terça-feira, 23 de abril de 2013

"Sistemas espaciais para a defesa brasileira"



Sistemas espaciais para a defesa brasileira

André M. Mileski

A edição da Estratégia Nacional de Defesa (END), em dezembro de 2008, documento que serve como diretriz para todo o processo de transformação e atualização das Forças Armadas, apontou o setor espacial, ao lado dos nuclear e cibernético, como um dos seus pilares decisivos.

Em linha com os ditames da END e considerando o papel essencial hoje exercido por sistemas espaciais nas áreas de defesa e segurança, o governo brasileiro tem avançado em projetos e programas voltados a esse campo, como o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), meios de acesso autônomo ao espaço (ver T&D n.º 131) [nota do blog: para acessar a reportagem, clique aqui], a criação da Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais (CCISE), entre outros.

Satélite de comunicações

O principal projeto espacial brasileiro é o SGDC, oficializado em sua estrutura atual em 2011 e que agora está a caminho de sua concretização. Anteriormente conhecido como Satélite Geoestacionário Brasileiro, o SGDC está sob a responsabilidade da Visiona Tecnologia Espacial, joint-venture entre a Embraer e a estatal de comunicações Telebrás, criada em maio de 2012. O primeiro SGDC terá vida útil estimada de 15 anos, com centros de operações em áreas militares em Brasília (DF) e no Rio de Janeiro (RJ). Ocupará a posição 75º Oeste. O sistema, como um todo, considera a operação de dois ou mais satélites geoestacionários. O planejamento de longo prazo considera três satélites operacionais em órbita, com lançamentos a cada cinco anos.

O projeto tem como objetivos principais (I) atender o Sistema de Comunicações Militares por Satélite (SISCOMIS), do Ministério da Defesa; (II) comunicações estratégicas do Governo Federal, de certos órgãos e estatais; (III) Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), com uso exclusivo da capacidade em banda Ka; e (IV) proporcionar a absorção e transferência de tecnologia para o setor aeroespacial brasileiro. A capacidade em banda Ka deve atingir até 55 gigabytes por segundo.

Com o SGDC, toda a demanda do SISCOMIS em comunicações por voz, dados e vídeo, hoje a cargo da operadora Star One, da Embratel, passará a ser atendida pelo próprio governo. Existem em funcionamento cerca de 100 terminais do SISCOMIS, dos tipos leve, transportável, rebocável e naval, e a expectativa é que, até 2020, o sistema opere 300 terminais, inclusive de novos tipos, como portátil (man-pack), móvel terrestre e móvel submarino. O SGDC cobrirá todo o Atlântico, parte da costa do Pacífico e da América do Norte. Contará ainda com um spot móvel em banda X, isto é, capacidade de cobrir determinadas áreas em certos períodos, de acordo com os interesses do Ministério da Defesa (áreas de operações de navios e submarinos da Marinha, por exemplo).

Em meados de fevereiro, a Visiona disponibilizou a solicitação de propostas (RFP, sigla em inglês) para a contratação do primeiro satélite, a ser colocado em órbita entre 2014 e 2015. As empresas interessadas deverão responder no início de abril, com uma decisão, a ser tomada pelo governo brasileiro, prevista para meados desse ano.

CCISE

Levando-se em conta a END e as iniciativas espaciais em andamento no âmbito da Defesa, e também com o intuito de melhor organizar todas as ações em andamento, o Comando da Aeronáutica constituiu, no final de fevereiro de 2012, e sem alarde, a Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais (CCISE), que tem as seguintes atribuições:

I - Definir, sob supervisão do Estado-Maior da Aeronáutica (EMAER), e em coordenação com o Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), com os Estados-Maiores da Armada (EMA) e do Exército (EME), as estratégias de implantação, de integração e de financiamento de sistemas espaciais relativos à defesa;

II - Dirigir, coordenar e integrar, à luz das diretrizes da Estratégia Nacional de Defesa e em estreita ligação com o EMCFA, o EMA, o EME e o EMAER, todos os trabalhos concernentes à concepção, à definição de requisitos, à integração e à implantação de sistemas espaciais concernentes à defesa, incluindo os respectivos segmentos orbitais e a relativa infraestrutura de operação, tanto dos componentes de uso exclusivo do Ministério da Defesa, quanto daqueles de uso compartilhado com outros órgãos públicos e/ou privados; e

III - Representar, após prévia coordenação, o Ministério da Defesa e as Forças Singulares, em todos os atos que se fizerem necessários à implantação de sistemas espaciais relativos à defesa.

Para cumprir com suas responsabilidades, a CCISE conta com o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), cujas diretrizes de implantação foram aprovadas pelo Comando da Aeronáutica em maio de 2012, e que trabalha com um cenário de ações de curto, médio e longo prazos, num horizonte de 20 anos. Basicamente, a PESE aponta várias premissas operacionais e técnicas necessárias ao emprego de sistemas espaciais pelas Forças Armadas, com foco na definição das suas necessidades e requisitos.

Os sistemas espaciais considerados no PESE devem atender, no campo militar, à modernização de variados sistemas em operação, como o Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro (SISDABRA), o Sistema de Enlaces de Digitais da Aeronáutica (SISCENDA), o SISCOMIS, o Sistema Militar de Comando e Controle (SISMC2), e também outros que estão em fase de planejamento ou implantação, como o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz) e Sistema Integrado de Monitoramento das Fronteiras (SISFRON). Planeja-se ainda o uso desses em apoio a iniciativas civis, como em ações de prevenção e atuação em casos de grandes catástrofes ambientais, no Sistema de Proteção da Amazônia (SIPAM), e no Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), entre outros.

Inspirado pelo moderno conceito de guerra centrada em rede (Net Centric Warfare), uma das principais inovações do PESE é o objetivo de se criar um Centro de Operações Espaciais (COPE), que seria subordinado ao Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro. Caberia ao COPE coordenar todas as atividades que façam uso de constelações de sistemas espaciais, oferecendo serviços nas áreas de comunicações, observação, mapeamento de informações, posicionamento e monitoramento espacial para o Ministério da Defesa e seus três comandos, e outros usuários governamentais.

Criada há pouco menos de um ano, a CCISE tem buscado conhecer o que há de mais moderno disponível em sistemas espaciais. Representantes da comissão visitaram alguns governos e empresas dispostas a cooperar com o Brasil na busca de sua independência espacial.

A CCISE também está atenta a identificar as necessidades nacionais. Em novembro de 2012, no exercício CRUZEX C2, da Força Aérea Brasileira, que simulou por meio de softwares o uso de aeronaves e veículos aéreos não tripulados em um conflito moderno, foi incluído pela primeira vez a simulação de uso de satélites. As missões foram planejadas e executadas com apoio de informações enviadas e transmitidas por uma constelação imaginária de satélites de órbitas baixas e geoestacionárias, produzindo dados de sensoriamento remoto, meteorologia, comunicações e posicionamento. “Não se concebe no século 21 uma Força Aérea que não utilize o espaço para executar suas missões”, declarou o coronel João Batista Xavier, da CCISE, por ocasião do exercício.

Conexão com o PNAE

Apesar de terem utilidade dual, os planos do Ministério da Defesa para o setor espacial visam, primariamente, atender as suas próprias exigências. Isso não significa dizer, no entanto, que as diferentes iniciativas brasileiras nesse campo não venham a convergir em algum momento.

Por natureza, o Programa Espacial Brasileiro, a cargo da Agência Espacial Brasileira (AEB), subordinada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, é civil. Mas, por razões lógicas e de racionalização de investimentos, iniciativas de caráter dual deverão ser desenvolvidas em conjunto.

Lançado pela AEB em janeiro de 2013, o aguardado Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) para o período de 2012 a 2021 menciona a END como uma das razões do porquê o espaço ser indispensável ao Brasil, por sua demanda em termos de monitoramento do território nacional, fronteiras e espaço aéreo.

Além de meios de acesso ao espaço, como os foguetes VLS e VLM e outros veículos lançadores, projetos a cargo do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), e do SGDC, o PNAE 2012-2021 destaca outros, em desenvolvimento ou em planejamento, que terão como um dos usuários o Ministério da Defesa. São eles, por exemplo, o Satélite Meteorológico Brasileiro (GEOMET-1), previsto para 2018, e o satélite radar de abertura sintética (SAR - Synthetic Aperture Radar), capaz de imagear o solo independente da cobertura de nuvens, missão planejada para estar em órbita em 2020.

Fonte: revista Tecnologia & Defesa n.º 132 (abril de 2013).
.

Nenhum comentário: