BRICS – fator de desenvolvimento global?
José Monserrat Filho *
“É aí que a porca torce o rabo?” De ditado popular português
O BRICS parece estar correndo contra o tempo. A situação global não está nada boa e tende a piorar cada vez mais. Fórum formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (41,4% da população mundial e mais de 25% do Produto Interno Bruto – PIB do planeta), o BRICS começou a ser criado em 2006 e completou sua composição atual em 2011, com a entrada da África do Sul. Em julho de 2014, em Fortaleza, realizou sua 6ª Reunião de Cúpula. Em 2015, a 7ª Cúpula.
Cinco anos após a 1ª Cúpula, em 2009, suas atividades internas já cobriam cerca de 30 áreas – agricultura, ciência e tecnologia, cultura, espaço exterior, think tanks, governança e segurança da Internet, previdência social, propriedade intelectual, saúde, turismo, entre inúmeras outras.
A área econômico-financeira ganha relevância. A 6ª Cúpula, em julho de 2014, assinou os acordos de criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), para financiar projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em países emergentes e em desenvolvimento, e do Arranjo Contingente de Reservas (ACR), para prover apoio mútuo aos membros do BRICS afetados por flutuações no balanço de pagamentos. Capital inicial subscrito do NBD: US$ 50 bilhões; e capital autorizado: US$ 100 bilhões. Total de recursos destinados ao ACR: US$ 100 bilhões (41 bilhões garantidos pela China). Um ano depois, em 27 de julho deste ano, o NBD, com sede em Xangai, na China, já começou a operar, tal como fora decidido, e “quer desafiar instituições como o Banco Mundial, por meio de operações mais ágeis e rápidas” (Financial Times, 21/10/2015).
A área de ciência, tecnologia e inovação segue o mesmo ritmo. A 3ª Reunião dos Ministros de CT&I ocorreu em 27 e 28 de outubro último, em Moscou, já em linha com a Declaração e o Plano de Ação adotados pela 7ª Cúpula, em 9 de julho último, em Ufá, na Rússia. O encontro ministerial aprovou o Plano de Trabalho do BRICS em CT&I 2015-2018, com cinco linhas temáticas a serem desenvolvidas pela Plataforma da Rede BRICS de Pesquisa e Inovação, colocando em contato direto as entidades nacionais interessadas em cada tema. As cinco linhas são:
1) Prevenção e mitigação dos desastres naturais, liderada pelo Brasil através do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden/MCTI);
2) Recursos hídricos e tratamento da poluição, liderada pela Rússia através da Plataforma Tecnológica para o Desenvolvimento Ecológico Sustentável;
3) Tecnologia geoespacial e sua aplicação ao desenvolvimento, liderada pela Índia através da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais;
4) Energia nova e renovável e eficiência energética, liderada pela China através do Ministério de C&T (MOST); e
5) Astronomia, liderada pela África do Sul através da Fundação Nacional de Pesquisas.
A Cúpula BRICS da Universidade Global, reunida na Universidade MGIMO (Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscou), debateu a relação “Ciência e Universidade”, no dia 27; e, no dia seguinte, o Fórum Aberto de Inovação discutiu o projeto BRICS Grain – Rede de Pesquisa Global em Infraestrutura Avançada do BRICS, com a participação do Ministro da Educação e Ciência da Rússia, Dmitri Livanov.
Foram aprovadas ainda seis iniciativas, além das cinco áreas temáticas:
1) Criação do Fórum BRICS de Jovens Cientistas, a ser coordenado pela Índia;
2) Cooperação em Biotecnologia e Biomedicina, incluindo Saúde Humana e Neurociência, a ser coordenada por Brasil e Rússia;
3) Cooperação em Tecnologias da Informação e em Computação de Alto Desempenho, a ser coordenada pela China e África do Sul;
4) Cooperação em Ciências dos Oceanos e dos Polos, a ser coordenada por Brasil e Rússia;
5) Cooperação em Ciência dos Materiais, incluindo Nanotecnologia, a ser coordenada pela Índia e Rússia; e
6) Cooperação em Fotônica (ciência da geração, emissão, transmissão,modulação, processamento, amplificação e detecção da luz), a ser coordenada pela Índia e Rússia.
Os sistemas de telemedicina dos países do BRICS deverão ser integrados, como uma das formas de cooperação em Biomedicina e Ciências da Vida. Prevê-se a criação de uma rede de especialistas dos países do BRICS para apoiar o desenvolvimento de sistemas compatíveis de telemedicina nesses países. Essa área temática também inclui a criação da BRICS Biomed, com um consórcio e um centro de transferência de tecnologia, bem como de consórcios de sistemas farmacológicos para resolver questões de “segurança medicinal”, de resistência antimicrobiana, bem como de reação a doenças epidêmicas e a enfermidades emergentes.
Dois Grupos de Trabalho foram criados para propor soluções a problemas vitais em CT&I: o GT sobre Financiamento e o GT sobre Infraestruturas de Pesquisa, inclusive para Mega Projetos Científicos. Os contatos desses GTs em cada país do BRICS devem ser nomeados até dezembro próximo. Não há tempo a perder.
As 12 ações programadas para impulsionar as áreas temáticas são:
1) Criar, na India, até março de 2016, o GT sobre Aplicação de Tecnologia Geoespacial para o Desenvolvimento;
2) Promover, na China, neste mês de novembro, a 2ª Reunião do GT sobre Iluminação do Estado Sólido (Solid State Lightning);
3) Promover, em dezembro deste ano, a 1ª Reunião do GT sobre Astronomia;
4) Criação de uma rede de especialistas em sistemas compatíveis de telemedicina;
5) Promover conferência anual sobre “Materiais inovativos para economia de energia e água e proteção ambiental;
6) Sistemas de Apoio a Decisões (DSSs), baseados no desenvolvimento de tecnologias da Informação e de tecnologias geoespaciais, para o gerenciamento de multi-perigos e de riscos climáticos, bem como para o planejamento do desenvolvimento resiliente apropriado para habitat sustentável;
7) Promover, em março de 2016, o Fórum BRICS anual de Jovens Cientistas, com seminários científicos internacionais para jovens pesquisadores sobre temas prioritários, através de palestras, seminários em aula e discussões em mesas-redondas;
8) Promover, na Índia, em 2016, o Fórum BRICS dos Jovens Cientistas, com atividades científicas regionais, incluindo o Conclave BRICS do Jovem Cientista e o Website BRICS do Jovem Cientista, além de seminários internacionais para jovens pesquisadores sobre temas prioritários, com palestras, seminários em aula e discussões em mesas-redondas;
9) Criação do Website interativo do Jovem Cientista, para informar a comunidade jovem de ciência, tecnologia e inovação sobre oportunidades e iniciativas nos países do BRICS;
10) Promover workshops tópicos para discutir sobre as áreas prioritárias de colaboração conjunta entre representantes dos países do BRICS, envolvendo a comunidade científica, o empresariado e outras partes interessadas, a fim de estabelecer novas parcerias;
11) Promover uma reunião para discutir a potencial colaboração entre países do BRICS na área de Fotônica; e
12) Organizar e publicar uma bibliografia da história da ciência nos países do BRICS.
A 4ª Reunião dos Ministros de CT&I do Brics será realizada na Índia já em 2016.
O BRICS é por demais desigual e pouco inovativo? A economista inglesa Francesca Beausang lançou em 2012 o livro “Globalization and the BRICs – Why the BRICs Will Not Rule the World For Long (A Globalização e os BRICs – Por que os BRICs não governarão o mundo por muito tempo?) – escrito quando o fórum chamava-se BRIC, porque a África do Sul ainda não era membro. Diz a autora com singular franqueza: “...este livro reúne os fatos que conformam a ascensão econômica e política dos BRICs. Ele vai além dos fatos e entra no plano especulativo, naquilo que pode ser visto como alternativa, cenário não-ortodoxo do futuro declínio do BRICs. Enquanto as provas concretas necessárias para esse cenário de declínio não vão existir por mais de 20 anos, o cenário tem raízes na natureza insustentável de duas características-chave dos BRICs: sua excessiva desigualdade e sua insuficiente capacidade inovativa.” Ou, como frisa a nota de divulgação do livro, a ascensão dos BRICs não representa nenhuma ameaça à “dominação do Ocidente”, pois entre seus países há “excessiva desigualdade” e “insuficiente capacidade inovativa”, “o que poderia levá-los a perder dinamismo econômico e precipitar o declínio do BRICs”.
De 2012 a 2015, como vimos em fatos e não em especulações, é difícil negar o avanço dinâmico do BRICS. Se esse ritmo acelerado de crescimento, reuniões, decisões e cumprimento das decisões se mantiver nos próximos 20 anos, certamente haverá provas concretas, não a favor, mas contra a hipótese especulativa sobre o declínio do fórum. Isso o futuro dirá, provavelmente antes do que se espera. Hoje por hoje, porém, há um cenário de crises e incertezas entre as potências tradicionais, que se agrava sem perspectivas de solução, enquanto o BRICS se destaca por sua atuação construtiva e criativa em campos essenciais para o desenvolvimento nacional de cada país membro, o que poderá reduzir as desigualdades existentes entre e dentro desses países.
Qual dos dois cenários terá condições de melhorar a vida na Terra para bilhões de pessoas?
Eis a questão. Ou, não é aí que a porca torce o rabo?
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). Esse artigo expressa apenas a opinião do autor.
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