quinta-feira, 9 de abril de 2015

"A Estação Espacial de Energia Solar e as Grandes Potências", artigo de José Monserrat Filho

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A Estação Espacial de Energia Solar e as Grandes Potências

José Monserrat Filho *

A crescente demanda global de energia move alguns países a uma solução revolucionária, embora já pensada há décadas. Em 1941, Issac Asimov (1920-1992), famoso escritor americano de ficção científica e divulgador de ciência, imaginou no conto "Reason" uma estação espacial que repassava energia captada do Sol a vários planetas por meio de micro-ondas. A energia solar tem a vantagem de ser gerada para uso na Terra a qualquer hora, lugar ou clima.

Cientistas japoneses – anunciou-se em março passado – lograram transmitir energia elétrica sem fio, pelo ar. Eles se valeram de micro-ondas para enviar 1,8 kW de energia elétrica a um receptor situado a 55 m de distância. Apesar da pequena distância, a tecnologia empregada pode ser o embrião da captação da energia solar para uso na Terra, frisou um porta-voz da Agência Japonesa de Exploração Aeroespacial (JAXA). Segundo ele, “essa foi a primeira vez que se conseguiu transmitir a um pequeno aparelho quase 2 kW de energia elétrica via micro-ondas”.

A JAXA estima: lá pelos anos 2040, satélites geoestacionários equipados com painéis e antenas serão capazes de mandar energia solar para a Terra. Mas reconhece: o maior problema a resolver é construir, lançar e manter no espaço grandes sistemas para captar essa energia.

Na órbita geoestacionária – a 36 mil km da Terra, no plano da linha do Equador – os satélites  “voam” com a mesma velocidade de rotação do nosso planeta, o que permite que fiquem como que parados sobre um ponto fixo do nosso planeta. Daí que essa é a melhor orbita para os satélites de telecomunicação.

Os Estados Unidos também estão empenhados nas pesquisas de uma estação espacial solar.

Agora, cientistas chineses revelam estar na mesma rota dos colegas japoneses, mas com um projeto aparentemente bem mais ambicioso: eles estudam a viabilidade de construir uma grande estação de energia solar para colocá-la na órbita geoestacionária. A super espaçonave, dotada de enormes painéis solares, geraria eletricidade a ser convertida em micro ondas ou raios lasers e transmitida a um centro coletor na Terra. Se concretizado, esse poderá ser o maior projeto espacial, superando o programa Apollo, que levou os americanos à Lua em 1979, e a Estação Espacial Internacional, montada entre 1998 e 2011, para a qual os chineses não foram convidados.

Defende e lidera as pesquisas o veterano cientista e tecnólogo Wang Xiji, de 93 anos, membro da Academia Chinesa de Ciências (CAS) e da Academia Internacional de Astronáutica, para quem ideia de Asimov tem base científica. Ele considera “economicamente viável” uma usina espacial de fantásticas dimensões: os painéis solares ocupariam nada menos de 5 a 6 km².

Isso equivale a 12 Praças da Paz Celestial, em Pequim (tida como a maior praça pública do mundo) ou a pouco menos de dois Parques Centrais (Central Park), com 3,410 km², em Manhattan, Nova York. A usina poderia ser vista da Terra à noite como uma estrela, diz Wang.

O painéis solares espaciais podem gerar dez vezes mais eletricidade que os painéis terrestres por unidade de área, calcula Duan Baoyan, membro da Academia Chinesa de Engenharia (CAE). E frisa: "Se tivermos a tecnologia espacial de energia solar, poderemos ter a esperança de resolver a crise energética na Terra".

Alguns institutos de pesquisa e universidades da China também vêm realizando estudos sobre a tecnologia espacial necessária para gerar energia solar. Em 2010, membros da CAS e CAE escreveram um relatório, propondo que o país construa, até 2030, uma usina espacial experimental de energia solar e uma usina comercialmente viável até 2050.

Ocorre que tal usina pesaria mais de 10 mil toneladas. E que foguetes não podem transportar carga útil de mais de 100 toneladas, a uma órbita baixa da Terra. "Precisamos de um veículo lançador poderoso e barato ",  conclui Wang, que projetou o primeiro lançador da China há mais de 40 anos. E completa: "Também temos que fabricar painéis solares bem mais finos e leves. O peso do painel deve ser inferior a 200 gramas por metro quadrado." A seu ver, a estação só seria economicamente viável a partir do momento em que a eficiência da transmissão de energia sem fio, usando micro ondas ou radiação laser, atingisse cerca de 50%.

Apesar das dificuldades, Wang confia que a China será capaz de superar esses desafios.

Li Ming, vice-presidente da Academia Chinesa de Tecnologia Espacial, lembra que, dentro de cinco anos, em 2020, a China terá construído uma estação espacial, garantindo que “esse fato abrirá a oportunidade para desenvolver a tecnologia necessária à estação de energia solar".

Wang vê ainda outras vantagens notáveis: com a energia solar se tornando nossa energia primária, deixaremos de nos preocupar com a poluição atmosférica e com o efeito estufa; e os cabos de transmissão deixarão de existir no mundo mundo. “Basta imaginar o mundo que teremos”. diz ele sorrindo como um adolescente.

Sobre o ordenamento jurídico das atividades espaciais de transmissão de energia solar para a Terra, vale recordar o que escreveu há 25 anos o jurista americano Carl Q. Christol (1913-2012), Professor Emérito de Direito Internacional e Ciência Política da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles: “A energia solar é considerada uma vasta, ilimitada, inexaurível e renovável fonte de energia. Tão vasta e ilimitada que a ninguém é dado o direito exclusivo sobre ela. Ela é ainda mais inexaurível e renovável que a água dos oceanos, recurso que tem sido tratado como res communis (coisa comum) de todos. A energia solar no espaço, como a água do alto mar aberto, não pode ser apropriada pelos Estados no estágio atual da ciência e tecnologia. Outras pessoa jurídicas não afirmaram direito de propriedade que a afete.”  
Mas, ainda de acordo com Christol, “a mesma consideração jurídica que regula a captura dessa energia se aplicará ao direito de transmitir a energia solar para a Terra”. Ou seja, a energia solar não pode ser apropriada como um todo, mas pode ser coletada e enviada ao nosso planeta. Há um porém. A frequência de rádio utilizada na operação terá necessariamente que evitar toda interferência prejudicial a qualquer outro emprego válido desse recurso natural limitado.

De qualquer modo, pela legislação vigente da União Internacional de Telecomunicações (UIT), seu uso não poderá ser permanente e deverá servir ao bem-estar de todos os países, de toda a humanidade, conforme manda o Artigo 1º do Tratado do Espaço de 1967. O uso da energia solar, portanto, se enquadra inteiramente na chamada “cláusula do bem comum”.1

A Professora I. H. Ph. Diederiks Verschoor, dos Países Baixos, que neste ano completa 100 anos de idade e figura entre os pioneiros no ensino do Direito Espacial, entende que as normas de Direito Internacional sobre as operações de aproveitamento da energia solar coletada no espaço não poderão ser moldadas no vácuo e deverão ter amparo em outros fatores – científicos, tecnológicos, políticos, econômicos e culturais. Ela recomenda, em livro publicado nos anos 90, que o Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço (COPUOS, na sigla em inglês) e seus dois Subcomitês (Jurídico e Técnico-Científico) examinem a importante questão.

A ilustre mestre sugere, ademais, a criação de um “Banco de Energia Solar”, ao qual seria confiada a missão de financiar a pesquisa e o desenvolvimento da energia solar e de criar um código de conduta sobre seu desenvolvimento e uso, com a devida atenção ao Direito Internacional em conjunto com o Direito Nacional.2

Seria essa ideia aceitada hoje pelas grandes potências espaciais?

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB).

Referências

1) Christol, Carl Q., Space Law – Past, Present, and Future, The Netherland: Kluwer Law and Taxation Publishers, 1991, páginas 157 e 165.
2) Diederiks-Verschoor, I. H. Ph, An Introduction to Space Law, Netherlands: Kluwer Law and Taxation Publishers, 1999 (second revised edition), páginas 101 e 105.
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