governamentais. Em 2012, seu faturamento superou US$ 1,835 bilhão.

A MDA está organizada em duas divisões principais: Comunicações, e Vigilância e Inteligência (Surveillance and Intelligence), que tem sob seu guarda-chuva as atividades de vigilância baseadas em satélites e em aeronaves, estações terrestres e serviços de informação geoespacial.

As soluções envolvendo satélites, por exemplo, incluem missões radar, tecnologia em que a MDA é reconhecida como líder, como a família RADARSAT, e a expertise para o desenvolvimento e construção de satélites e constelações para necessidades em observações terrestre, como a RapidEye, e espacial. Também inclui toda a capacitação em robótica espacial, outra área em que tem grande reputação internacional - o enorme “braço” robótico que equipa a Estação Espacial Internacional, chamado de Canadarm, foi desenvolvido e fabricado pela empresa.

A série de satélites RADARSAT teve início em 1995, com a colocação em órbita de sua primeira unidade, que esteve ativa por 18 anos, e que de certa forma definiu padrões de operação de radares baseados no espaço. Em dezembro de 2007, o segundo satélite da série foi colocado em órbita e se encontra em operação, fornecendo dados para aplicações civis, comerciais e em defesa. Uma nova constelação, conhecida como RCM (RADARSAT Constellation Mission) teve sua fase de construção contratada pelo governo canadense no início de 2013 e envolverá, inicialmente, três unidades com lançamento previsto para 2018. Quando em órbita, os novos satélites proporcionarão cobertura diária das zonas costeiras da América do Norte, com modos otimizados para a detecção de navios, além de integração simultânea com dados AIS (Automatic Identification System) para operações de interdição. O Canadá já planeja uma extensão da constelação com outras três unidades, e está ativamente buscando por parceiros internacionais para ampliar ainda mais a constelação e a frequência de revisitas.

Em matéria de radares embarcados, a MDA desenvolve e projeta radares específicos e complexos para imageamento em alta resolução por meio de tecnologia radar (SAR - Synthetic Aperture Radar), e tecnologias de identificação de movimentação de alvos e outras ferramentas de detecção e identificação.

Junto ao fato de ter construído os satélites RADARSAT, a MDA é operadora, respondendo ainda pela distribuição global de suas imagens. Ao mesmo tempo, a companhia oferece serviços derivados das imagens para clientes em diferentes setores, como defesa, meteorologia, transportes, energia, mineração, petróleo e gás, etc.

Em estações terrestres para a recepção de dados de imagens, a MDA já ultrapassou 40 anos de experiência e entregou mais de 70 unidades desde 1980. Suas estações hoje recebem dados de diversos satélites, como os World View 1 e 2, Pleiades 1A e 1B, SPOT 6 e 7, a constelação RapidEye, RADARSAT-2, entre outros.

É dentro da divisão Surveillance and Intelligence que são desenvolvidas as soluções em vigilância e monitoramento marítimos, como o Polar Epsilon, em operação pelas Forças Armadas canadenses. Por meio desse sistema, o país é capaz de detectar, identificar e rastrear ameaças em potencial nos mais de 20 milhões de km2 da área marítima de sua responsabilidade. Toda esta área é imageada diariamente pelo RADARSAT-2 e, por meio de estações localizadas nas costas leste e oeste, as imagens são baixadas, processadas e analisadas, e as informações resultantes são transmitidas aos centros de operações marítimas num tempo inferior a 15 minutos. Como parte desse processo, o sistema, com intervenção dos operadores, realiza as detecções das embarcações presentes nas imagens e faz um cruzamento dessas detecções com os sinais emitidos por transpônderes AIS das embarcações, que são transmitidos por satélite. Desta forma, potenciais ameaças podem ser identificadas.

Outro produto são os centros de comando marítimo, criados para estabelecer uma Consciência Situacional Marítima, por meio da integração de diferentes sensores e fusão de dados. Ferramentas analíticas são utilizadas nesses centros para apoiar na identificação automática de ameaças e envio de alertas, permitindo ações rápidas. Elas proporcionam a detecção de ameaças quando características específicas de determinadas embarcações, obtidas de diferentes fontes, são consistentes com padrões indicativos de comportamento ilegal ou suspeito. Ainda, possibilitam buscas complexas de embarcações com base em localizações, períodos e contextos, além de preverem suas posições, rotas e destinos.

Liderança em comunicações por satélite

Em junho de 2012, a MDA deu um grande salto ao adquirir da holding Loral Space & Communications, por US$ 875 milhões, a SSL. Com a aquisição, a MDA consolidou sua presença no setor espacial, em particular, em comunicações, segmento em que já atuava quanto a cargas úteis e subsistemas, principalmente, e passou a ter uma notada presença industrial nos Estados Unidos, um mercado considerado estratégico. A origem da SSL, no entanto, remonta a 1957, quando foi fundada com o nome Western Development Laboratories, do tradicional grupo Philco. Em 1976, a SSL passou a integrar a divisão de sistemas espaciais da Ford Motors, que a vendeu para a Loral Space & Communications no início da década de 1990.

Seu primeiro satélite foi o Courier 1B, colocado em órbita em outubro de 1960, e o primeiro artefato da história a realizar uma transmissão de dados entre diferentes pontos da Terra. Por meio do Courier 1B, um globo com cerca de 230 kg, o presidente norte-americano à época, Dwight Eisenhower transmitiu uma mensagem às Nações Unidas.

Hoje, a SSL responde por cerca de metade do faturamento da MDA, ocupando a liderança no segmento de satélites comerciais de comunicações. Neste mercado, desde 2005, a companhia fechou mais de 50 contratos, representando cerca de 40% do total de encomendas para satélites geoestacionários comerciais com potência superior a 8 kW. Seus números, em geral, impressionam. Os clientes incluem as principais operadoras, e mais de 70 satélites geoestacionários que saíram de suas instalações em Palo Alto estão em operação em órbita. Desde o seu surgimento, a SSL construiu mais de 250 satélites, contando com uma carteira de pedidos superior a 20 artefatos.

Estreando no mercado de observação terrestre, no início de fevereiro, a SSL anunciou sua contratação pela Skybox Imaging, dos Estados Unidos, para a construção de uma avançada constelação de pequenos satélites de observação de órbita baixa, formada por treze satélites, cada um com dimensões de 60 x 60 x 95 centímetros e massa aproximada de 120 kg, a serem lançados em 2015 e 2016. Os satélites serão capazes de gerar imagens coloridas submétricas e vídeos em alta definição com até 90 segundos e 30 frames por segundo. Uma vez completada, a constelação proporcionará três revisitas diárias de um mesmo ponto na Terra. “O contrato da Skybox é uma evidência concreta de nosso sucesso em trabalhar com a MDA para nos expandirmos em novos mercados”, declarou John Celli. “Baseado nas capacidades únicas da SSL como fabricante de satélites e na história da MDA, nós estamos desenvolvendo novas capacidades que nos permitir buscar outras oportunidades em observação terrestre e satélites de órbita baixa nos Estados Unidos e no exterior.” Como parte do acordo, a SSL terá uma licença exclusiva do design do satélite projetado pela Skybox Imaging, abrindo um novo leque global de oportunidades.

Brasil: negócios e oportunidades

A MDA atua no mercado brasileiro desde a década de 1980, quando a Spar Aerospace forneceu para a então estatal Embratel seus primeiros dois satélites de comunicações, os Brasilsat A1 e A2. Nos anos de 1990, o grupo canadense participou do projeto do Sistema de Vigilância da Amazônia (SIVAM), fornecendo uma estação terrestre capaz de receber e processar dados de cinco diferentes satélites de sensoriamento, integrada às instalações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e radares de imageamento em bandas L e X que equipam as aeronaves Embraer R-99, da Força Aérea Brasileira (FAB). Há mais de 15 anos, fornece imagens radar geradas por sua família RADARSAT para a Petrobras e outras empresas brasileiras, permitindo cobertura diária de suas plataformas offshore.

Em comunicações, a SSL firmou nos últimos anos contratos com a Star One, principal operadora de comunicações por satélite do Brasil e uma das maiores da América Latina, para o fornecimento de dois satélites geoestacionários, o Star One C4, previsto para ser lançado no final de 2014, e o Star One D1, que deve voar em 2016, ambos a bordo do lançador Ariane 5, da Arianespace. Os dois novos sistemas fornecerão capacidade para novas demandas decorrentes dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro (RJ). Em entrevistas concedidas à T&D, executivos do grupo também mencionaram o crescente interesse de países na região em desenvolver suas próprias capacidades espaciais, como em comunicações e observação terrestre.

A SSL foi uma das finalistas da concorrência do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), que proverá capacidade nas bandas Ka e X para o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e o Sistema de Comunicações Militares por Satélite (SISCOMIS), respectivamente. Embora não tenha sido selecionada, a empresa, que construiu mais satélites de banda larga do que qualquer outro fabricante, está atenta a futuras oportunidades para atender ao governo brasileiro.

No continente latino-americano, a MDA também fornece sistemas e serviços para governos e clientes comerciais há mais de 30 anos, possuindo contratos ativos no México, Colômbia, Venezuela e Argentina. A companhia construiu outros satélites de operadores internacionais que oferecem serviços de transmissão para o Brasil e América Latina, contando ainda com outros satélites em sua carteira de pedidos.

Na visita ao Canadá, executivos destacaram que para atenderem as necessidades oficiais, o grupo busca estabelecer uma presença local de longo prazo, de forma a desenvolver soluções locais não apenas para o Brasil, mas também para mercados em que o País tenha forte influência geopolítica, diretrizes em linha com os preceitos da Estratégia Nacional de Defesa.

Falando em perspectivas, e em busca do ímpeto inicial para tais objetivos, a MDA está atenta a oportunidades relacionadas a programas estratégicos das Forças Armadas brasileiras, como o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), em implantação, o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz) e o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), estes últimos prestes a serem licitados. Como parte desse esforço, a empresa tem interagido com o governo e órgãos militares para entender as demandas, e considerado vários modelos de parcerias com indústrias brasileiras dos setores aeroespacial e de defesa.

Por razões lógicas, o SisGAAz, assunto do momento para a defesa brasileira, é uma iniciativa à qual a MDA tem muito o que contribuir, segundo foi destacado à T&D. Ao longo de sua trajetória, o grupo desenvolveu várias soluções de vigilância e monitoramento de extensas áreas marítimas para o governo canadense e outros clientes internacionais que envolvem assuntos complexos, como fusão de dados, integração de sistemas e sofisticados algoritmos, apenas para citar alguns. Segundo representantes da MDA, tais conhecimentos, adquiridos e desenvolvidos em projetos em operação, são fundamentais para o efetivo funcionamento de redes complexas como a planejada para o SisGAAz.

Numa fase menos madura, embora bastante avançada, também já começam ocorrer movimentações industriais direcionadas ao PESE (ver matéria), programa de grande interesse da MDA e que deve envolver um forte elemento de transferência tecnológica e indústrias locais. Além desses grandes projetos de sistemas, os canadenses também estão atentos a outras oportunidades no País, como a ampliação de serviços de imagens por satélite – algo inerente ao Brasil por sua extensão territorial, e uma futura modernização do sofisticado radar de abertura sintética que equipa o R-99, um projeto que está em consideração pela FAB.


Identificando ameaças e práticas ilegais

Na visita da reportagem de T&D à MDA no Canadá, houve a oportunidade de acompanhar uma apresentação sobre o sistema BlueHawk, para a Consciência Situacional Marítima, disponível por meio de assinaturas mensais. Basicamente, trata-se de um serviço de informações da MDA que envolve a fusão de dados comerciais e não confidenciais, oriundos de satélites, sinais AIS e LRIT, dados de registro de navios e outros dados contextuais.

Dois exemplos reais do BlueHawk demonstram a importância de se dispor de meios eficazes de vigilância. Em janeiro de 2013, numa área de 500 km por 500 km na costa de São Paulo, imagens do satélite RADARSAT-2 identificaram 233 embarcações, enquanto que apenas 179 estavam transmitindo sinais AIS. Por regras internacionais, qualquer embarcação civil com tonelagem igual ou superior a 300 toneladas deve obrigatoriamente dispor de um transpônder AIS, permitindo o seu monitoramento por meio de sinais transmitidos a satélites.

Outra demonstração apontou uma prática ilegal, mas que é comum: navios-tanque que “lavam” seus tanques em alto mar, antes de chegarem aos portos. Com a “lavagem”, uma quantidade significativa de óleo e/ou outros produtos químicos são despejados no mar, causando poluição e deixando rastros que podem ser identificados por satélites. O BlueHawk imageou a prática e identificou o navio.


Fonte: revista Tecnologia & Defesa n.º 136, março de 2014.
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