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Aplicações de cube e nanosats no Brasil e no mundo nos últimos anos
Otavio Durão*
Há dois anos e meio, em artigo publicado por Tecnologia & Defesa (edição nº 136), diversas projeções foram feitas sobre a utilização de cube e nanosats e, desde então, aquelas estimativas vieram se materializando não só no Brasil, mas também no exterior. No primeiro caso, com três lançamentos de cubesats e vários outros em desenvolvimento, e, lá fora, com aplicações cada vez mais ambiciosas e sofisticadas, inclusive com missões à Lua e Marte (aqui como apoio de comunicação entre um satélite em órbita e um veículo no solo daquele planeta, funcionando com um relay de comunicação).
Cubesats brasileiros
Em 19 de junho de 2014 foi lançada a primeira missão brasileira utilizando um cubesat, da base russa de Yasni, com um lançador DNEPR, a 20 km ao norte da fronteira com o Cazaquistão. Denominado NanosatC-Br1, integra uma missão que utiliza um cubesat do tipo 1U (um litro de volume, um quilo de massa e em formato cúbico com 10 cm de aresta). A missão foi desenvolvida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), gerenciada pelo seu Centro Regional Sul, localizado no campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e em cooperação com este estabelecimento de ensino.
Um de seus três experimentos é um magnetômetro para medidas do campo magnético da Terra, especialmente na Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS). Um segundo experimento é o primeiro circuito integrado projetado no Brasil para resistência à radiação, que utilizou no projeto biblioteca própria desenvolvida pela Santa Maria Design House, da UFSM. O outro é um FPGA, com um software tolerante a falhas, desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O NanosatC-Br1 completou dois anos no espaço e continua a transmitir dados de seus experimentos e de seus subsistemas. É o primeiro satélite brasileiro a obter dados do meio espacial, tornando-se também a primeira missão espacial científica brasileira a gerar dados no espaço. A figura abaixo mostra o traço de uma órbita do NanosatC-Br1 sobre a região da AMAS. À esquerda da reta o tempo da leitura e à direita os valores do campo magnético naquela órbita a 614 km. de altitude. As curvas representam valores do campo magnético naquela região obtidas por modelos conhecidos.
Medidas do campo magnético da Terra obtidas pelo NanosatC-Br1
sobre a AMAS. Crédito da imagem: Dr. Marlos Rockenbach, do INPE
Os outros dois experimentos no NanosatC-Br1 também geraram informações valiosas sobre os efeitos da radiação em componentes eletrônicos e possíveis mitigações por projetos ou software, este no caso do uso de FPGAs industriais. Todos esses resultados já foram divulgados em eventos e/ou publicações nacionais e internacionais.
AESP-14
Este cubesat, também um 1U, foi desenvolvido por alunos do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), com suporte de bolsistas do Laboratório de Integração e Testes do INPE. Ele diferenciou-se em seu propósito na medida que todos os seus subsistemas foram desenvolvidos localmente, tendo sido o primeiro neste aspecto. Foi lançado em 5 de fevereiro de 2015, da Estação Espacial Internacional (ISS), com uma vida útil pretendida de três meses. Infelizmente, o AESP-14 nunca chegou a se comunicar e, por isso, não se pode ter certeza do que realmente falhou no projeto, embora testes anteriores em solo de abertura de antena tenham indicado problemas técnicos de falha neste procedimento.
Programa SERPENS
Trata-se de um programa de cubesats organizado e coordenado pela Agência Espacial Brasileira (AEB) para envolver um maior número de universidades brasileiras no desenvolvimento de missões com a utilização desses engenhos. A primeira missão, o SERPENS-1, foi lançada em 18 de agosto de 2015, também através da Estação Espacial Internacional, e já reentrou na atmosfera tendo encerrado seu ciclo. A coordenação das universidades foi da Universidade de Brasília e utilizou um cubesat do tipo 3U (3 litros de volume, aprox. 10x10x30 cm.). O projeto contou também com uma parceria com a Universidade de Vigo, na Espanha, com cada país ocupando aproximadamente metade do cubesat com seus experimentos.
O Programa, no momento, desenvolve o seu segundo cubesat, denominado SERPENS-2. Desta vez a coordenação das universidades brasileiras é da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A AEB já planeja o desenvolvimento de outros cube e nanosats, posteriormente, no mesmo Programa.
Outros nacionais
Vários outros projetos de cube e nanosats estão em desenvolvimento no Brasil com lançamentos próximos. O primeiro deles é o ITASAT, um 6U, desenvolvido pelo ITA e já concluído, cujo lançamento a bordo de um foguete Falcon 9 deve ocorrer nos próximos meses, possivelmente em 2017. Ele contém vários experimentos desenvolvidos por outras universidades e instituições brasileiras, como a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), INPE e AMSAT-Br. Possui também uma câmera para sensoriamento remoto de baixa resolução.
Dentro do Programa NanosatC-Br, há o NanosatC-Br2, desta vez um 2U, com o dobro da capacidade de experimentos do que o seu predecessor, o NanosatC-Br1. Além de versões mais avançados dos três experimentos que estão voando no NanosatC-Br1, o segundo cubesat levará também uma sonda de Langmuir, para medidas na ionosfera, um subsistema de determinação de atitude (o primeiro desenvolvido no Brasil para satélites) com tripla redundância (cooperação UFMG, INPE e UFABC) e um experimento de transmissão de dados entre radioamadores da AMSAT-Br/LABRE. O lançamento do NanosatC-Br-2 está previsto para abril de 2017.
O INPE, através de um outro de seus centros regionais, o do Nordeste (CRN), no campus da UFRN, em Natal, desenvolve o CONASAT, um cubesat 8U com missão idêntica à dos satélites brasileiros de coleta de dados (SCD-1 e 2), lançados na década de 1990. Esses tinham mais de 100 kg., enquanto o CONASAT, com redundância de todos os seus subsistemas, tem massa de 8,4 kg. O transpônder para a retransmissão dos dados foi desenvolvido pelo CRN e fará o seu primeiro teste em voo como uma das cargas úteis do ITASAT. A plataforma do modelo de engenharia do CONASAT já está disponível.
Projetos internacionais
Em 2015, mais de 200 cubesats foram lançados. Em 2014, em um único lançamento, foram 36 satélites, sendo a grande maioria cubesats. Este recorde será quebrado este ano com o lançamento de mais de 80 satélites, entre eles o ITASAT, em um lançamento único através do Falcon 9, da empresa Space X. A National Aeronautics and Space Administration (NASA) realizou concorrência e selecionou três empresas para desenvolver lançadores de pequeno porte para este tipo de satélite em grande número, simultaneamente, e não mais de “carona” com um lançamento onde todos os demais satélites são subordinados à órbita do satélite principal lançado. A Estação Espacial Internacional tem lançado dezenas de cubesats regularmente. Há dois mecanismos específicos a bordo para isso; um, de uma companhia norte- americana; e outro; japonês. Lançamentos da ISS de cubesats têm a vantagem de reentrar na atmosfera em meses, evitando o acúmulo do lixo espacial.
A tecnologia evolui aceleradamente permitindo missões em sensoriamento remoto com nanosats em torno de 10U com resolução abaixo de 5 metros. Melhores rádios para comunicação em distâncias muito maiores do que as de órbita baixa (em torno de 600 km) e em frequências de comunicação em bandas que permitem uma taxa de transmissão de dados ao solo cada vez maiores. O desenvolvimento de pequenos propulsores para uso por cubesat também trará missões cada vez mais complexas com manobras de órbitas e o uso de formações e constelações de cubesats para sensoriamento remoto e comunicações, com revisitas cada vez menores.
Uma ideia do desenvolvimento dessa tecnologia já contempla missões interplanetárias à Lua e a Marte, já em desenvolvimento e com lançamento previsto para 2018. No caso dos testes do SLS – Space Launch System, o novo ançador de grande porte da NASA, que levará seis cubesats 12U e, pelo menos um deles, para exame do gelo na Lua. Na missão à Marte, dois cubesats farão o papel de relay de dados entre um veículo na superfície e um satélite em órbita daquele planeta. O Jet Propulsion Lab (JPL), que é nos Estados Unidos o responsável pela maioria das missões interplanetárias tem promovido regularmente workshops internacionais para tratar dessas missões, atraído pelo baixo custo e as possibilidade que apresentam.
Livre iniciativa
O setor privado rapidamente compreendeu o potencial das aplicações dos cubesats como uma tecnologia disruptiva para o setor espacial. Várias empresas no exterior que propõem missões com cube e nanosats têm conseguido obter investimentos de fundos privados que somam dezenas e até centenas de milhões de dólares. A mais bem sucedida tem sido a PlanetLabs (recentemente renomeada apenas Planet) que já lançou dezenas de cubesats 3U para a formação de uma constelação de mais de 100 cubesats em uma missão de sensoriamento remoto que inclui vídeos. A resolução pretendida é de 5 metros. Várias outras empresas de sensoriamento remoto no exterior estão em formação e em processo de captação para obter resoluções de até 1 metro com nanosats com suas constelações, uma delas argentina.
Empresas também estão em formação no exterior para explorar o uso de constelações com cube/nanosats em comunicações de dados e voz, que podem atingir tempo real para determinadas faixas de latitudes. Uma dessas empresas utilizará um dos novos lançadores mencionados acima resultado da concorrência da NASA para os seus pretendidos 200 cubesats 3U em latitude de +15° a -15°, o que inclui uma boa parte da população brasileira. Outras dedicam-se a aplicações diversas utilizando o baixo custo dos cubesat e a possibilidade de formação de constelações numerosas. Por exemplo, em aplicações de localização de embarcações ou aeronaves. Ou mesmo usando o resultado de missões científicas para fins comerciais, como no caso de uma empresa que utiliza constelação de cubesats para missões de radio ocultação com GPS para o fornecimento para outras empresas de previsão meteorológica no sentido de refinar a previsão para micro-regiões.
A maioria desses empreendimentos está em formação e deverão estar em operação plena nos próximos anos, mas também quase todos já lançaram cubesat precursores de suas constelações. São os prestadores de serviços com o uso de cubesats. Outras empresas, mais numerosas, e em geral de pequeno e médio portes, mas em crescimento, fornecem os cubesats. Não raro são oriundas de universidades que lançaram seus cubesats e que tiveram pequenas empresas fundadas por seus alunos, as quais crescem há anos regularmente e profissionalizam-se cada vez mais, expandindo sua estrutura de desenvolvimento, marketing e fabricação. São exemplos a ISIS (Holanda, da Technical University of Delft), Clyde Space (Escócia, da Universidade de Glasgow), Blue Canyon (Estados Unidos) e GOMSpace (Dinamarca, da Universidade de Aalborg). Esta última lançou recentemente suas ações na bolsa de Estocolmo.
No Brasil houve algum movimento de empresas que já atuam no setor espacial em desenvolver cubesats, mas sem progressos de monta. Entretanto, as primeiras empresas brasileiras que anteriormente atuaram em aplicações relacionadas ao setor espacial começam a se movimentar no sentido de oferecer serviços com suas constelações próprias de cube e nanosats, em sensoriamento remoto e comunicação de dados. Será interessante observar em futuro próximo se estas iniciativas se materializarão.
Aplicações em defesa
Em junho último, o Núcleo do Centro de Operações Espaciais (NuCOPE-P) do Comando da Aeronáutica, organizou o 1° Intl. CubSat Sumposium of Brasilia, em cooperação com universidades norte-americanas e o Comando Sul da Força Aérea dos Estados Unidos, com grande participação civil e militar. Pelo Brasil estiveram presentes apresentando projetos com cubesats, muitos com possibilidades de aplicações em defesa, representantes de instituições como o INPE, ITA, Universidade de Brasília (UnB), UFSC, UFRGS, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de São Paulo (USP). Um dos objetivos do simpósio foi o de promover possíveis cooperações no tema.
Entre as possíveis aplicações apresentadas estão as de sensoriamento remoto para monitoramento, na Amazônia, para detecção de pistas clandestinas e cartografia, comunicação ponto a ponto de pacotes de dado ou em tempo real, sistemas de identificação automática (AIS) e outras. Foi mostrado que algumas dessas aplicações são próximas a algumas que serão executadas em missões com cube e nanosats já em andamento e com lançamento próximo pelo Brasil.
Foi apresentado o Programa SNAP – SMDC Nanosatellite Program, onde o SMDC é o US Army Space and Missile Defense Command. Este Programa utiliza cubesats 3U para comunicação ponto a ponto além do horizonte em caráter experimental para comunicações de dados e voz, e que já realizou mais de um lançamento destes cubesats.
Nos Estados Unidos, o National Reconnaissance Office (NRO), responsável pelas missões de observação da Terra em defesa daquele país, está passando do estágio de utilização dos cube e nanosats de demonstração de tecnologias para missões de aplicações, de acordo com a sua diretora, Betty Sapp, em palestra proferida no GEOINT 2016, da US Geospatial Inteligence Foundation, em maio último.
* Otavio Durão é engenheiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Referências
1 – “NanosatC-Br1 The First Brazilian CubeSat, and Beyond”; Otavio Durão e Nelson Jorge Schuch; Small Satellite Conference; Utah, USA; 2015 (http://digitalcommons.usu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3297&context=smallsat)
3 – “Sky and Space to launch 200 nano-satellites with Virgin Galactic”; Corinne Reichert; ZD Net; Junho 2016 (http://www.zdnet.com/article/sky-and-space-to-launch-200-nano-satellites-with-virgin-galactic/)
4 – “FAB promove Simpósio Internacional de Nanossatélites”; WWW.fab.mil.br; Junho 2016 (http://www.fab.mil.br/noticias/mostra/26057/TECNOLOGIA%20-%20FAB%20promove%20Simp%C3%B3sio%20Internacional%20de%20Nanossat%C3%A9lites)
5 – “NRO Embraces Cubesats for Testing Advanced Technologies”; Amy Clamper; Space News; Agosto, 10, 2009.
Fonte: Tecnologia & Defesa, edição nº 146, setembro de 2016.
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