.
A China e a mineração de recursos do espaço
José Monserrat Filho *
“A pior ambição do ser humano é desejar colher os frutos daquilo que nunca plantou.” Augusto Branco (1980-), de Porto Velho, Rondônia, poeta e escritor
Ainda não são conhecidas as opiniões de potências espaciais, como China, Índia, Rússia e outras, sobre a nova lei dos EUA que regula a explotação de riquezas do espaço. Aqui vai um texto recente genérico de um jurista chinês a respeito do aproveitamento de recursos da Lua pelo seu país.
“Há suspeitas sobre o real propósito da China no avanço das tecnologias espaciais e sobre se a China será um ator espacial responsável”1, escreve Wu Xiaodan, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Central de Finanças e Economia de Pequim, em seu artigo “Exploração e Explotação da Lua pela China: Energia positiva ou não para o Direito Internacional?”, publicado no Anuário Mexicano de Direito Internacional2, no início de 2015.
Wu também reconhece que “há dúvidas ou críticas de que os esforços chineses na Lua, ao avançarem em capacidades espaciais, possam comprometer o ambiente lunar frágil, causar problemas a outras partes interessadas, e até mesmo iniciar uma corrida para explotar a Lua e outros corpos celestes”.
“A China é descrita como um dragão adormecido que desperta, e seu êxito no espaço amplia o risco de corrida espacial na Ásia ou entre a China e os EUA”3, admite Wu e completa: “O objetivo principal deste artigo é avaliar a exploração e o uso da Lua pela China, à luz de suas obrigações internacionais; analisar as perspectivas do papel da China na produção de futuras regras internacionais; e concluir se a China tem gerado energia positiva para o Direito Internacional.” Wu promete abordar no artigo “os aspectos-chave dos problemas jurídicos relativos à exploração e uso da Lua pela China, tendo em vista sobretudo salvaguardar a segurança e a sustentabilidade da Lua”.
O programa lunar da China – Chang'e – foi oficialmente anunciado em janeiro de 2004. A primeira fase do programa incluiu os lançamentos bem sucedidos das sondas Chang'e-1 e Chang'e-2, respectivamente em 24 de outubro de 2007 e em 1º de outubro de 2010, munidas de sistemas de telemetria e rastreamento. As duas sondas abriram caminho à segunda fase, cumprida pelo módulo de alunissagem Chang'e-3, que desembarcou na Lua o jipe Jade Rabbit ou Yutu (Coelho de Jadi), em 14 de dezembro de 2013. A China tornou-se, então, o terceiro país a pousar suavemente na Lua (depois da União Soviética e dos EUA) e o primeiro a visitar a Lua nos últimos 30 anos. A terceira fase compreenderá uma missão robótica, a ser lançada por volta de 2017, que deverá recolher e trazer para a Terra amostras de recursos naturais da Lua, principalmente minerais.4
O programa lunar é chefiado por Ouyang Ziyuan, proeminente cosmoquímico5, membro da Academia de Ciências da China, e seu diretor-geral é o cientista Luan Enjie. Ziyuan alinha-se entre os primeiros cientistas espaciais da China a defender a explotação das reservas de metais da Lua como o ferro, e também o gás Helium-3, raro na Terra e considerado abundante na Lua – ideal para uso em fusões nucleares nas fábricas de energia do futuras. O programa está vinculado à Administração Espacial Nacional da China (CNSA), a agência espacial chinesa.
A China não aderiu ao Acordo da Lua6, mas frisa que ele previne que os corpos celestes se tornem zona de conflitos mundiais. O Tratado do Espaço (1967), o Acordo de Salvamento de Astronautas (1968) e as Convenções de Responsabilidade por Danos (1972) e de Registro de Objetos Espaciais (1976) foram ratificados por Pequim nos anos 80. Wu ressalta que “os corpos celestes são reservados exclusivamente para fins pacíficos” (Art. IV do Tratado do Espaço). E enaltece o mérito do Acordo da Lua por lidar com os recursos do espaço e lançar as bases para a elaboração de um regime internacional sobre sua explotação (Artigo 11).
“A ascensão da China como grande potência espacial desafia décadas de domínio dos EUA no espaço – setor no qual os EUA têm substanciais interesses militares, civis e comerciais”, afirma o Relatório de 20157 – lançado em 17 de novembro – da Comissão de Revisão das Relações EUA-China em Economia e Segurança, criada no ano 2000 pelo governo norte-americano. Dirigido ao Congresso dos EUA, o Relatório reconhece: “Com base em décadas de alta prioridade e investimentos sustentados decididos por seus líderes, a China se tornou uma das mais proeminentes potências espaciais do mundo, produzindo numerosas realizações e desenvolvendo capacidades que promovem ainda mais seus objetivos de segurança nacional, econômicos e políticos”.
E acusa: “As aspirações da China no espaço são movidas por seu entendimento de que o poder espacial viabiliza a modernização militar do país, dirige seus avanços econômicos e tecnológicos, permite desafiar, durante um conflito, a superioridade dos EUA em informação, e concede ao Partido Comunista Chinês relevante legitimidade nacional e prestígio internacional”.
“O governo chinês tem declarado seu apoio persistente ao uso pacífico do espaço em vários documentos e fóruns”, diz Wu em seu artigo. E justifica: “A China compromete-se a respeitar todos os princípios do Tratado do Espaço. Seus Livros Brancos (2000, 2006, 2011) sobre Atividades Espaciais reiteram que um dos propósitos e princípios dessas atividades é usar o espaço para fins pacíficos. (…) Desde os anos 80, com a mudança da prioridade nacional para o desenvolvimento econômico, esse desenvolvimento passou a ser o objetivo das atividades espaciais, com foco central em ações civis. Tais atividades são destinadas sobretudo a promover o desenvolvimento econômico e tecnológico da China, sendo o objetivo da segurança nacional considerado menos importante.” Pelo Livro Branco de 2011, a China busca “estudar o espaço exterior e aumentar o conhecimento da Terra e do Cosmos, promover a civilização humana e o progresso social, atender às demandas do programa econômico, do desenvolvimento científico e tecnológico, da segurança nacional e do progresso social, e construir uma robustez nacional abrangente.”8
“É necessidade urgente garantir que a China não vá desafiar a segurança nacional dos EUA”, frisa Wu. A seu ver, os argumentos de que o avanço das capacidades espaciais da China desafiam e ameaçam as forças armadas dos EUA “negligenciam o fato de que o impulso real da estratégia espacial e do desenvolvimento tecnológico da China é de natureza e orientação defensiva. O desenvolvimento pacífico e harmonioso é a meta estratégica que a China traçou para seu futuro. A China não busca a hegemonia ou a dominação mundial, e o principal objetivo de suas atividades espaciais não é obter vantagens militares assimétricas." Wu trata de explica a razão: “Esta posição decorre da decisão estratégica de que o interesse nacional da China, em especial com vistas ao desenvolvimento econômico, tem por base um mundo pacífico e procura tirar proveito de um clima internacional estável para o desenvolvimento.
É seguro declarar, portanto, que deflagrar uma corrida armamentista não é, nem será, uma opção intencional do governo chinês, que tem o máximo interesse em evitar o desencadeamento de qualquer confronto no espaço."
“O desenvolvimento econômico triunfa sobre o avanço militar”, acrescenta Wu. Segundo ele, “a China investe mais em satélites de comunicação e navegação do que em satélites dedicados às operações de inteligência, os de reconhecimento e os microssatélites. Os primeiros tem grande relevância econômica e trazem menos vantagens para as forças armadas chinesas”.
"A exploração da Lua tem menos utilidade militar que os satélites da Terra, e o esforço lunar da China pode retardar seu avanço em tecnologias espaciais militares”, sustenta Wu. E mais: “As capacidades espaciais progressivas servem como elemento essencial de prestígio nacional e demonstrativo das tecnologias espaciais chineses convencem que a China entrou claramente no reino de grande potência, com relevância política na capacidade de inspirar o espírito nacional, o orgulho, a confiança e a unidade. As capacidades para explorar a Lua têm forte valor como fator de dissuasão e refletem a vigorosa robustez nacional da China, para promover segurança nacional e prestígio associados ao desenvolvimento científico e econômico.
“O espaço, inclusive a Lua, é propriedade de toda a espécie humana e pode ser usado por todos, mas não pode ser propriedade de ninguém” (Artigo II do Tratado do Espaço), lembra Wu, e vê como mais relevante ainda o fato de que “o princípio da não-apropriação, ao proibir os Estados de exercerem direitos de soberania sobre o espaço, teve êxito em manter fora dele rivalidades e conflitos nacionais e promoveu um clima propício às relações pacíficas entre os Estados, o que garantiu a liberdade de exploração espacial e a realização dessas atividades para o bem e no interesse de todos os países. Tal aporte à paz e à segurança internacional tem sido um benefício tangível do Direito Espacial a toda a humanidade. Nos últimos anos, devido ao desenvolvimento das atividades espaciais privadas ou comerciais, tem havido certa oposição ao papel e ao princípio da não-apropriação. Defende-se a abolição desse princípio, alegando que ele é um obstáculo e um impedimento à comercialização dos recursos extraterrestres, ao remover incentivos econômicos”.
Wu afirma que “o programa lunar chinês não visa à aquisição de soberania e direitos de propriedade sobre a Lua ou qualquer de suas partes. Não há razão alguma para a China violar o princípio da não-apropriação e destruir a pedra angular do Direito Espacial Internacional, desafiando a opinião mundial e contrariando as obrigações estabelecidas no Tratado do Espaço”.
“O problema da explotação dos recursos do espaço tem relação com o princípio da não-apropriação, mas é muito mais complexo”, reconhece Wu. Para ele, “os princípios do Tratado do Espaço são de natureza muito geral, sobretudo quanto ao regime jurídico da Lua, à 'incumbência de toda a humanidade' e [ao princípio da não-] 'apropriação por qualquer meio'. Há duas interpretações opostas: proibir as atividades de explotação e permitir a extração de recursos naturais, levando em conta os direitos iguais e os interesses correspondentes dos outros Estados, sem exaurir os recursos”.O caso é que até hoje “o regime de extração e repartição dos benefícios derivados da explotação da Lua não foi estabelecido”, diz Wu. Por isso, ele destaca “a necessidade urgente de preencher as perturbadoras lacunas, principalmente sobre como garantir o uso pacífico da Lua, estabelecer um mecanismo para explotar os recursos dos corpos celestes, e tratar da necessidade de medidas efetivas para conter a produção de detritos espaciais”.
Conclusão – O artigo do professor chinês leva a crer que ele é favorável à criação de um regime internacional para ordenar a explotação dos recursos naturais da Lua, dos asteroides e demais corpos celestes. É difícil admitir que hoje ele apoiaria a nova lei dos EUA, promulgada pelo Presidente Barack Obama em 25 de novembro passado, que estabelece direitos de propriedade para os cidadãos norte-americanos e suas empresas sobre as riquezas por eles obtidas no espaço.9
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB).
Referências
1) China's Jade Rabbit Lands on the moon, but will it play nice there?, http://www.csmonit or.com/Science/2013/1216/China-s-Jade-Rabbit-lands-on-the-moon-but-will-it-play-nice-there-vi deo, 7 July 2014.
2) Anuario Mexicano de Derecho Internacional, Volume 15, Issue 1, 2015, Pages 137-164.
3) Entre outras fontes, veja Suzuki, The Contest for Leadership in East Asia: Japanese and Chinese Approaches to Outer Space, in Space Policy, vol. 29(2), 2013, pp. 99-106; Seedhouse, New Space Race: China v. USA, Berlin, Spring, 2009.
4) Ver mais detalhes: https://pt.wikipedia.org/wiki/Programa_Chin%C3%AAs_de_Explora%C3%A7%C3%A3o_Lunar.
5) Ver https://en.wikipedia.org/wiki/Ouyang_Ziyuan.
6) Ver seção de textos no site www.sbda.org.br.
7) Ver: http://www.uscc.gov/Annual_Reports/2015-annual-report-congress. Os trechos citados estão em “Executive Summary and Recommendations”, pp. 11 e 13
8) Ver www.scio.gov.cn/zfbps/ndhf/2011/Document/ 1073720/1073720.htm.
9) Ver www.gpo.gov/fdsys/pkg/BILLS-114hr2262enr/pdf/BILLS-114hr2262enr.pdf.
.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário