sábado, 3 de outubro de 2015

"EUA e China iniciam um Diálogo Espacial Civil", artigo de José Monserrat Filho

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EUA e China iniciam um Diálogo Espacial Civil

José Monserrat Filho *

“A paz é a única forma de nos sentirmos realmente humanos.” Albert Einstein (1879-1955)

Apesar das crescentes desavenças, ou por isso mesmo, EUA e China realizaram em Pequim, no dia 28 de setembro último, seu 1º Diálogo Espacial Civil. O evento foi criado no 7º Diálogo Estratégico e Econômico, em junho passado, quando os dois países “decidiram estabelecer consultas bilaterais regulares de governo a governo sobre cooperação espacial civil” e marcar para “antes do final de outubro”, na China, “o 1º Diálogo EUA-China de Cooperação Espacial Civil”, o que revela certa pressa. Também ficou resolvido manter intercâmbios sobre questões de segurança espacial, no âmbito do Diálogo EUA-China sobre Segurança, o que é muito sintomático.

Presidiram o Diálogo Espacial representantes da Administração Nacional Espacial da China (CNSA), Tian Yulong, e do Departamento de Estado dos EUA, Jonathan Margolis. A CNSA é a agência espacial chinesa. Deveria encontrar-se com a NASA e não com o Departamento de Estado.

John Logsdon, Professor Emérito de Ciência Política e de Assuntos Internacionais do Instituto de Política Espacial da Universidade George Washington, em Washington, EUA, tem apoiado a cooperação espacial EUA-China, que para ele “é questão mais política do que técnica”. Tanto que apelou ao Presidente Obama para que tome a iniciativa de negociar com o Congresso a revogação das restrições que obstruem essa parceria.

Com isso os EUA poderiam “convidar a China a trabalhar junto com os EUA e outros países em programas espaciais numa ampla variedade de atividades espaciais e, mais dramaticamente, em voos tripulados”, frisou Logsdon, lembrando a acoplagem entre a Apollo americana e a Soyuz soviética e “o aperto de mão” no espaço, em 1975,  como “lições da história” que servem para hoje. “A iniciativa similar de os EUA e a China se juntarem em órbita seria um poderoso indicador da intenção das duas superpotências do século 21 de trabalharem juntas na Terra como no espaço”, completou Logsdon. A seu ver, “embora seja impressionante que a China tenha sido o terceiro país a lançar seus cidadãos ao espaço, a situação atual do programa chinês de voos tripulados equivale, mais ou menos, ao programa tripulado dos EUA no tempo do Gemini, há 50 anos”. Daí que “a China tem muito mais a aprender com os EUA em voos espaciais tripulados do que o contrário”.1

A entrevista de Logsdon é de 16 de junho deste ano. Uma semana depois, em 23 de junho, David Alexander, da Agência Reuters, ouviu a seguinte declaração do Vice-Secretário de Defesa dos EUA e Chefe de Operações do Pentágono, Robert Work: “A China empreende sério esforço para desafiar a superioridade militar dos EUA no espaço aéreo e no espaço exterior, forçando o Pentágono a buscar novas tecnologias e sistemas para se manter adiante do rápido desenvolvimento do rival”. E mais: “A China fecha rapidamente as lacunas tecnológicas, desenvolvendo aeronaves capazes de escapar de radares, aviões avançados de reconhecimento, mísseis sofisticados e de equipamentos de alto nível para guerra eletrônica”. Para reforçar seu pronunciamento, Robert Work citou a afirmativa do Vice-Presidente da “poderosa” Comissão Militar Central, Xu Qiliang, à Agência Xinhua, de que “a construção de nossos equipamentos militares está mudando da pesquisa de recuperação do atraso para inovações independentes.”

Robert Work falou na sessão inaugural da conferência sobre estudos a respeito dos planos aeroespaciais chineses, realizada em parceria com a Corporação RAND, antigo “think tank” de questões estratégicas, com o objetivo de pesquisar as “ambições aeroespaciais da China”.

A notícia da Reuters diz que a ideia da conferência surgiu depois que centenas de chineses participaram, em Washington, dos três dias do Diálogo Econômico e Estratégico EUA-China, destinado a tratar da cooperação mútua e também dos pontos de atrito.

Respondendo a uma pergunta da plateia, Roberto Work afirmou que “os líderes americanos e chineses vêem a relação bilateral como tendo lugar para medidas de cooperação e de competição”.

"Esperamos que, com o tempo, os aspectos de cooperação superam os aspectos competitivos", assinalou ele, e acrescentou; "Como no Departamento de Defesa estamos no limite da força (…), dizemos: 'Olha, aqui estão as capacidades que vemos que os chineses estão desenvolvendo; é importante para nós sermos capazes de nos opormos a elas'."

Citando estudo de Harvard sobre o aumento dos poderes em confronto com poderes estabelecidos, Robert Work observou que “a interação entre os dois poderes resulta muitas vezes em guerra”. Daí que o Departamento de Defesa deve "impedir que a competição internacional se torne mais aquecida." Perfeito.

Para ele, “os EUA sentem, em geral, que o melhor limite é uma dissuasão nuclear e convencional forte, capaz de superar qualquer rival”. Será mesmo o melhor limite?

Ocorre que, como Robert Work reconheceu, os EUA se basearam em superioridade tecnológica nos últimos 25 anos, e agora "a margem de superioridade tecnológica com a qual tanto nos acostumamos... está em constante erosão." Para remediar, explicou ele, o Pentágono trabalha para desenvolver novas tecnologias a fim de manter sua vantagem e diminuir o custo de responder aos ataques. Armas de energia direcionada, citou como exemplo, podem ser capazes de abater mísseis que custam cem vezes o preço de um choque de energia.2

A questão chave é saber se há, de fato, sinais claros de que a China planeja atacar os EUA. Isso ainda precisa ser comprovado. Seria um crime a China querer superar a liderança espacial dos EUA? E se a China tem medo do poderio dos EUA como os EUA hoje têm medo do poderio da China?  Cooperar e competir ao mesmo tempo também não é pecado. Mas sem uso da força, claro.

Por isso, a estratégia de John Logsdon parece mais real, pacífica e construtiva do que a criação de novas armas descrita por Robert Work. O melhor é sentar e conversar civilizadamente.

Foi o que ocorreu no 1º Diálogo Espacial Civil entre EUA e China. A nova iniciativa reforça a cooperação entre os dois países e dá mais transparência a inúmeros problemas espaciais que precisam ser enfrentados com grande empenho.

Na reunião inaugural, americanos e chineses trocaram informações sobre suas políticas espaciais. Discutiram sobre como estimular maior colaboração para enfrentar o desafio do lixo espacial e da sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais. Também intercambiaram ideias sobre como prevenir colisões entre satélites.

As duas delegações contaram de seus planos nacionais com vistas à próxima reunião do Fórum Internacional de Exploração Espacial, além de debateram formas de cooperar mais sobre as atividades civis de observação da Terra, ciências espaciais, clima espacial e Sistemas de Navegação Global por Satélite (GNSS) civis.

EUA e China confirmaram a relevância do Diálogo Espacial Civil e reafirmaram que a iniciativa irá fortalecer suas relações de cooperação espacial e promover os resultados do Diálogo Estratégico e Econômico entre os dois países.

Eles também acertaram que o 2º Diálogo Espacial Civil terá lugar em Washington, em 2016.

Que esse diálogo se prolongue por tantos anos quanto forem necessários para que a paz, a segurança e a colaboração verdadeira triunfem em definitivo.

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Esse artigo expressa exclusivamente a opinião do autor.

Referências

1) Ver www.space.com/29671-china-nasa-space-station-cooperation.html. Isso foi o que o colunista Leonard David escreveu no Space.com, em 16 de junho passado.
2) Ver www.reuters.com/article/2015/06/23/us-china-usa-airforce.
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