quarta-feira, 25 de abril de 2012

Relembrando a polêmica do ACDH



PROGRAMA ESPACIAL BRASILEIRO: Satélite Amazônia-1

Sistema de controle de atitude e órbita é comprado de empresa argentina por R$ 47,5 milhões, ignorando diretriz do PNAE

A direção do INPE deve esta explicação à comunidade e à sociedade


Por Shirley Marciano*


Um dos principais desafios para a construção de satélites e foguetes são as chamadas tecnologias críticas. O domínio de tais tecnologias é fundamental para qualquer país, organização pública ou empresa, que tenha como missão atuar na área espacial. Quem as produz não as transfere, e dificilmente as vende.

Adicionalmente, existe um tratado internacional que regula a venda dessas tecnologias, pelo potencial de uso não pacífico. É muito importante que o país desenvolva a tecnologia de Sistemas de Controle de Atitude e Órbita, pois proporcionará ao Programa Espacial Brasileiro autonomia, custos menores, economia de tempo e, consequentemente, maior agilidade nos processos de desenvolvimento, em especial dos satélites, além de possíveis spin-offs industriais.

EUA: poder de veto

Além de beneficiar economicamente o país, com a produção de tecnologia em território nacional, a EMBRAER poderá ser beneficiada com a possibilidade do livre comércio de suas aeronaves. Isto porque o governo dos EUA tem poder de veto nas vendas de qualquer equipamento militar que conte com tecnologia americana. Em janeiro de 2006, por exemplo, foi vetada a venda de 24 unidades do Super Tucano à Venezuela, fato este que coloca em xeque a autonomia nacional na venda de aviões.

No final de 2008, o INPE fez uma dispensa de licitação para comprar o subsistema de Controle de Atitude e Órbita para a Plataforma Multimissão (PMM), do satélite Amazônia 1, diretamente da empresa argentina INVAP, no valor de, aproximadamente, R$ 47,5 milhões.

Teria sido esta uma solução acertada para o país e para o Programa Espacial Brasileiro? O que teria motivado a compra desta tecnologia no exterior? Por que uma empresa argentina, com pouca tradição na venda de sistemas inerciais, teria sido escolhida como fornecedora?

Breve histórico da tentativa de dominar a tecnologia

PNAE: “Contratar, primordialmente na indústria nacional, sistemas e subsistemas completos de satélites
e lançadores.”

As primeiras experiências na área de controle de atitude se deram na Missão Espacial Completa Brasileira (MECB). O Satélite de Coleta de Dados (SCD-1) foi lançado em 1993 e o SCD-2 em 1998.

Já o SACI-1 apresentou falha em órbita e o SACI-2 foi destruído juntamente com o VLS-2, não sendo possível avaliar a tecnologia nacional nesta segunda experiência. A terceira experiência nacional se deu com o Programa French-Brazilian Microsatellite (FBM), em que Brasil e França desenvolveriam um satélite superior aos da série SCD e SACI.

Em 2003, o Centre National d’Études Spatiales – CNES descontinuou o programa, mas repassou ao INPE os equipamentos relativos à plataforma sob responsabilidade francesa, legando aos programas futuros do INPE uma plataforma orbital, estabilizada em três eixos, praticamente completa, faltando o software embarcado de controle.

Em 2001, foi contratado o projeto e a fabricação da PMM, pela Agência Espacial Brasileira (AEB). O subsistema de controle de atitude e órbita foi licitado internacionalmente, mas sua compra foi descontinuada devido a demandas judiciais dos contendores.

O Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) transferiu ao INPE, então, a responsabilidade por este subsistema, com o objetivo de desenvolver a tecnologia no Brasil. Para apoiar esta atividade foi estruturado um laboratório, o LABSIM, que ficou pronto em 2003. Foi, também, organizada uma equipe para se dedicar ao Projeto de Controle da PMM, que desenvolveu trabalhos de 2003 até o início de 2006.

Finalmente, como resultado da revisão do PNAE, finalizada em 2004, o DCTA e o INPE propuseram um projeto conjunto aos Fundos Setoriais, na área de controle, que foi aprovado em 2005, no valor da ordem de R$ 40 milhões (60% para o DCTA e 40% para o INPE), tendo como objetivo principal na área de satélites o desenvolvimento do subsistema de controle da PMM.

Nova mudança de rumo

Em 2006, a direção do INPE decidiu comprar o subsistema de controle de atitude e órbita da primeira PMM diretamente da indústria, via o mecanismo de subvenção econômica, deixando de lado as iniciativas anteriores. Por força de regras de concessão, nenhum dos projetos que a direção do INPE articulou foi aprovado pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).

Ainda desconsiderando as iniciativas anteriores, foi, então, articulada a compra do subsistema através de licitação pública. Empresas nacionais associadas a empresas estrangeiras apresentaram proposta, mas o processo foi descontinuado pelo INPE, em face de recurso judicial interposto por um dos grupos participantes.

Finalmente, no final de 2008, a direção do INPE, através de uma dispensa de licitação, adquiriu o subsistema de controle de atitude e órbita da empresa estatal argentina INVAP, em contrato no valor de R$ 47,52 milhões, com vigência no período de 31/12/2008 a 30/06/2012.

Dados, no país, o grande esforço prévio em sistemas inerciais e a importante questão da qualificação de fornecedores nacionais para o programa espacial, bem como a existência de projeto de capacitação na área, como o projeto Sistemas Inerciais para Aplicação Aeroespacial, financiado pelos Fundos Setoriais, torna-se difícil defender a ideia de compra deste subsistema de fornecedor estrangeiro. A menos que ao final deste contrato se verifique a existência de fornecedor nacional qualificado, via transferência de tecnologia, terá ocorrido apenas a compra internacional de um subsistema, não atendendo a premissa No.1 do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) “...Contratar, primordialmente na indústria nacional, sistemas e subsistemas completos de satélites e lançadores. ...”.

Os recursos do PNAE devem ser gastos no Brasil, a menos que haja uma forte justificativa para contratar no exterior. Cabe à direção do INPE apresentar a justificativa do porquê da contratação da INVAP, uma empresa sem tradição na comercialização de sistemas de controle de atitude e órbita para satélites.

Concluindo, à luz das informações disponíveis, há, ainda, a necessidade que se demonstre ter sido uma solução acertada, para o país e para o Programa Espacial Brasileiro, a compra do subsistema de controle de atitude e órbita da primeira PMM no exterior. A estratégia colocada em prática no início da década parece ser uma alternativa melhor sintonizada com os objetivos de autonomia e capacitação industrial do PNAE.

Sistema de Controle de Atitude e Órbita: o cérebro de um satélite

A câmera de um satélite precisa de auxílio para capturar imagens de uma região previamente definida sobre a Terra. Além disso, a órbita degrada com o tempo e o satélite tende a sair do lugar. Um satélite nas órbitas baixas (750km) pode cair até alguns metros por dia. Sendo assim, a posição orbital tem que ser corrigida sempre e, para isso, tem que existir um sistema que coloque o satélite de volta em sua posição e que o oriente em relação à Terra.

O sistema de Controle de Atitude e Órbita utiliza-se de sensores que identificam a referência (para onde se quer apontar) e o apontamento real do satélite, enviam as informações para o computador de bordo, o qual aciona atuadores para efetuar a correção. Este sistema é considerado o cérebro de um satélite, mas o Programa Espacial Brasileiro nunca fabricou um por não dominar sua tecnologia.

Shirley Marciano
Jornalista do SindCT - Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais
na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial


Texto originalmente publicado no Jornal do SindCT, edição de abril de 2012

2 comentários:

Fabíola de Oliveira disse...

Caro André,

Gostaria de entender como e por que esta polêmica do contrato com a Argentina para a compra do ACDH veio à tona agora, após 4 anos! Na época as empresas brasileiras que entraram na concorrência reclamaram bastante, entraram com recurso, e de nada adiantou. O que se pretende com esta denúncia tardia agora? Seria bom investigar....

Fabíola de Oliveira - jornalista e escritora de ciência

Fabíola de Oliveira disse...

Gostaria de entender porque este assunto da compra do ACDH pelo INPE, diretamente da Argentina, vem à tona agora, após 4 anos. Na época as empresas brasileiras que entraram na concorrência, reclamaram, entraram com recursos, e de nada adiantou. Para que levantar esta polêmica neste momento? A quem interessa? Seria bom investigar, pois desconfio que estas coisas não surgem do nada....

Fabíola de Oliveira - jornalista e editora do blog www.valeciencia.com.br