quinta-feira, 24 de abril de 2014

"Por dentro do PESE"

.
Por dentro do PESE - Conhecendo os seus propósitos e objetivos

André M. Mileski

a edição n.º 132, Tecnologia & Defesa traçou um panorama sobre as ações hoje em curso nas Forças Armadas brasileiras envolvendo sistemas espaciais, em particular, satélites, em linha com o preconizado pela Estratégia Nacional de Defesa (END), documento hoje basilar para qualquer política associada à defesa no País [veja a reportagem]. Na ocasião, foi focado o projeto do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), finalmente contratado no final de 2013, e que proverá capacidade para o Sistema de Comunicações Militares por Satélite (SISCOMIS).

Também já esteve na pauta da revista, ainda que brevemente, a criação da Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais (CCISE), constituída pelo Comando da Aeronáutica (ComAer), em fevereiro de 2012, para coordenar o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE).

Origem e justificativas

O Comando da Aeronáutica, juntamente com outros órgãos governamentais, foi incumbido na END da responsabilidade de buscar autonomia do ciclo completo associado ao campo espacial, que inclui a produção, lançamento, operação e reposição de sistemas espaciais, abrangendo desde veículos lançadores a satélites e seu segmento solo.

As diretrizes de implantação do PESE foram aprovadas pelo ComAer em maio de 2012, considerando um cenário de ações de curto, médio e longo prazos, num horizonte de 20 anos. O PESE aponta várias premissas operacionais e técnicas necessárias ao emprego de sistemas espaciais pelas Forças Armadas, com foco na definição de suas necessidades e requisitos. Os sistemas considerados no PESE devem atender, no campo militar, à modernização de variados sistemas atualmente em operação, como o Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA), o Sistema de Enlaces de Digitais da Aeronáutica (SISCENDA), o SISCOMIS, o Sistema Militar de Comando e Controle (SISMC2), e outros que estão em fase de planejamento ou implantação, como o Sistema Integrado de Monitoramento das Fronteiras (SISFRON) e o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz).

Planeja-se ainda o uso de tais sistemas em apoio a iniciativas civis, como, por exemplo, em prevenção e ação em casos de grandes catástrofes ambientais, no Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), e no Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), entre outros.

Premissas

Em sua arquitetura, o PESE apresenta alguns requisitos mínimos e premissas, como a realização de lançamentos anuais de satélites, a preferência por satélites de menor porte e com ciclo de vida mais reduzido, destinados a órbitas baixas, minimizando assim os custos de lançamento. Nos casos de comunicações e meteorologia, até pela natureza das missões, estão previstos satélites geoestacionários de maior porte. Ainda, as contratações dos sistemas quando realizadas no exterior deverão ser acompanhadas de cláusulas de compensação (conhecidas como offsets), buscando aumentar o conteúdo nacional e ganhos com participação industrial e transferência tecnológica em áreas críticas.

Tais premissas são fortemente inspiradas na busca de autonomia, não apenas operacional e técnica, mas também industrial, por meio do envolvimento crescente da Base Industrial de Defesa (BID).

Principais características

Inspirado pelo conceito de guerra centrada em rede (Net Centric Warfare), uma das principais inovações do PESE é o objetivo de se criar um Centro de Operações Espaciais (COPE), que será subordinado ao Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMDABRA) e sediado em Brasília (DF). Prevê-se a instalação de um COPE reserva, situado numa localidade diferente e afastada do centro principal, contando com alto grau de automação para minimizar a necessidade de pessoal.

Caberá ao COPE coordenar todas as atividades operacionais que façam uso de constelações de sistemas espaciais, oferecendo serviços nas áreas de comunicações, observação, mapeamento de informações, posicionamento e monitoramento espacial para o Ministério da Defesa e seus três Comandos, e outros usuários oficiais.

Em sua concepção, o PESE tem seis classes principais de “produtos” que deverão ser gerados por seus satélites e sensores em órbita: Comunicações; Observação da Terra; Mapeamento de Informações; Monitoramento do Espaço; Posicionamento; e o COPE, os quais são melhor detalhados em subclasses. No caso da Observação da Terra, por exemplo, figuram demandas como sensoriamento remoto ótico e radar, além de dados meteorológicos. É com base nessas classes e subclasses, que representam as necessidades operacionais das Forças Armadas em termos de dados gerados a partir do espaço, que serão definidos os requisitos técnicos e as constelações de satélites a serem implementados pelo programa, identificados especificamente como cada subprograma ou projeto.

Dependendo do contexto, também poderão ser levadas em conta alternativas que envolvam conceitos como Hosted Payloads (cargas úteis hospedadas), missões Piggyback (voo de “carona”) e Constelação Virtual, que podem resultar em economia de recursos e agilidade no acesso ao serviço buscado. Como no caso de Hosted Payloads, onde sensores são “hospedados” em satélites de terceiros, comerciais ou não. Este é o modelo até então utilizado pelo SISCOMIS, que tem transpônderes em banda X a bordo de satélites comerciais da operadora brasileira Star One, do grupo Embratel.

As missões em perfil Piggyback, significam o aproveitamento de capacidade ociosa em algum lançamento para acomodar satélites de menor porte. Já o conceito de Constelação Virtual, comumente utilizado na Europa e também por aliados dos norte-americanos em comunicações, envolve a participação numa constelação já existente por meio de acordos e contratos, de forma a viabilizar a utilização imediata dos dados ou capacidade de uma rede já em órbita, até que um satélite próprio seja incluído.

Num primeiro momento, o interesse do ComAer é por uma constelação de satélites de observação, mais precisamente óticos, que atenderiam a situações mais imediatas, em operação até o final desta década. Em seguida, viriam satélites radar, capazes de imagear diuturnamente a superfície terrestre mesmo com cobertura de nuvens.

Perspectivas mais imediatas

O orçamento federal aprovado pelo Congresso Nacional destina ao Ministério da Defesa recursos de R$113 milhões, montante suficiente para a implantação de alguns elementos previstos no PESE.

Segundo pessoas familiarizadas com o assunto ouvidas por T&D, são aguardados avanços concretos do PESE para 2014, muito embora há que se considerar que possam haver atrasos em função do corte de R$ 3,5 bilhões anunciado no orçamento do Ministério da Defesa. Há quem entenda que não haverá tempo hábil para a assinatura de um primeiro contrato (ainda que haja recursos disponíveis), mas acredita-se que neste ano seja iniciado um processo visando à contratação de sistemas, como o envio de solicitações de propostas para fabricantes interessados.

Em paralelo, também começam a surgir movimentações industriais de grupos e empresas estrangeiras e nacionais visando participar do programa. Pelo que a reportagem de T&D pode apurar, o Ministério da Defesa trabalha com a ideia de contratar os sistemas do PESE lançando mão do mesmo artifício utilizado para o SGDC, isto é, por meio de uma prime contractor nacional, que atuaria como integradora dos satélites. Neste sentido, a Visiona Tecnologia Espacial, joint-venture entre a Embraer e a estatal de telecomunicações Telebras, cuja criação foi “patrocinada” pelo SGDC, desponta como uma candidata natural. Junto às atividades de telecomunicações, a empresa já publicamente divulgou sua intenção de buscar oportunidades relacionadas ao PESE e também ao Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), sob a coordenação da Agência Espacial Brasileira.

Nos bastidores, comenta-se sobre a possibilidade de que outras companhias e conglomerados industriais nacionais também buscarem exercer o papel de prime contractor do programa. Seria o caso da Odebrecht Defesa e Tecnologia e sua controlada Mectron, de São José dos Campos (SP), que já possui alguma atuação no setor espacial fornecendo subsistemas para satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre outros.

Fonte: revista Tecnologia & Defesa n.º 136, março de 2014.
.

Nenhum comentário: