Conferência Espacial das Américas enfatiza educação, telemedicina e desastres naturais
José Monserrat Filho *
A 7ª Conferência Espacial das Américas ocorreu, de 17 a 19 de novembro, em Manágua, capital da Nicarágua – país da América Central com 130 mil km² (área equivalente a dos Estados de Pernambuco e de Alagoas juntos), e seis milhões de habitantes, onde o grupo empresarial privado chinês HKND (Kong Kong Nicaragua Canal Development) deve construir, até 2020, um canal interoceânico de 278 km, ao custo estimado de 50 bilhões de dólares.
Nicarágua entra na Era Espacial com os satélites de telecomunicações Nicasat-1 e Nicasat-2, produzidos na China, que serão lançados, respectivamente, em 2016 e 2017, e com uma Estação do Glonass, o sistema russo de navegação espacial, a ser instalada no país, com base em acordo firmado com a Roscosmos, a agência espacial da Rússia.
Tema geral da 7ª Conferência: “Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Humano em um Ambiente de Cooperação, Cultura da Paz e do Respeito ao Direito Espacial Internacional”.
A 6ª Conferência, realizada no México, teve este tema geral: “Espaço e Desenvolvimento: As Aplicações Espaciais a Serviço da Humanidade e do Desenvolvimento das Américas”.
As seis Conferências Espaciais anteriores foram realizadas em San José de Costa Rica (1990), Santiago de Chile (1993), Punta del Este, Uruguai (1996), Cartagena de Índias, Colômbia (2002), Quito, Equador (2006) y Pachuca, México (2010).
Delegações oficiais de nove países das Américas compareceram à 7ª Conferência: Argentina, Canadá, Chile, Cuba, Estados Unidos, México, Panamá, Uruguai e Venezuela.
O Brasil não pôde enviar representantes, como em encontros anteriores. Fui convidado a título pessoal, para proferir uma conferência. Escolhi falar sobre “A Cooperação Espacial no Mundo do Século 21”. Tive oportunidade, igualmente, de participar dos debates sobre outras questões e de apresentar propostas ao encontro. Dei especial atenção à cooperação em telemedicina por satélite, acoplada com programas de educação espacial.
As agências espaciais da Itália (ASI) e da Rússia (Roscosmos) também tiveram ativa participação, bem como o Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (UNOOSA), com sede em Viena, Áustria, que ajudou na promoção do evento.
A 7ª Conferência foi conduzida pelo Vice-Presidente da Nicarágua, General Moisés Omar Haleslevens, coadjuvado pelo Presidente do Conselho Nacional de Universidades (CNU) e Ministro Assessor da Presidência da República, Francisco Telémaco Talavera, pelo Ministro Secretário de Políticas Públicas, Paul Oquist, e pelo Coordenador do Comitê Científico do evento, Dionísio Rodríguez, professor e pesquisador do Instituto de Geologia e Geofísica da Universidade Nacional Autônoma de Nicarágua (UNAN-Manágua).
Participou ativamente dos trabalhos do evento a representante permanente da Nicarágua nas Nações Unidas, diplomata Maria Rubiales de Chamorro.
O Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega Saavedra (1945-), enviou mensagem especial aos participantes da 7ª Conferência. Ortega preside o país pela terceira vez (1985-90, 2006-11 e 2012-2016). Foi um dos nove comandantes da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN, fundada em 1961, hoje convertida em partido político), que, em 1979, derrubou a ditadura de Anastácio Somoza Debayle (1925-1980), pondo fim à dinastia da família Somoza, estabelecida em 1936.
A 7ª Conferência aprovou a Declaração de Manágua e um Plano de Ação, e, ao final, promoveu uma reunião de trabalho entre todos os participantes para recolher ideias e propostas práticas destinadas a ampliar os horizontes da Secretaria Pro Tempore da 7ª Conferência, que a partir de agora tem sede em Manágua, sob a responsabilidade direta do Vice-Presidente do país.
A Declaração de Manágua ressalta as recomendações adotadas pela Conferência de Cúpula das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, reunida em Nova York, de 25 a 27 de setembro último, bem como “a urgência de impulsionar a educação em ciência e tecnologia espacial como instrumento fundamental para o aproveitamento de seus benefícios potenciais, e insta os países da região a redobrar esforços neste sentido...”. Frisa, ademais, que “os países devem se comprometer a formular e executar políticas, programas e projetos de cooperação internacional que contribuam para fortalecer os planos de desenvolvimento setorial, cuja estratégia de implementação exija a aplicação de conhecimentos científicos e tecnológicos no uso pacífico do espaço exterior”.
A Declaração diz ainda que “a exploração e o uso do espaço exterior devem realizar-se em benefício e no interesse de todos os Estados, sem nenhuma discriminação, em condições de igualdade e com liberdade de acesso”, como reza a chamada “Cláusula do Bem Comum”, inscrita no Art. I do Tratado do Espaço, de 1967, considerado “o código maior das atividades espaciais”.
A propósito, a 7ª Conferência Espacial das Américas “faz um apelo aos países desenvolvidos para que apoiem, em matéria de cooperação científica e tecnológica, os países em desenvolvimento, conforme expressa a Parceria Global da Agenda Pós-2015 para o Desenvolvimento, aprovada por todos os Estados-Membros das Nações Unidas”.
Essa Parceria Global, segundo a Agenda Pós-2015, baseia-se “no espírito de solidariedade global fortalecida, com ênfase especial nas necessidades dos mais pobres e mais vulneráveis e com a participação de todos os países, todas os grupos interessados e todas as pessoas”.
Entre as recomendações da 7ª Conferência estão:
1) Identificar novas fontes de financiamento para implementar ações de desenvolvimento que viabilizem o Plano de Ação aprovado no evento;
2) Fortalecer as instituições espaciais de cada país e da região encarregadas de desenvolver programas e projetos baseados em ciência e tecnologia espacial, tendo em vista implementar as recomendações formuladas na Declaração de Manágua;
3) Apoiar a difusão do ensino de ciência e tecnologia espacial em todos os níveis, adotar políticas de divulgação de temas espaciais e trabalhar para que a sociedade em geral conheça a importância do uso das tecnologias espaciais;
4) Criar mecanismos para o acesso oportuno à informação e às tecnologias espaciais relacionadas com a prevenção, redução, atenção e remediação aos desastres causados por fenômenos naturais e antropogênicos;
5) Contribuir para o monitoramento dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente por meio de tecnologias espaciais;
6) Fomentar a utilização de aplicações espaciais – como a teleducação, a telemedicina, as telecomunicações, o acesso e a conexão por meio das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) – que permitam a inclusão da população no desenvolvimento econômico, social e cultural;
7) Reafirmar a importância da cooperação internacional no uso e aplicação das tecnologias espaciais como mecanismo para fortalecer a paz, a segurança e a promoção do desenvolvimento humano por meio da utilização pacífica do espaço exterior;
8) Estabelecer o Grupo Técnico Espacial Consultivo (GTEC), de acordo com o ponto 15 da Declaração de Pachuca 2010, integrado por representantes das Agências Espaciais e as entidades governamentais responsáveis pelos assuntos espaciais dos países do continente, com o fim de fortalecer a atuação da Secretaria Pro Tempore;
9) Seguir examinando a viabilidade e a pertinência da criação de um organismo espacial regional para impulsionar projetos de cooperação de interesse comum para o desenvolvimento de tecnologias espaciais e suas aplicações.
O Plano de Ação inclui “a participação, cooperação e intercâmbio em programas e projetos relacionados com (a) educação, pesquisa e desenvolvimento de ciências, tecnologias e aplicações espaciais; (b) proteção do meio ambiente e apoio ao desenvolvimento sustentável; (c) prevenção e mitigação dos desastres naturais; (d) mudanças climáticas; (e) direito espacial; (f) agricultura e segurança alimentar; (g) proteção do patrimônio cultural da humanidade; e (h) aproveitamento racional dos recursos naturais”.
Do Plano de Ação constam também o compromisso de “promover a participação ativa de instituições acadêmicas, científicas e jurídicas, de dentro e de fora da região, bem como de agências, comissões, entidades espaciais governamentais, dos organismos especializados do sistema das Nações Unidas, em projetos de cooperação regionais e internacionais”.
O Plano de Ação busca ainda fortalecer “a difusão dos temas espaciais na região, para criar uma consciência coletiva sobre sua importância, utilização e aplicação”, e insta à participação e ao apoio do Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Exterior (UNOOSA) na realização de oficinas de trabalho, simpósios, conferências sobre o desenvolvimento das ciências, tecnologias espaciais, bem como de sua área jurídica, que ajudem a implementar o Plano de Ação”.
A Venezuela candidatou-se para sediar a 8ª Conferência Espacial das Américas, dentro de três ou quatro anos.
A Nicarágua, como o país mais pobre entre os que já acolheram as Conferências Espaciais das Américas, tem agora a chance de liderar – por meio de sua Secretaria Pro Tempore – programas e projetos de cooperação espacial em todo o continente. Logo veremos o que conseguirá realizar, com a ajuda de outros países, tanto de dentro, como de fora das Américas.
Como primeiro passo, a Nicarágua bem que poderia concentrar-se num programa piloto conjunto de educação espacial e telemedicina por satélite, capaz de reunir e beneficiar países da América Central e Caribe, nos campos essenciais da educação e da saúde pública. Seria um começo apropriado e extremamente útil para a região, com ampla repercussão em todo o mundo.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). Esse artigo expressa apenas a opinião do autor.
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