quinta-feira, 9 de maio de 2013

"Brasil no Subcomitê Jurídico da COPUOS", artigo de José Monserrat Filho


BRASIL NO SUBCOMITÊ JURÍDICO DO COPUOS

José Monserrat Filho*

O Brasil teve ativa participação na 52ª Reunião do Subcomitê de Assuntos Jurídicos do COPUOS, realizada em Viena, Áustria, de 8 a 12 de abril deste ano. A delegação brasileira, presidida pela ministra conselheira Vivian Loss Sanmartin, da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Viena, foi composta por Tatiana Esnarriga Arantes Barbosa, também da Missão Permanente do Brasil em Viena, André João Rypl, da Divisão do Mar, da Antártida e do Espaço (DMAE) do Itamaraty, Ana Cristina Galhego Rosa, doutoranda brasileira da Universidade de Leiden, Países Baixos, Daniel Konrad Link, representante da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), e o autor deste texto.

A decisão mais importante adotada nesta reunião parece ter sido a aprovação das “Recomendações sobre a legislação nacional relativa à exploração e ao uso do espaço exterior com fins pacíficos”, que agora serão apresentadas como projeto de resolução à Assembleia Geral das Nações Unidas em sua sessão deste ano.

O Brasil manifestou-se em várias ocasiões sobre os temas mais relevantes da agenda do encontro. A primeira intervenção brasileira ocorreu na fase do “Intercâmbio de Opiniões”. E enfatizou, entre outras, as seguintes ideias:

1) O Subcomitê Jurídico do COPUOS “pode desempenhar papel mais vigoroso como fórum multilateral e discutir novas demandas legais para regular as atividades espaciais e assegurar a segurança jurídica. Mais que nunca a comunidade internacional exige um sistema transparente, efetivo e previsível, que contribua para a construção da confiança entre os países.”;

2) A reunião do Subcomitê Jurídico deve manter sua duração atual, pois “há muitos temas que precisam ser tratadas com profundidade”, conforme a declaração do Grupo de Países Latino-Americanos (GRULAC), lida pelo representante da Guatemala;

3) “A questão da definição e delimitação do espaço exterior é elemento importante do Direito Espacial. Como o progresso tecnológico traz para a arena espacial novos atores, tanto públicos quanto privados, é essencial estabelecer as diferenças entre o Direito Aeronáutico e o Direito Espacial, para definir onde se aplica o princípio da soberania dos Estados e onde o Direito Espacial Internacional é a regra apropriada. A incerteza nessa questão impede o progresso tecnológico e o desenvolvimento das atividades comerciais no espaço exterior. A definição e a delimitação do espaço exterior ajudarão a eliminar a incerteza (…), tornando possível atribuir responsabilidades em controvérsias envolvendo objetos espaciais…”;

4) “O Tratado da Lua deve ser discutido e esclarecido para que possa ser melhor entendido. Acima de tudo, a exploração da Lua deve ser conduzida somente para fins pacíficos e em benefício de toda a humanidade.”; As recomendações sobre legislação espacial nacional relativas à exploração e uso do espaço exterior paa fins pacíficos, elaboradas sob a liderança de Irmgard Marboe (Áustria), são fonte de diretrizes para subsidiar os países no desenvolvimento de suas próprias legislações espaciais nacionais;

5) O Brasil apóia a revisão e atualização dos princípios sobre o uso de fontes de energia nuclear no espaço exterior, em sintonia com a Estrutura de Segurança na Aplicação das Fontes de Energia Nuclear no Espaço Exterior, adotada pelo Comitê Científico e Técnico do COPUOS e endoçada peloa Comissão de Padrões de Segurança da Agência Internacional de Energia Atômica;

6) A redução dos detritos espaciais (debris) continua sendo, em sua essencia, um problema multilateral e deve ser examinada com muito cuidado pelo Subcomitê Jurídico para prover soluções jurídicas capazes de tratar da questão de modo justo, estabelecendo equilíbrio entre a necessidade da sustentabilidade a longo prazo das atividades espaciais, a prevenção de colisões entre satélites e as responsabilidades históricas das nações com grandes programas espaciais pelos detritos existentes.

Nesta sua primeira e mais ampla intervenção, o Brasil anunciou o lançamento em 2012 do novo Programa Nacional de Atividades Espaiais (PNAE 2012-2021), que prioriza o desenvolvimento da indústria espacial nacional, integra a política espacial às outras políticas pública do país e se compromete a elaborar uma lei geral das atividades espaciais.

O Brasil anunciou também o próximo lançamento do CBERS-3 e o início das conversações entre Basil e China para a elaboração de um Plano Decenal de Cooperação Espacial, iniciativa inédita nestes primeiros 56 anos da Era Espacial.

No item sobre lixo espacial, o Brasil apoiou a ideia lançada pelos Países Baixas, inspirada no debate havido na véspera sobre o assunto no Instituto Europeu de Política Espacial (ESPI, na sigla em inglês), em Viena: o exame jurídico da questão dos detritos espaciais poderia ser encaminhado com base em princípios mais gerais do Direito Internacional Público. Um desses princípios, citado diretamente, é o Princípio 2 da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. Diz o Princípio 2: “Os Estados, de acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e de desenvolvimento, e a responsabilidade de assegurar que atividades sob sus jurisdição ou seu controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdição nacional.”

No referente à Legislação Espacial Nacional, o Brasil informou que a Associação Brasileira de Direito Aeronáuico e Espacial (SBDA) está iniciando o trabalho de elaboração de um pré-projeto da lei geral das atividades espaciais no Brasil. Trata-se de uma contribuição da SBDA à AEB.

Sobre o tema da formação de competências em Direito Espacial, o Brasil deu ciência da iniciativa da AEB de promover em breve um curso de Direito Espacial dedicado a diretores e executivos das industriais espaciais do país, interessadas em penetrar no mercado mundial e estabelecer parcerias com empresas de outros países.

O Grupo de Trabalho sobre Definição e Delimitação do Espaço Exterior, mais uma vez, não logrou chegar a uma solução de consenso sobre o tema. Presidi o GT pela nona vez consecutiva e decidi ler e pôr em debate as respostas de vários países sobre três ordens de questões: 1) As leis e práticas dos países relativas à definição e delimitação do espaço exterior; 2) A posição de cada país sobre a necessidade ou não de definir e delimitar o espaço exterior; e 3) A posição de cada país sobre uma eventual relação entre os voos suborbitais e a questão de definir e delimitar o espaço exterior, bem como sobre a necessidade ou não de se definir legalmente os voos suborbitais.

As intervenções de alguns países novamente revelaram a continuidade do impasse existente há muitas décadas entre os dois modos dominantes de tratar o tema, o enfoque espacial e o enfoque funcional. Por isso, optei por oferecer ao debate os efeitos jurídicos resultantes da vitória hipotética por consenso de cada um dos enfoques referidos. Em ambos os casos, haveria que emendar o Tratado do Espaço de 1967 e algumas das convenções adotadas pelas Nações Unidas com base nesse tratado pioneiro e líder no ordenamento das atividades espaciais.

Se o enfoque espacial fosse aprovado por consenso, o Tratado do Espaço, por exemplo, deveria ser completado no próprio texto ou em documento especial com a definição do espaço exterior e a altura escolhida para delimitar a linha limítrofe entre o espaço aéreo e o espaço exterior.

Se o enfoque funcional fosse o preferido, haveria que mudar o próprio título do tratado e vários de seus dispositivos, que não já poderiam referir-se ao espaço exterior, mas sim, e tão somente, às atividades espaciais, pois, no caso, o critério dominante seria não o espaço, mas a funcionalidade, o tipo de atividade exercida.

Assim, o “Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes” deveria assumir o nome de “Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades Espaciais dos Estados” (não importando o lugar onde sejam realizadas – na Terra, no espaço aéreo, no espaço exterior, na Lua ou em qualquer corpo celeste). E o artigo 1º, §2, deveria ganhar outra redação. Em lugar de rezar que “o espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, poderá ser explorado e utilizado livremente por todos os Estados…”, caberia dizer “as atividades espaciais, independentemente do lugar onde sejam realizadas, poderão ser exercidas livremente por todos os Estados…” Quanto ao artigo 2º, seria impossível ajustá-lo legalmente à visão funcional, já que ele se refere diretamente ao espaço, estabelecendo que “o espaço cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes não poderá ser objeto de apropriação…”

A verdade é que, num enfoque rigorosamente funcional, essa norma deveria ser cancelada, pois, a seu ver, o que importa é a atividade espacial e não o espaço cósmico ou exterior. A solução do dilema, creio, está na adoção de um sistema misto, que tanto delimite o espaço exterior, quanto defina as atividades espaciais. Atividades que, na realidade, começam ainda na superfície da Terra. Essa foi a minha recomendação aos delegados presentes. Mas nenhum deles houve por bem discutir as hipóteses formuladas, nem a solução proposta. Fez-se um silêncio completo. Como não há consenso nem para retirar o tema da agenda de debates, ele inevitavelmente voltará no próximo ano. Parece que todos os países membro do Subcomitê Jurídico estão condenados a alcançar uma solução de consenso.

* José Monserrat Filho, chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da AEB
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