terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

"Batalhas e preces na nova Guerra Fria", artigo de José Monserrat Filho

.
Batalhas e preces na nova Guerra Fria

José Monserrat Filho *

“Lá onde cresce o perigo, cresce também o que salva.” Johann Christian Friedrich Hölderlin (1770-1843), poeta alemão

A Secretária da Força Aérea dos EUA, Deborah Lee James, e o Chefe do Estado Maior dessa Força, General Mark A. Welsh III, depuseram perante a Comissão de Orçamento do Senado americano, em 10 de fevereiro, buscando convencer os membros da Câmara Alta do Congresso Nacional da necessidade de aprovar mais recursos para essa área militar, no ano fiscal de 2017, conforme notícia da própria Força Aérea.

Ambos enfatizaram que o poder aéreo do país precisa continuar aumentando e que a distância entre a Força Aérea dos EUA e a de seus mais próximos “perseguidores” continua diminuindo. A titular da Força Aérea declarou: “O fundamental aqui (...) é que nós estamos completamente engajados em todas as regiões do mundo, em todas as missões regionais, em todo o espectro das operações militares". E resumiu: “Simplificando, nunca estivemos mais ocupados de forma tão sustentada e numa base tão global" (“Put simply: we have never been busier on such a sustained and such a global basis.”).

A notícia não dá os números completos da proposta orçamentária da Força Aérea. Diz apenas que ela visa “construir, treinar e equipar uma Força Aérea capaz de responder às ameaças de hoje e de amanhã”, segundo a informação. O General Welsh, por sua vez, advertiu: "Sem poder aéreo, os EUA não podem lutar nas guerras de hoje, muito menos vencê-las. Isso mostra o quanto mudou a guerra moderna. A demanda pelo poder aéreo continua crescendo.” E tocou num ponto sensível para os senadores: “Trabalhamos duro para sermos cada vez mais eficientes – o que é um dever – e para reduzir o custo operacional efetivo da nossa Força Aérea. Mas, se menos capacidade ou menos habilidade ou menos preparo significar, eventualmente, a perda de mais um jovem norte-americano no campo de batalha, todos nós desejaríamos ter feito melhores investimentos."

A chegada solene a Washington de uma urna coberta com a bandeira dos EUA contendo os restos mortais de um jovem soldado ou oficial sempre comoveu muito as famílias americanas, independente das baixas que sua missão tenha causado.

Não por acaso, a Secretária James defendeu três prioridades: “Cuidar das pessoas, equilibrar a prontidão (readiness) e a modernização, e fazer valer cada dólar – princípio básico do orçamento do Presidente [Obama] para o ano fiscal de 2017”, como diz a notícia. A Secretária insistiu no argumento emocional: “Os aviadores e suas famílias são os recursos mais importantes da Força Aérea e nosso orçamento reflete esta verdade.” E a informação enaltece: “A Força Aérea parou de reduzir seus efetivos e começou a dimensionar de forma correta a força total para enfocar uma série de áreas-chave, como cibernética, nuclear, manutenção, inteligência, aviadores do front de batalha e a comunidade de aeronaves remotamente pilotadas.”

“Menos da metade de nossa força aérea de combate está hoje pronta para uma luta de alto nível” (“Less than half of our combat air forces are ready today for a high-end fight”), bateu pesado a Secretária. E arrematou: “Nossa frota de aeronaves nunca foi tão antiga, e nossos adversários rapidamente estão fechando o gap tecnológico em relação a nós, de modo que nós, simplesmente, devemos nos modernizar” ("Our aircraft inventory is the oldest it's ever been, and our adversaries are closing the technological gap on us quickly so we simply must modernize.").

A notícia frisa: “A redução orçamentária de 2013 pressionou a Força Aérea, forçando-a a estacionar jatos, atrasar atualizações e parar treinamentos, o que criou uma lacuna na prontidão. A Secretária não deixou por menos: "Nos últimos dois anos, vimos tentando reconstruir essa prontidão, mas, claro, nossos aviadores continuaram tendo que responder a eventos do mundo real em todo o globo". E advertiu de maneira dramática: "Se voltarmos à redução orçamentária no ano fiscal de 2018, isso vai agravar o problema da prontidão e nos empurrar para traz cada vez mais. Ocorrendo isso, nossos aviadores poderiam ser forçados a entrar em um futuro conflito com a preparação insuficiente."

“Para equipar-se, a Força Aérea tem investido no F-35 Lightning II, KC-46 Pegasus e o bombardeiro de ataque de longo alcance, mas a modernização não pára por aí”, ressalta a informação. O General Welsh endureceu: "As plataformas e sistemas que nos fizeram grandes nos últimos 50 anos não vão nos fazer grandes nos próximos 50". E foi além: "Há muitos outros sistemas que precisamos atualizar ou revalorizar para garantir a viabilidade [da luta] contra as ameaças atuais e emergentes. Sem recursos adicionais, o único modo de fazer isso é alienar a capacidade velha e construir uma nova. Isso exige decisões emocionais muito difíceis – decisões que, simplesmente, precisam ser tomadas se existimos, verdadeiramente, para prover a defesa comum".

 “A Força Aérea deve se modernizar para deter, rechaçar e, decididamente, derrotar qualquer ator que ameace a pátria e seus interesses nacionais”, diz a proposta orçamentária da Força Aérea para 2017, conforme reza a informação. A proposta leva em conta que “os desafiadores da Força Aérea empregam, cada vez mais, sistemas letais, competentes e sofisticados”. O General Welsh foi veemente: "Vinte e cinco anos de operações de combate têm impactado drasticamente o conjunto de nossa força de prontidão, envelhecido significativamente nossos equipamentos e demonstrado o brilho dos nossos aviadores e a lealdade de suas famílias." E mais: “O mundo está mudando, a ameaça está mudando e nossa Força Aérea deve mudar também, se quisermos continuar sendo relevantes. Hoje (…) creio ser nosso trabalho coletivo garantir a capacidade do país de contar com o poder aéreo, quando e onde isso mais importar...” A notícia reforça: “Tal postura reflete a terceira prioridade, isto é, o compromisso da Força Aérea de preservar o dinheiro do contribuinte com uma série de iniciativas que incluem o consumo racional de energia e a redução de custos – ideias que provêm diretamente de nossos aviadores.”

“Nossos adversários potenciais desenvolvem capacidades para negar, degradar e destruir as nossas capacidades espaciais", afirmou o Secretário Adjunto da Força Aérea para o Espaço, Winston A. Beauchamp, durante a entrevista coletiva à imprensa sobre o orçamento de 2017, em 11 de fevereiro, junto com o Diretor dos Programas Espaciais do Escritório da Secretaria Assistente para Aquisições (Office of the Assistant Secretary for Acquisition), Major General Rober Teague. Beauchamp não revelou quem são os “adversários potenciais”. Seja como for, a acusação é extremamente grave e deveria ser submetida à apreciação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Todas essas ameaças, diz o próprio Beauchamp, que já denunciamos em 2015, “continuaram a evoluir”. Na verdade, o perigo que representam atinge, não só os EUA, mas todos os países do mundo. É um típico problema de segurança global. Não deixa ninguém de fora.

Fixado no orçamento para 2017, Beauchamp encarece a necessidade de esforços para manter a capacidade da Força Aérea, aperfeiçoando sua flexibilidade. Tais esforços, explica a notícia, incluem “a determinação de investimentos adequados, o peso da base orçamentária para melhorar a flexibilidade dos programas de registro, a reavaliação das técnicas operacionais, táticas e procedimentos, a exploração da estratégia de contratos inovadores, como as parcerias público-privadas, e uso da cooperação internacional”.

Fica no ar a questão: que países pretendem negar, degradar e destruir as capacidades espaciais dos EUA? China, Rússia, Coreia do Norte, Irã? Os únicos países com capacidade para tanto seriam a China e a Rússia. O Chanceler da China, Wang Yi, disse à agência Reuters, à margem da Conferência de Segurança de Munique (sobre a Síra, entre outras questões), em 12 de fevereiro: “A China opõe-se decididamente a qualquer tentativa de qualquer país de violar os direitos e interesses legítimos da China em nome da questão nuclear na península coreana". Para Wang Yi, a implantação na Coreia do Sul, em base militar americana, do sistema de defesa anti míssil THAAD (High Altitude Terminal sistema Area Defense) “vai muito além das necessidades de defesa da península coreana e atinge em profundidade o continente asiático, afetando diretamente os interesses estratégicos de segurança da China e outros países asiáticos”.

"Deslizamos para novo período de Guerra Fria”, declarou o Primeiro-Ministro da Rússia, Dmitry Medvedev, também à margem da Conferência de Munique. A seu ver, “quase todos os dias, somos acusados de fazer novas e terríveis ameaças à NATO como um todo, à Europa ou aos EUA ou a outros países". Ainda assim, Moscou insistiu na proposta de parceria com os EUA para derrotar rapidamente o Estado Islâmico, que, segundo a Rússia, é hoje o maior perigo comum.

Oremos todos para que não ocorra “uma nova guerra mundial”, rogou o encontro histórico, em Havana, no dia 12 de fevereiro, do Papa Francisco e do Patriarca de Moscou e de toda a Rússia. Para eles, “é necessário que a comunidade internacional faça todos os esforços possíveis no sentido de pôr fim ao terrorismo, mediante ações comuns, conjuntas e sincronizadas”.

São palavras sensatas e objetivas, mas há mais que preces a se fazer neste momento crucial.

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
.

Nenhum comentário: