sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

SGDC e "transferência tecnológica"

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Existe certa confusão sobre o processo de transferência tecnológica (TdT) associado ao Satélite Geoestacionário de Defessa e Comunicações Estratégicas (SGDC). Não é incomum ver colocações de que os trinta engenheiros que serão enviados à França para acompanhar a construção do satélite representam um esforço de TdT. De fato, é bastante usual na indústria espacial o acompanhamento das fases de projeto e construção por equipes do cliente, seja ele governamental ou privado (a operadora brasileira Star One, por exemplo, faz isso com competência internacionalmente reconhecida). Não se trata, porém, de TdT, ainda que suas consequências sejam importantes para qualquer programa espacial. Alegar o contrário significaria afirmar os satélites de comunicações da Venezuela e Bolívia, adquiridos junto à China, envolveram TdT, uma vez que um grande número de especialistas de ambos os países foram enviados à Ásia para acompanhamento em fábrica e treinamentos para operação.

A realidade é que o conceito de TdT é fluido e, em teoria, bastante abrangente, construído de acordo com os interesses de cada parte envolvida. No setor de defesa, os casos mais recentes no Brasil, como a compra de helicópteros e submarinos de companhias francesas em 2009 e a negociação para a aquisição dos caças suecos, dão o tom do que se espera de TdT: industrialização local.

O memorando de entendimentos

A transferência tecnológica propriamente dita associada ao SGDC consta do memorando de entendimentos firmado entre a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a fabricante Thales Alenia Space (TAS) em 12 de dezembro último, quando da assinatura do contrato de aquisição do satélite. Espera-se que seja um processo executado ao longo de cinco anos, e embora seu escopo não tenha sido divulgado publicamente, inclui sistemas eletrônicos de bordo, estruturas de maior porte e aplicações de dados para os segmentos telecomunicações via satélite, observação e meteorologia, entre outras áreas.

Segundo a TAS, o programa previsto no memorando "representa dezenas de milhões de dólares", mas reportagem da imprensa especializada internacional, citando fonte francesa não identificada, crava um valor mais específico: 80 milhões de dólares.

No final de novembro, publicamos uma análise ("Análise: do SGB ao SGDC", novembro de 2013) na qual afirmamos que a TdT associada ao SGDC tinha uma natureza "soft" e relativa incerteza, tema que aprofundaríamos mais adiante. Basicamente, seriam dois os motivos principais: (i) a dependência do orçamento da AEB; e (ii) duplicidade com o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE).

Apesar de existir um pacote de TdT associado ao SGDC, este não integra o contrato de aquisição do satélite, firmado entre a Visiona e a TAS. Trata-se de um processo (até o momento, apenas um memorando de entendimentos) paralelo prevendo a aquisição de tecnologias (para mais detalhes, veja "Entrevistas: José Raimundo Braga Coelho, presidente da AEB", novembro de 2013). Não há, portanto, envolvimento direto da Visiona na TdT, iniciativa tocada (e negociada) diretamente entre a fabricante e a AEB. E para ser viabilizada, a TdT dependerá da disponibilização de recursos no orçamento da Agência, que não consegue superar a barreira psicológica dos cerca de R$300 milhões anuais, "concorrendo" com outras diversas demandas (CBERS, Amazônia-1, satélites de coleta de dados, lançadores, apenas para citar algumas).

O segundo motivo é o PESE, que tem surpreendido por sua velocidade (ver a postagem "PESE: expectativas para 2014", janeiro de 2014). Ainda que faltem algumas definições chave associadas ao programa do Ministério da Defesa (forma de contratação, provavelmente via o conceito de prime contractor, embora este ainda não esteja plenamente definido. Mais sobre isso em breve), existe a expectativa de que as aquisições de satélites envolvam um significativo esforço de envolvimento industrial local. E neste sentido, haveria o risco de duplicidade entre as ações previstas no memorando do SGDC, com a TAS, e o pacote a ser negociado para o PESE em processo de concorrência internacional.

Tal duplicidade também evidencia um aspecto já analisado em algumas ocasiões pelo blog: a interação entre o Programa Espacial Brasileiro tocado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e atividades espaciais desenvolvidas noutros setores governamentais e forças armadas, como o PESE. Principalmente por uma razão óbvia de racionalização de recursos financeiros, espera-se em algum momento uma convergência de certas atividades.
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