Como seria um dia sem espaço?
José Monserrat Filho *
“Como todas as coisas, também o espaço pode ser desolador.” Thierry Garcin, As Questões Estratégicas do Espaço, 20011
David Logsdon, executivo da empresa CompTIA Lead – New and Emerging Technologies, com sede em Washington, EUA, imaginou um dia sem os benefícios e serviços do espaço exterior.2
Escreve ele: “Imagine acordar e descobrir que as tecnologias diárias dadas garantidas não funcionam. Não há Internet. Os celulares estão mudos. Não há previsões de tempo na palma da mão. Os aviões estão atrasados por falha do sistema de gestão do tráfego aéreo. Os militares estão literalmente cegos nas frentes de batalha: Sem imagens de satélite. Sem comunicações globais confiáveis. Sem nenhuma orientação precisa.”
Para David, “Um dia sem espaço” é hipótese de grande significado, pois a segurança econômica e a segurança nacional dos EUA estão cada vez mais interligadas, e “nossa dependência dos serviços de satélites segue crescendo”. Ele valoriza altamente a recente pesquisa de Gary Oleson, engenheiro sênior de sistemas espaciais da empresa TASC Engility Company, segundo a qual, “na última década, o crescimento da economia espacial global superou de forma consistente o crescimento econômico global”. E lamenta que nas discussões americanas que estabelecem os principais estimuladores da economia, “a indústria espacial raramente é parte da equação”.
“Um dia sem espaço” é o que chamamos de “apagão espacial”. Se esse dia algum dia acontecer, afetará o mundo inteiro ou grande parte dele, e não apenas um país, por maior e mais poderoso que seja. Seria necessariamente um desastre global.
Mas David Logsdon prefere nos oferecer uma visão das consequências da catástrofe restritas a seu país. É como se uma eventual paralisação total das atividades espaciais pudesse ocorrer e ter efeitos graves apenas nos EUA, em separado do resto do mundo.
David deixa clara sua especial preocupação com os prejuízos das empresas americanas.
Ele se concentra no Sistema de (Navegação e) Posicionamento Global, o GPS, pertencente ao Governo dos EUA e operado pelo seu Departamento de Defesa. A seu ver, “muitas vezes esquecidos e muitas vezes tidos como garantidos, vários serviços de satélite, em particular os habilitados pelo GPS, são um multiplicador-chave de indústrias basilares como a aviação e transporte, a navegação marítima e a distribuição, os serviços bancários, as comunicações e a agricultura”.
A propósito, David cita recente declaração de Brad Parkinson, considerado o pai de GPS: “Há pelo menos 64 aplicativos exclusivos alimentados pelo sinal de GPS". Parkinson salienta ainda: desde 1983, o sistema tem gerado “mais de 55 bilhões de dólares por ano em benefícios tangíveis” e muitas de suas aplicações em automação, como o pouso automatizado de aviões, o controle automático de veículos terrestres (carros guindaste e outros), além das máquinas robotizadas para agricultura, dependem do GPS.
Assim, frisa David, “qualquer degradação significativa do GPS danosa a tais benefícios, independente de afirmativas originais, seria muito prejudicial aos interesses dos EUA". É como ele introduz o motivo do dia sem espaço.
Logo surgem perguntas: Mas será que a falta do GPS não afetaria nenhum outro país, além dos EUA? Por que só o GPS seria atingido? Por que o sistema russo, Glonass, não citado, ficaria intacto? Seria a Rússia a culpada pela desativação do GPS e do apagão geral? E o sistema Compass, da China – que já funciona em toda a Ásia e em parte do Pacífico, incluindo a Austrália –, também não mencionado, teria igualmente culpa no cartório? Nada disso é dito por David. Mas fica a suspeita não esclarecida. Quem ou que país teria causado o “dia sem espaço”? Como imaginar um “apagão espacial” sem explicar ou supor, pelo menos, o contexto global em que a desgraça se daria?
O que se sabe é que hoje há nova e impetuosa corrida às armas espaciais envolvendo os EUA, a China e a Rússia, e que os EUA estão publicamente empenhados em instalar armas no espaço, o que naturalmente transformaria o espaço em teatro de guerra.
Falando nisso, o General John Hyten, Chefe do Comando Espacial da Força Aérea dos EUA, disse, segundo David, que "sem satélites, voltamos à II Guerra Mundial, à guerra da Era Industrial". Seria, portanto, um atraso de vida. Como poderia isso ocorrer? Simples: “Um concorrente [na verdade, inimigo] limita severamente o acesso das forças dos EUA às comunicações militares e naves espaciais de navegação por meio de obstrução ou algo mais destrutivo, como armas antissatélite”. Pronto, é o quanto basta para iniciar a guerra.
Curiosidade imediata: quem ousaria, sem ser rigorosamente vigiado e impedido de fazê-lo, usar de meios espaciais para obstruir ou destruir toda forma de acesso das forças dos EUA às suas comunicações militares e naves espaciais de posicionamento e navegação? Quem são os “inimigos” dos EUA com essa imensa capacidade tecnológica e tresloucada agressividade? Os russos? Os chineses? O Estado Islâmico? E quem avaliaria e julgaria se a tentativa de obstrução ou destruição dos meios de acesso ao espaço seria real e verdadeira, senão as próprias forças dos EUA?
Alheio a essas questões, David faz recomendações às empresas sobre como enfrentar o “dia sem espaço”.
1) Em primeiro lugar, lutar para prevenir qualquer conflito no espaço? Não. A indústria deve ampliar o público-alvo para enaltecer a importância dos negócios e atividades espaciais. Para tanto, a empresa de David tem promovido uma série de fóruns sobre "Um dia sem espaço". Cada um deles foca um negócio vertical diferente (transporte, agronegócio, energia etc.), explicando como os usuários finais deveriam tratar de suas atividades espaciais e dos benefícios econômicos delas auferidos, bem como do impacto potencial em seus negócios, se a eles for negado o acesso a seus bens espaciais. Conclusão: ampla coalizão de negócios seria uma voz poderosa na discussão sobre a relevância dessas aplicações para nossa segurança econômica e nacional.
2) Assegurar a sustentabilidade das empresas espaciais. Para garantir a estabilidade e a segurança das atividades espaciais? Não. Para criar um movimento multifacético apoiado na “integração de todos os domínios – terra, mar, ar, espaço e ciberespaço – trabalhando juntos para produzir efeito no campo de batalha”. A solução, pois, não está na busca do desarmamento e da paz, mas na união das empresas para fortalecer a força militar do país no campo de batalha. Não por acaso, conta David, no 32º Simpósio Espacial Nacional, em abril, o General Hyten falou sobre a importância dos efeitos espaciais e cibernéticos no campo de batalha e afirmou de forma categórica que "os soldados nas batalhas do Oriente Médio nunca podem ser deixados sozinhos”. Para David, a hora é de “paramos de tentar proteger nossas tigelas de arroz e começar a pensar em um quadro mais amplo”. Pensar em um quadro mais amplo, a seu ver, é preparar-se para a guerra.
3) Fortalecer nosso empreendimento espacial. Para neutralizar as ameaças de guerra? Não. Mais especificamente, para fortalecer nossas capacidades cibernéticas – a capacidade de operar diante de ataques persistentes. Isso permitirá que o governo continue a prestar serviços ao público e que a indústria continue servindo a seus clientes. Governo e empresas juntos rechaçando e reagindo a ataques cibernéticos.
“As indústrias espaciais e tecnológicas devem trabalhar em conjunto para ajudar a criar um plano cibernético abrangente e resiliente para nosso país. Sem resiliência cibernética não temos missão sólida”, conclui David. Mas poderá um país sozinho resolver esse vasto problema global?
Referências
1) “Comme toute chose, l'espace peut aussi être désolant.” Garcin, Thierry, Les enjeux estrategique de l'espace, Belgique, Bruxelles: Emile Bruylant, 2001, p. 1.
2) A day without space, Space News Magazine, 06/06/2016. Leia o artigo em inglês em http://www.spacenewsmag.com/commentary/a-day-without-space/.
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