Meteoritos: Por que o Brasil precisa de uma lei?
José Monserrat Filho *
O que é um meteorito? É um meteoroide – bloco de fragmentos de asteroides, cometas ou restos de planetas desintegrados – quando alcança a face da Terra. Meteorito é um “objeto sólido que se desloca no espaço interplanetário e atinge a Terra sem estar completamente vaporizado” (Enciclopédia e Dicionário Koogan-Houaiss, Edições Delta, 1998).
Os meteoroides mais densos ou maiores logram, às vezes, cruzar a atmosfera terrestre e, despedaçados, atingir a superfície do nosso planeta. A queda dos meteoroides na Terra produz o fenômeno luminoso chamado de meteoro, como explica o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão (Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica, Nova Fronteira, 1995).
Os meteoroides viram meteoritos, popularmente apelidados de “estrelas cadentes”, mesmo que não tenham nada a ver com as estrelas. A grande maioria dos meteoritos é destruída pelo atrito com a atmosfera antes de chocar-se com a Terra.
De onde eles provêm? De cometas, da Lua, de Marte, de asteroides e de outros corpos celestes. Resumindo, para melhor entender os termos: Meteoroide é o corpo em voo no espaço; meteoro é o meteoroide que penetra a atmosfera da Terra; e meteorito é o meteoro não destruído que colide com a Terra. Isso ocorre quando esse corpo não se desintegra totalmente graças a seu tamanho e sua composição química.
A União Astronômica Internacional define o meteoroide como “um corpo sólido que se desloca no espaço interplanetário, de tamanho consideravelmente menor do que um asteroide e significativamente maior do que um átomo”.
Há quatro categorias principais de meteoritos, segundo sua estrutura e composição: condritos (mais comuns), acondritos, ferrosos e ferrosos-rochosos.
Os meteoros voam à velocidade média de 40.000 Km/h e são muito perigosos caso não se queimem totalmente ao entrar na atmosfera terrestre. No choque com a Terra podem abrir enormes crateras e causar danos consideráveis, como aconteceu numa região da Sibéria, na Rússia, em fevereiro de 2013. Vale ver o vídeo no site https://www.youtube.com/watch?v=lacHpTu_ej4.
A Organização Internacional de Meteoros, fundada em 1988, é uma associação de astrônomos amadores que se dedica incentivar e coordenar atividades de observação de chuvas de meteoros em todo o mundo. Ela se reúne todos os anos e publica bimestralmente sua revista especializada.
Como os meteoritos são regulamentados? Há países com leis especiais sobre eles. Não é o caso do Brasil. Essa lacuna jurídica cria riscos para a população. Fomenta o comércio desordenado e clandestino. E não estimula a descoberta, o estudo e o interesse científico pelos meteoritos e sua destinação para fins culturais.
Os meteoritos são “mensageiros” do espaço interplanetário e podem trazer dados sobre o universo. Objetos extraterrestres, têm inestimável valor científico, cultural e também comercial. São procurados e disputados por pesquisadores, proprietários de terras e mercadores de objetos naturais rentáveis.
Quem pode ser dono dos meteoritos? Não há legislação internacional a respeito, mas deveria haver. A questão é global. Interessa a todos os países. Infelizmente, hoje, cada país resolve a questão a seu modo. Nos EUA, os meteoritos pertencem ao dono da área onde caíram. Na Argentina, pertencem ao Estado. No Brasil, não há lei específica, nem doutrina sobre a matéria.
Em 2011, um meteorito caído no Município de VarreSai, no Estado do Rio de Janeiro, desencadeou “verdadeira caça ao tesouro”. Até cidadãos de outros países entraram na corrida. O caso acabou na Justiça. O estrangeiro que se apossou do objeto e nada revelou às autoridades foi condenado por contrabando. Quem conta esse caso real é Mariani Policarpo Neves, em “O direito de propriedade sobre os meteoritos no ordenamento jurídico brasileiro”, trabalho de conclusão do curso de Pós-Graduação na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, em 2014.
Sem definição legal própria, o direito de propriedade sobre os meteoritos produz controvérsias no Brasil. Pode gerar decisões judiciais diversas, arbitrárias e até contraditórias. Tal insegurança jurídica precisa ser sanada. Há muitas perguntas a responder: Que valores e interesses uma lei brasileira sobre meteoritos deve resguardar? Que direitos e obrigações corresponderiam a esses valores e interesses? Cabe atribuir prerrogativas e deveres a quem descobriu ou encontrou um meteorito? Qual o interesse da União nos meteoritos, tomando por base a soberania territorial e o interesse público? Quais são os interesses internacionais envolvidos no caso?
O que diz nossa Constituição? Pelo Art. 20, IX, os recursos minerais são bens da União. Mas, para os pesquisadores brasileiros, os meteoritos não se ajustam a essa norma, já que sua exploração não é economicamente viável. Chamam-se recursos minerais as jazidas de minério formadas na crosta terrestre cuja extração é ou pode ser técnica e economicamente rentável. Os meteoritos não se formam na crosta terrestre. Eles vêm do espaço. Logo, não são recursos minerais. Daí a confusão em torno do direito de propriedade sobre os meteoritos no nosso sistema jurídico. Várias situações podem ser imaginadas ao se tentar definir o dono de um meteorito.
Qual é a solução? A questão só será resolvida com a definição da natureza jurídica dos meteoritos. Se forem considerados bens públicos, passam a ser propriedade da União. Seria a melhor solução. Evitaria o recurso do usucapião (apropriação pelo uso) por parte de quem quer que seja. E prevaleceria o princípio do interesse público cultural e científico, evidente no caso.
Se os meteoritos forem definidos como “bens móveis particulares”, o direito de propriedade sobre eles é regido pelo Código Civil de 2002 (Capítulo III do Título III do Livro III). Indo por aí, caberia definir o meteorito como res nullius, isto é, coisa de ninguém, ou, mais precisamente, coisa que nunca pertenceu a alguém e, portanto, pode ser apropriada por quem a encontrar primeiro.
Definido como bem móvel, o meteorito poderia ser apropriado por uma dos modos de aquisição de propriedade previstos pelo Código Civil, entre as quais estão a ocupação, a tradição, o usucapião e a sucessão testamentária. A ocupação, regulada em seu Artigo 1.263, é vista como o principal meio de apropriar-se de um meteorito. Mas, na prática, isso leva a grandes litígios. Quem se apossa de uma coisa sem dono busca, claro, tornar-se seu proprietário. Mas isso pode ser legalmente questionado no caso de um meteorito, que tem valor cultural e não tem lei a respeito. Ainda mais se, para apossar-se de um meteorito, alguém invadir o imóvel onde o objeto se encontra.
Quais as conclusões? Os meteoritos fornecem valiosos dados sobre a origem e evolução do Sistema Solar. Isso é de suma relevância para as pesquisas sobre a origem do universo. Por isso, ver os meteoritos como meros bens particulares afronta as normas e princípios constitucionais em vigor, destinados a preservar o patrimônio público. O interesse público – nacional e internacional – deve ser a base da decisão de construir o direito de propriedade sobre os meteoritos no Brasil.
Há também que levar conta casos como o da Argentina. Lá, os meteoritos são propriedade do Estado, o que é positivo. Mas esse fato tem causado grandes prejuízos ao país. O comércio ilegal de meteoritos atinge níveis altíssimos. Essa e outras lições similares são importantes ao se pensar numa lei brasileira sobre o assunto. Os meteoritos devem pertencer ao poder público, pois o interesse particular não pode se sobrepor ao interesse público, que, no caso, é preferencial e prioritário. Porém, simultaneamente, o Estado deve promover de modo sistemático um programa que incentive as pessoas tanto a descobrirem quanto a encaminharem os meteoritos, de acordo com a lei a ser criada. Segundo nossa Constituição, compete à União regulamentar os meteoritos, por interpretação extensiva do Art. 20, IX, e por sua competência privativa para legislar sobre o direito espacial (Art. 22, I).
É imperioso e justo, portanto, conciliar o interesse público com o fomento à descoberta de novos meteoritos, por meio de prêmios ou recompensas, sob um sistema eficaz que desestimule o contrabando desses corpos que caem do céu.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Esse artigo expressa exclusivamente a opinião do autor.
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