segunda-feira, 10 de março de 2014

"Mais espaço para os engenheiros aeronáuticos", reportagem do Valor

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Mais espaço para os engenheiros aeronáuticos

Edson Valente

Até pouco tempo os institutos de pesquisa espacial absorviam a maior parte dos profissionais. Nos últimos cinco anos, porém, projetos patrocinados pelo governo começaram a mobilizar toda a cadeia privada do setor

Os engenheiros aeronáuticos e aeroespaciais têm alçado novos voos no mercado de trabalho brasileiro. As oportunidades para esses profissionais cresceram nos últimos anos com investimentos do governo em programas de defesa e de ampliação da frota de caças e de helicópteros, entre outras iniciativas.

De acordo com Diogo Forghieri, gerente regional da Randstad Professionals - empresa de recrutamento que possui uma divisão especializada no mercado aeroespacial -, até pouco tempo os institutos de pesquisa espacial absorviam a maior parte dos formados pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Nos últimos cinco anos, porém, projetos patrocinados pelo governo começaram a mobilizar toda a cadeia privada do setor.

"Multinacionais passaram a demandar profissionais de alto desenvolvimento acadêmico não só para escritórios de representação, mas para encabeçar projetos com enfoque em tecnologia na área de defesa, como os programas de satélites brasileiros", diz. Outro que se destaca é o Inova Aerodefesa, que tem o objetivo de apoiar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação nas empresas brasileiras da área.

Forghieri estima que, desde 2010, esses investimentos crescem no ritmo de 10% ao ano no Brasil - entre 2011 e 2012, o montante saltou dos US$ 6,8 bilhões para os US$ 7,5 bilhões anuais. Tal movimentação, afirma o gerente da Randstad, é alimentada por um contingente de 25.064 pessoas (dados de 2012) que integram o setor aeroespacial brasileiro e que possuem alto nível salarial e acadêmico.

Em dois ou três anos, o número de engenheiros formados, além do ITA, em instituições como a Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal de Itajubá (Unifei) não será suficiente para atender à demanda existente. Os projetos, em geral, são de médio e longo prazos - de cinco a dez anos. Assim, o aquecimento do setor em termos de necessidade de mão de obra, que se estende aos formados em engenharia mecânica, mecatrônica, eletrônica e até civil e química, deverá se manter por um tempo considerável.

A questão da escassez de talentos é agravada pela concorrência com outros segmentos que empregam os engenheiros aeronáuticos e aeroespaciais. Segundo Forghieri, 60% deles permanecem no setor e os demais migram para mercados que, em geral, oferecem remunerações mais polpudas - caso da indústria de óleo e gás. Desse modo, muitas vezes as companhias do segmento aeroespacial importam mão de obra de países como França, Alemanha e Estados Unidos. "Os gastos com um engenheiro brasileiro e com um europeu acabam se equivalendo", afirma.

Também é percebida uma mudança no perfil dos profissionais procurados, que tem se tornado mais complexo diante das novas frentes de atuação. Deles, é requerida uma visão de gestão e de negócios a longo prazo, alinhada com o mercado e com práticas de marketing. Encontrar quem tenha essas características, no entanto, não é tarefa fácil. Estar atento a novas tendências em aeronáutica também é um pré-requisito, na opinião de Pedro Lacava, chefe da divisão de engenharia aeronáutica e coordenador do curso de engenharia aeroespacial do ITA. "O conceito de aeronave vai evoluir em aspectos como o desenho de fuselagem e o uso de combustíveis que emitam menos gases que provoquem o efeito estufa", ressalta.

Os salários de entrada, de acordo com a Randstad, ficam entre R$ 6 mil e R$ 8 mil mensais. Um gerente de um programa da cadeia aeroespacial, por sua vez, recebe de R$ 10 mil a R$ 15 mil por mês. Os ganhos de executivos mais seniores na liderança desses programas ficam no patamar dos R$ 25 mil aos R$ 35 mil mensais. Mestrados e doutorados fora do país são corriqueiros em seus currículos.

Os engenheiros, porém, podem progredir na carreira sem ter de, necessariamente, trilhar caminhos gerenciais. A chamada "carreira em Y" é uma realidade em empresas como a Helibras, fabricante brasileira de helicópteros sediada em Itajubá (MG) e subsidiária da Airbus Helicopters, divisão do grupo Airbus. "O profissional pode seguir dentro de sua especialidade técnica ou em um eixo mais administrativo", explica Walter Filho, diretor do centro de engenharia e de ensaios em voo da Helibras. Em sua opinião, abrir opções é uma das formas de atrair e reter os melhores talentos. Além disso, o programa de cargos e salários estabelece remunerações compatíveis nos dois braços da bifurcação.

O crescimento recente da Helibras espelha o momento favorável vivido pelo setor aeroespacial no Brasil. Em 2008, a empresa assinou com o governo federal um contrato para o fornecimento de 50 helicópteros modelo EC725 à Marinha, ao Exército e à Aeronáutica. A partir do acordo, desenvolveu seu centro de engenharia e compôs um novo time. Se, em 2009, eram 209 funcionários, hoje o número passa de 850. O objetivo é entregar um projeto de helicóptero nacional, adaptado às necessidades específicas de nossas Forças Armadas, até 2020.

De acordo com Walter Filho, a composição da equipe de engenheiros da companhia é bastante heterogênea. "Há os jovens com grande potencial e os que têm mais bagagem na aeronáutica". Com a idade na casa dos 30 aos 35 anos, os profissionais geralmente já têm experiência internacional - muitos fizeram intercâmbio na Airbus da França, o que o diretor caracteriza como treinamento "on the job" na matriz para "absorver" tecnologia e multiplicá-la por aqui. "A formação acadêmica no Brasil é compatível com o que há lá fora, mas a área requer muita atualização de conhecimento", afirma Ana Renó, vice-presidente administrativa e de recursos humanos da empresa. Buscar talentos nas universidades também é uma política adotada pela fabricante.

A Helibras mantém convênio com a EESC-USP para captar jovens e enviá-los à França para que conheçam o cenário internacional do negócio de helicópteros. A trajetória entre ser trainee e assumir um cargo de engenheiro pleno sênior leva de três a quatro anos. Entre as estratégias de atração está também um pacote de benefícios que inclui participação nos resultados e bônus relacionados a desenvolvimento e cumprimento de metas.

Forghieri, da Randstad, chama a atenção para uma carência que se agrava com o aquecimento do setor: a de docentes nas universidades. "Assediados pelas grandes empresas, os especialistas optam por chefiar projetos nessas organizações em busca de salários melhores", afirma. Em contrapartida, o meio acadêmico também busca incrementar seus quadros. O ITA, por exemplo, deve aumentar o número de professores em todos os seus cursos dos atuais 150 para 300 em cinco anos. Boa parte deles deverá integrar o projeto de um laboratório de inovações no segmento aeronáutico, que deve começar a operar em três anos, segundo Lacava.

Em 2008, em paralelo ao curso de engenharia aeronáutica - focado em projetar aeronaves -, o ITA inaugurou o de engenharia aeroespacial, mais voltado para projetos de satélites e veículos lançadores desses artefatos. O coordenador salienta que o surgimento desse curso, que formou sua segunda turma em 2013, deveu-se ao fomento do governo brasileiro a programas aeroespaciais, sobretudo o Veículo Lançador de Microssatélites (VLM).

Nesse segmento, empresas como Mectron, da Organização Odebrecht, e Visiona, fruto de associação entre Telebras e Embraer, são importantes "players". "O ITA deverá dobrar seu número de alunos em cinco anos", afirma o coordenador. No último vestibular, as vagas já passaram de 120 para 180. Hoje há 20 para o curso de engenharia aeronáutica e 10 para o de aeroespacial. Dentro de dois anos, serão 40 para cada um deles.

Fonte: jornal Valor Econômico, 10/03/2014, via JC E-mail.
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