EUA e China unidos contra o contrabando nuclear. Isso é muito bom, mas não basta
José Monserrat Filho *
“O atual sistema mundial é insustentável a partir de vários pontos de vista, porque deixamos de pensar nas finalidades das ações humanas.” Papa Francisco, Carta Encíclica Laudato Si', sobre o Cuidado da Casa Comum, São Paulo: Paulinas, 2015, pp. 49-50
As duas maiores potência do mundo hoje resolveram se aliar em defesa da segurança nuclear global, contra a possibilidade de construção de armas nucleares por forças terroristas como o Estado Islâmico. A aliança será fortalecida na 4ª Conferência de Cúpula sobre Segurança Nuclear, a ter lugar em Washington, em 31 de março e 1º de abril, com a participação dos Presidentes dos EUA e da China, Barack Obama e Xi Jinping.
A presença do líder chinês, que introduz novos elementos e mais dá vigor ao evento, foi anunciada pelo Secretário de Energia dos EUA, Ernest Moniz, como conta Kathleen McLaughlin, no editorial da revista Science, de 17 de março, intitulado U.S. and China cooperate to thwart nuclear smuggling (EUA e China cooperam para impedir o contrabando nuclear).
Autoridades americanas e chinesas firmaram acordo, em 11 de março, ampliando um programa de cooperação, pelo qual os EUA fornecem à China treinamento e tecnologia para detectar "movimentos ilícitos, contrabando de materiais nucleares e fontes lógicas."
Moniz frisou que as duas potências estão empenhadas em prevenir o contrabando global de materiais nucleares e tomarão medidas efetivas conjuntas na luta contra essa ameaça.
Graças a essa aliança, a China tem novo Centro de Excelência em Segurança Nuclear, perto de Pequim, equipado com laboratórios, locais de teste, e instalações de treinamento, baseados, parcialmente, em aparelhos americanos. A obra foi financiada pelos dois países.
O novo Centro vai detectar o contrabando de materiais que podem ser usados na produção de armas nucleares ou bombas sujas. Essas são armas radiológicas. Combinam material radiativo com explosivos convencionais e contaminam toda a área em torno da explosão, criando pânico e terror, embora não tenham o efeito das armas de destruição em massa. O centro poderá treinar peritos de detecção nuclear de outros países da região, mas a meta central é formar técnicos chineses. Os EUA, com base em outro acordo, também já treinaram pessoal de alfândega chineses para identificar e impedir a entrada ou saída de materiais nucleares ilícitos.
O Estado Islâmico busca matérias-primas para desenvolver tais armas, o que é perfeitamente lógico em sua conduta. Moniz fez questão de citar notícias recentes a respeito.
Para China e EUA, as ameaças em potencial são de extrema gravidade e os dois países vão tratá-las com essa visão. "Estamos trabalhando duro em conjunto e de modo muito concreto", explicou.
O acordo nuclear com o Irã é bom precedente? Moniz esclareceu como EUA e China atuam como copresidentes do grupo de trabalho técnico criado em função do dito acordo. “Já inúmeras vezes, os chineses têm se engajado com os iranianos para que isso ande", notou ele.
Na medida em que os pontos-chave do acordo forem sendo implementados, Moniz espera que surjam planos de cooperação científica. Recordou que os encontros entre cientistas dos EUA e a União Soviética nos anos da Guerra Fria foram essenciais para romper barreiras, e que a cooperação com o Irã poderia produzir benefícios similares. "Certamente não se exclui a possibilidade de que a comunidade científica americana colabore em alguma área de ciência básica", disse Moniz, mas reconheceu: “Vai levar tempo. Obviamente, não começamos uma relação robusta.” Ou seja, é preciso criar um ambiente de confiança mútua, algo que parece muito frágil hoje em dia.
Em Pequim, as autoridades chinesas ampliaram a agenda das conversas com o Secretário de Energia dos EUA, incluindo outros temas, como as mudanças climáticas e políticas energéticas. As negociações devem ter sido positivas, pois Moniz se disse satisfeito com os avanços alcançados. Ademais, ele elogiou o trabalho da China nos últimos meses, em especial por concordar em estabelecer limites às emissões tangíveis, nas negociações de Paris sobre o clima, em 2015. Acabou confessando torcer para que esse progresso de fato se implante, uma vez que ele pressionará os políticos americanos a fazerem o mesmo.
Se uma aliança para garantir a segurança nuclear global é possível, por que também não o seria um portentoso esforço conjunto para impedir nova Guerra Fria, a atual corrida armamentista e a consequente eclosão de conflitos tanto na Terra, quanto no espaço? Não é ao que assistimos hoje diariamente? Todos esses perigos crescentes poderiam ser evitados ou pelo menos reduzidos, se a segurança global fosse considerada, no mínimo, tão prioritária quanto a segurança nuclear ora buscada. Afinal, a segurança coletiva global é norma obrigatória, segundo os princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas, núcleo básico do Direito Internacional contemporâneo.
A segurança nuclear global não pode ser negociada e acordada apenas para se continuar garantindo a exclusividade da posse e eventual uso das armas nucleares, bem como de sua modernização, pelo grupo de países que já domina a tecnologia capaz de produzi-las e aperfeiçoá-las.
Não permitir de modo algum que os terroristas tenham acesso à capacitação nuclear é, sem a menor dúvida, uma missão urgente e imprescindível. Mas não é suficiente. É preciso também, com igual ênfase e sentido de responsabilidade, pensar nos perigos cada vez maiores de conflitos e desastres de enorme envergadura, naturais ou deliberados, capazes de arrasar países, talvez continentes, gerando sofrimentos indizíveis a milhões de seres humanos e eliminando a rica natureza do planeta Terra.
A luta pela paz e pelo desarmamento, em nosso tempo, na terra como no céu, tornou-se um imperativo de sobrevivência global.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA); Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial; Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA); e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário