.
Relatório do Simpósio sobre a Regulamentação de Pequenos Satélites organizado pela UIT em parceria com a Universidade de Praga (Praga, Março de 2015)
Juliana Macedo Scavuzzi dos Santos*
Introdução ao Problema dos Pequenos Satélites
Os pequenos satélites surgiram como uma opção mais barata de acesso ao espaço. Eles possuem, em geral, uma tecnologia mais acessível, um design mais simples e um tempo de construção mais rápido. São geralmente lançados em órbitas mais baixas e possuem missões mais curtas. Eles representam, portanto, uma oportunidade para países em desenvolvimento e instituições de ensino e pesquisa se tornarem atores espaciais. Em países como o Brasil, eles têm um papel fundamental na capacitação de pessoal. Ao mesmo tempo, porém, como são planejados e construídos muito mais rapidamente e por novos atores que comumente desconhecem as normas internacionais, eles podem representar uma ameaça ao uso sustentável do espaço, pois o descumprimento dessas regras pode causar interferência e aumentar as chances de acidentes, especialmente se considerarmos o grande número desses satélites sendo planejados e lançados.1
É preciso, portanto, estudar o impacto desses satélites no uso do espaço e as possíveis dificuldades que essas missões possam enfrentar para cumprir as normas internacionais. A Resolução 757 da UIT2 determinou que estudos fossem feitos e apresentados na Conferência Mundial de Rádio (WRC) em 2018, pra entender se é necessário mudar as regras de notificação e registro na UIT, a fim de adaptá‐las às necessidades das missões de pequenos satélites. O simpósio em Praga apresentou as conclusões
provisórias desse estudo. A UIT tem também promovido Workshops com o objetivo de esclarecer o cumprimento de suas regras, que muitas vezes podem se tornar um obstáculo para missões de baixo orçamento.
O Simpósio em Praga
O Simpósio foi atendido por participantes de 38 países. Foram apresentados diversos trabalhos sobre os aspectos regulatórios dos pequenos satélites. Os seguintes pontos são de particular importância para o Brasil:
1‐ O Chefe do Comitê de Política e Assuntos Jurídicos da UN OOSA, Niklas Hedman, informou em sua apresentação, que o OOSA apresentará ao SJ em 2015, um trabalho feito em cooperação com a UIT sobre a operação de pequenos satélites, esclarecendo questões sobre o registro, autorização, mitigação de lixo espacial e gestão de frequência.
2‐ Foi apresentado também um Guia (passo a passo) criado pela Agência Espacial Européia (ESA) para orientar os operadores de pequenos satélites europeus, em particular, as missões de instituições educacionais, a cumprir as regras internacionais a respeito. Apesar de ser uma iniciativa excelente, o material ainda não está disponível ao público no website da agência (e não se sabe se estará), sendo ofertado atualmente apenas às missões europeias.
3‐ Apresentações sobre lixo espacial salientaram que o grande número de pequenos satélites sendo lançados e planejados ameaçam de colisão outros objetos espaciais. Novos estudos e tecnologias estão sendo desenvolvidas para facilitar a identificação e retirada desses satélites e para garantir um maior controle de quanto tempo eles podem permanecer no espaço. O limite de 25 anos para retirar os satélites de órbita, que é a recomendação atual, precisa ser revisto, pois não parece compatível com as curtas missões dos pequenos satélites. Um interessante trabalho apresentado pelo alemão Manfred Wittig fez uma comparação do impacto provocado pela colisão de pequenos objetos no espaço com explosões de TNT.
4‐ As conclusões provisórias do estudo da UIT sobre os pequenos satélites foram apresentadas: esses satélites não apresentam características distintas em termos de gestão de frequência que justifique a necessidade de mudança das regras de registro da UIT. A alocação de frequência na UIT é feita com base no serviço operado no satélite e não no tipo de satélite. O estudo, porém, não levou em consideração o aumento no número de pequenos satélites que está sendo esperado para lançamento nos próximos anos. Diante disso, e do fato desses satélites estarem sendo usados cada vez mais para diferentes objetivos e serviços, e em número cada vez maior, se questiona se o estudo abordou as questões corretas. É suficiente analisar se é necessária alguma modificação no procedimento de registro na UIT para adequá‐lo aos pequenos satélites? A quantidade desses satélites sendo registrados não deveria também ser estudada? Questões como o uso equitativo das órbitas e frequências de rádio não deveriam ser incluídos no estudo? Outra conclusão do estudo foi a necessidade de auxiliar na divulgação e “educação”das missões de pequenos satélites a respeito das normas internacionais.
5‐ Foram apresentadas diversas missões de pequenos satélites com tecnologias muito mais avançadas e para vários serviços: astronomia, radar e até auxílio na monitoração de interferência e debris. Os pequenos satélites, portanto, estão cada vez mais profissionais e comerciais.
6‐ Um projeto chamou bastante atenção: o ‘Pocket Space Craft’, apresentado por Michael Johnson. Ele pretende lançar minúsculos satélites estimulando indivíduos que querem ter o seu próprio objeto espacial no espaço. O projeto promete baixíssimo custo e lançamentos em órbitas bem mais distantes. Os números, porém, são alarmantes: são previstos milhões desses objetos no espaço nos próximos anos. Logo após esta apresentação, muitas pessoas se manifestaram e uma delas salientou os altíssimos custos de monitorar objetos tão pequenos no espaço para evitar acidentes. Outro comentário destacou que outras constelações, com milhares de pequenos satélites, iniciaram, no final do ano passado, o processo de registro na UIT para a órbita geostacionária.3
7‐ Ao final do Simpósio foi proposta e aceita a “Declaração de Praga”, preocupada com ampla divulgação e cumprimento das normas internacionais pelas missões de pequenos satélites. Ela também reafirma a obrigação dos Estados de legislar no sentido de promover os mecanismos domésticos necessários para que essas regras sejam respeitadas, em consonância com sua responsabilidade pelas atividades espaciais nacionais.
Conclusões
a) Iniciativas como as de números 1 (OOSA/UIT) e 2 (ESA) auxiliam as missões de pequenos satélites a cumprirem as normas internacionais. É do interesse de todos que materiais como esse sejam amplamente divulgados, em especial com acesso aos países em desenvolvimento e missões universitárias, para que os novos atores espaciais não deixem de cumprir as normas por mero desconhecimento. Os países tem responsabilidade de fazer com que suas missões cumpram as normas internacionais, mas devido ao limitado número de especialistas em muitas dessas missões e países, seria importantíssimo que o COPUOS ajudasse (respeitando a jurisdição da UIT) nesse sentido. O Brasil poderia propôr a elaboração de um guia completo detalhando as etapas a serem seguidas pelas missões de pequenos satélites para o cumprimento das regras internacionais. Esse guia seria amplamente divulgado nos websites da OOSA/UIT. Não sabemos ainda o teor do material preparado pelo OOSA e UIT. Se for o caso de ser a mesma proposta, o Brasil poderia dar forte apoio a iniciativa. Outro ponto importante é a promoção de workshops em todas as regiões, em particular nas áreas em desenvolvimento, que divulguem e esclareçam a mencionadas regras. O Brasil poderia pedir o apoio do COPUOS nesse sentido.
b) O número 5 e 6 demonstram que a comercialização dos pequenos satélites pode levar a uma possível “corrida do ouro” no espaço.4 O registro na UIT de constelações formadas por milhares de satélites é alarmante. Independente de ainda não sabermos o verdadeiro impacto dessas iniciativas, para qual órbita irão, e nem se esses satélites serão mesmo lançados, é preciso questionarmos a sustentabilidade do uso do espaço e a garantia do seu uso pelas futuras gerações. O uso pacífico do espaço pode também ser ameaçado por uma competição desenfreada. Os pequenos satélites surgiram como uma grande oportunidade para países em desenvolvimento e com uma função educacional sem precedentes. Seu desenvolvimento, porém, caso não seja feito respeitando os princípios do direito espacial, poderá levar a um uso cada vez mais desigual do espaço, e ao domínio espacial feito por grandes corporações, através de missões bilionárias e com uma quantidade de satélites nunca antes imaginada. O COPUOS precisa unir forças com a UIT, cada um em sua jurisdição, para promover a garantia do uso sustentável do espaço.
c) A Declaração de Praga demonstra a preocupação da comunidade internacional com o uso sustentável do espaço pelas missões de pequenos satélites. É importante destacarmos a responsabilidade de todos, inclusive de ajudar qualquer pequena missão a cumprir as normas internacionais. O princípio de cooperação internacional é essencial para atingirmos esse objetivo.
*Advogada (OAB/PE 29.956), Mestre em Cienciência Jurídica (UNIVALI) e em Direito Aéreo e Espacial (McGill IASL), Membro da Sociedade Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA) e Chair de Direito e Política Espacial da Sociedade Espacial Canadense (CSS). As opiniões presentes neste Relatório são pessoais da autora.
O texto final da “Declaração de Praga”ainda não foi disponibilizado, mas deverá ser publicado no website da UIT (www.itu.int) Link com as apresentações feitas no Simpósio em Praga: http://www.itu.int/en/ITU‐R/space/workshops/2015‐prague‐smallsatPages/agenda.aspx
---
1 http://spacenews.com/signs‐of‐satellite‐internet‐gold‐rush/
2 A União Internacional das Telecomunicações (UIT) é a agência especializada da ONU responsável pelo registro de frequência de rádio e de posição orbital dos objetos espaciais, com o objetivo de evitar interferência danosa na comunicação feita pelos satélites. O trabalho da UIT é essencial, porque os satélites se comunicam via rádio e a interferência pode comprometer sua utilização. O registro da UIT assegura o reconhecimento e a proteção internacional contra interferência danosa. O procedimento, entretanto, pode levar anos desde o estágio inicial. Importante observar, entretanto, que esse processo só é demorado quando os satélites (pequenos ou não) são enviados a órbita geostacionária, pois nesse caso precisam fazer coordenação com outras missões anteriormente registradas na UIT. Os pequenos satélites, enviados a órbitas baixas, geralmente não precisam de coordenação e a UIT está conseguindo responder de forma rápida ao seu registro.
3 http://spacenews.com/signs‐of‐satellite‐internet‐gold‐rush/
4 http://spacenews.com/signs‐of‐satellite‐internet‐gold‐rush/
.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário