Lixo espacial: mitigar ou remover?
José Monserrat Filho *
”Mais vale prevenir do que remediar, tanto na Terra como no céu.” Dito popular adaptado
O lixo espacial é a questão mais crítica em matéria de proteção e segurança no espaço. Só perde para o perigo da instalação de armas em órbitas da Terra, que pode transformá-las em campos de batalha. Mais de 50 anos de atividades espaciais – que se tornaram vitais ao cotidiano na Terra – criaram incrível quantidade de detritos que se multiplicam e perpetuam, e podem acabar inutilizando o uso do espaço, em especial nas órbitas baixas. Tal lixo varia de fragmentos de menos de um milímetro de diâmetro até naves de muitos metros de diâmetro. São satélites desativados, corpos e restos de foguetes, sobras e cacos de colisões e até objetos como luvas, ferramentas etc.
Hoje, claramente, há duas formas de enfrentar o desafio do crescente lixo espacial:
1) Impedindo que as atividades espaciais continuem a produzir detritos em órbitas, como recomendam as Diretrizes para a Redução dos Detritos Espaciais, aprovadas pelo Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (COPUOS, na sigla em inglês) e endossadas pela Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 20071; e
2) Removendo as maiores monturos, para impedir as colisões que, pelo efeito cascata, pulverizam o lixo existente e geram novos detritos. Urge, pois, limpar o espaço da grande sujeira.
Em recente artigo, Darren McKnight, engenheiro norte-americano, afirma com razão que a primeira ação já não garante a sustentabilidade das atividades espaciais. A remoção do lixo também é necessária, acrescenta ele.2
Segundo McKnight, o limite crítico da acumulação de grandes objetos in órbitas baixas já foi ultrapassado. Isso pode provocar a Síndrome Kessler3, ou seja, uma reação em cadeia de colisões auto sustentada, cujo ritmo de choques é incerto devido a sua natureza aleatória.
Ainda segundo McKnight, a média de tempo entre as colisões é atualmente estimada em cerca de quatro anos, mas esse intervalo varia – a colisão pode ocorrer tanto hoje ou quanto na próxima década. E não há certeza de como ela será. Poderá ser um golpe de raspão entre dois objetos de tamanho moderado, uma colisão frontal entre dois objetos de grande massa ou algum cenário intermediário. Por exemplo, há uma chance em 4.000 por ano de dois corpos abandonados de foguetes de 9.000 kg colidirem entre si, o que poderia duplicar o número de detritos catalogados e adicionar mais de meio milhão de fragmentos letais não rastreáveis.
McKnight está seguro de que as operações de remoção ativa de detritos (Active Debris Removal – ADR) levarão décadas para acumular benefícios. Estudos da NASA sobre a eficácia da ADR indicam que seriam necessárias de 30 a 50 remoções para, estatisticamente, prevenir uma única colisão. Assim, removendo de cinco a 10 objetos maciços por ano, seriam precisos de três a 10 anos para impedir apenas uma colisão, segundo as estatísticas. O custo da remoção de cada objeto ainda não foi determinado, mas os valores estimados variam de US$ 10 milhões a $ 50 milhões por objeto. Daí que cada colisão evitada poderá custar de US$ 300 milhões a 2,5 milhões. Mas o pior da história é que a remoção de objetos maciços perdidos no espaço não elimina todos os riscos; ela simplesmente transforma o risco de destruir satélites ativos em risco de atingir pessoas e bens em solo após a reentrada na atmosfera. A urgência também é acentuada pelo fato de que um sistema operacional ADR pode ficar disponível apenas de cinco a 15 anos.
A remoção, claro, busca retirar do espaço todo o lixo de dimensão avantajada, anos ou até décadas antes que ele possa colidir e criar mais lixo. Mas, pergunta McKnight, o que fazer quando é iminente um choque entre dois enormes detritos? E ele próprio responde: hoje, só nos resta cruzar os dedos e esperar o melhor.
O Direito Internacional e o Direito Espacial, considerando a possibilidade de uso das técnicas de remoção de detritos como arma antissatélite, podem desestimular e até barrar o desenvolvimento dessas técnicas. Para McKnight, essa insegurança já está retardando a formulação de uma política que autorize a remoção dos maiores entulhos.
Em vista de tudo isso, McKnight propõe três ações imediatas:
1) Intensificar os esforços de redução de detritos, via aplicação mais rigorosa das diretrizes existentes (por exemplo, conceder menos benefícios a operadores inadimplentes) ou criação de diretrizes mais rigorosas (talvez alterar a regra de 25 anos para 15 anos). Essas diretrizes de mitigação podem ser melhor satisfeitas com a instalação de sistemas “deorbit” nos satélites antes de seu lançamento. Isso permitiria testar parte do sistema ADR, sem ter que lidar com um objeto desamparado em órbita. Isso poderá ser até mais confiável do que planejar uma manobra de propulsão de fim de vida de um satélite, economizando combustível para prolongar sua vida útil.
2) Lograr acordo para acelerar o desenvolvimento, os testes e a implantação de protótipos de operações de remoção. O primeiro passo lógico seria planejar e executar algumas demonstrações de tecnologias da ADR para saber mais sobre como melhorar a eficiência e os custos das operações. Há programas de testes orbitais com vários componentes previstos para os próximos anos, mas ainda não há experimentos em grande escala reconhecidos publicamente.
3) Estudar outras abordagens mais táticas e ágeis para prevenir colisões capazes de impedir uma colisão iminente. Tal solução em potencial, já em discussão, poderá evitar uma colisão a tempo, como um sopro de ar levado por um lançamento balístico para desviar monturos do caminho do mal. Essa abordagem eliminaria a necessidade de capturar objetos maciços, evitando qualquer risco de reentrada, mas deixando-os em órbita. A prevenção de colisão a tempo alavancaria soluções de foguetes confiáveis e baratos existentes, mas exigiria ampliar a capacidade de prever a localização antecipada de objetos abandonados. E, mais importante ainda: isso engendraria uma capacidade de intervenção rápida, não obstrutiva e não destrutiva para evitar uma colisão iminente entre dois enormes objetos perdidos.
Knight sabe que a prevenção de colisões ainda deve superar desafios técnicos, mas considera que com ela tenta-se aumentar as possibilidades de remediar o problema dos detritos. E faz um apelo à comunidade para que crie conceitos mais eficientes em custo e em tempo de ação. A seu ver, hoje mais que nunca, há que inovar e prevenir: “Se o volume do lixo evoluir mais rapidamente do que sugere a média das previsões, não queremos ser pegos de surpresa, nem sermos incapazes de reagir em tempo hábil.”
Ele julga temerosa a ideia de criar um acordo operacional internacional para impedir o aumento do número de detritos espaciais e, ao mesmo tempo, remover os enormes objetos abandonados. Mas considera ainda mais desafiador, técnica e financeiramente, esperar até que grandes colisões nos obriguem a iniciar para valer o trabalho de remoção. Ou seja, é melhor prevenir do que remediar – até o mundo mineral sabe disso, como diz o indefectível Mino Carta. E não esquecer a função responsavelmente preventiva do direito internacional pós-bomba nuclear.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Este artigo reflete apenas a opinião do autor.
Referências
(1) Resolução 62/217 de 22 de dezembro de 2007
(2) McKnight, Darren, Orbital Debris Remediation: A Risk Management Problem, Space News, 28/01/2015. O autor é diretor técnico da Integrity Applications Inc., empresa de serviços de engenharia e software, em Chantilly, Virginia, EUA.
(3) Ver
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