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Crescer em todas as áreas
O diretor-geral da Astrium do Brasil fala à T&D
Com mais de trinta anos de experiência no Brasil nos setores aeroespacial, de defesa e tecnologia, Jean-Noel Hardy é graduado em engenharia aeronáutica e espacial pela Ecole Nationale Supérieure de l’Aéronautique et de l’Espace, em Toulouse, França, e em direito empresarial pela Universidade de Paris Panthéon-Sorbonne, tendo concluído seu MBA pela Essec Business School, em Paris em 1975. Também é diplomado em matemática e física pela Universidade de Limoges, França. Entre 2004 e 2009, foi diretor-presidente da Helibras, tendo sido figura-chave na negociação de venda de helicópteros EC725 para as Forças Armadas brasileiras, um dos maiores e mais importantes projetos de transferência tecnológica no setor de defesa já firmados pelo País. A partir de julho de 2009, assumiu um novo desafio como diretor para a América Latina da Astrium, divisão espacial do grupo europeu EADS, sendo, em paralelo, diretor-geral da Astrium do Brasil, com a missão de consolidar e ampliar os negócios do grupo na região. É atualmente conselheiro da Equatorial Sistemas, de São José dos Campos (SP), diretor do COMDEFESA, entidade da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), e conselheiro do Comércio Exterior da França.
Jean-Noel gentilmente concedeu esta entrevista exclusiva a André M. Mileski, editor-adjunto de Tecnologia & Defesa, na qual fala sobre a presença e perspectivas da Astrium no Brasil e na América do Sul.
Tecnologia & Defesa - Em 2012, a Astrium anunciou a criação de uma subsidiária no País, a Astrium Brasil. Qual é o seu significado e objetivo?
Jean-Noel Hardy - Se possível, gostaria em primeiro lugar, de lembrar alguns detalhes sobre a Astrium. Ela é de fato a maior empresa do setor espacial na Europa, e de longe. Ela se situa em terceiro lugar no ranking mundial.
Duas interessantes peculiaridades: a empresa não é ligada a um único país, mas é genuinamente europeia, com instalações significativas em cinco países: França, Alemanha, Reino Unido, Espanha e Países Baixos. Com cerca de 18 mil funcionários, tem um faturamento anual da ordem de 5 bilhões de euros. Além disso, é uma das poucas empresas do setor que dominan todo o leque de atividades espaciais, dos lançadores, como o Ariane, até os serviços ao usuário final, passando por todos os tipos de satélites, de comunicação, de observação ou mesmo científicos.
Não há dúvida de que o Brasil tem todas as características para se tornar, para valer, uma potência espacial, e a ambição de nossa empresa é de ser um parceiro essencial deste destino. Para concretizar essa visão, se tornou evidente que tínhamos que ter uma base permanente e sólida no País para mostrar a seriedade de nosso propósito, e também para termos uma ferramenta prática para construir parcerias, alianças; em uma palavra, para contribuirmos da melhor maneira possível aos atuais e futuros programas espaciais brasileiros. A Astrium Brasil tem também a vocação de operar, a partir daqui, nos principais países da América Latina.
T&D - A Astrium não foi préselecionada para o projeto do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), anunciado no início de maio. Isso muda algo nos planos da companhia para o Brasil?
Hardy - Seria desonesto de minha parte dizer que não foi uma grande decepção, ainda mais que objetivamente a Astrium é uma das pouquíssimas empresas que tem real experiência, comprovada nos fatos, de construir um satélite para cumprir a missão do SGDC. Mas, não nos cabe comentar o processo de seleção conduzido com seriedade pela Visiona. No entanto, acreditamos que o Brasil oferecerá muitas outras oportunidades de desenvolver as parcerias que desejamos, e sabemos de experiência que o espaço é uma atividade de longo prazo. O episódio do SGDC não altera de maneira alguma nosso compromisso com o Brasil e suas ambições espaciais.
T&D - Qual é a sua visão sobre o mercado brasileiro de comunicações por satélite, tanto governamental como privado?
Hardy - No que diz respeito ao mercado civil de comunicações por satélite, acreditamos que as tendências que se verificam no resto do mundo devam se repetir no Brasil, adaptadas às condições locais. Os drivers que estão atualmente levando o mercado para a frente são TVHD, TV3D e “High Speed Internet”. Tudo isso leva a satélites maiores e mais possantes. Do ponto de vista governamental, temos, no Brasil, que contar com um território imenso, uma infraestrutura no solo às vezes insuficiente para garantir, sem falhas ou riscos, o perfeito funcionamento das comunicações do poder público. Isso deve favorecer, em médio prazo, o surgimento de um satélite de telecomunicações administrativas governamentais.
Para as comunicações ligadas à defesa, o SGDC, que deve ser contratado em breve, irá trazer uma solução, pelo menos para um certo tempo. Todavia, as exigências de comunicações ligadas ao desdobramento dos sistemas integrados de vigilância, tais como o SISFRON ou o SisGAAz, sobre áreas gigantescas, poderão evidenciar a necessidade de mais capacidade, que poderá ser resolvida a prazo com um satélite adicional dedicado às comunicações estratégicas e, pontualmente, com a contratação de “airtime” nas bandas pertinentes, tais como a banda-X.
T&D - A Astrium é uma das poucas empresas internacionais do setor espacial com presença industrial no Brasil, por meio da Equatorial Sistemas. O senhor poderia falar um pouco sobre esta plataforma local e como ela pode contribuir para o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro?
Hardy - A parceria com a Equatorial Sistemas é bastante antiga. Na verdade, começou em torno do ano 2000, quando as duas empresas cooperaram no projeto HSB (Humidity Sounder Brazil), um dos seis instrumentos embarcados a bordo do satélite de observação AQUA, lançado pela NASA, norte-americana, em 2002.
De lá para cá, as relações se estreitaram e a Astrium se tornou acionista da Equatorial Sistemas em 2006. Em seguida, participou de vários aumentos de capital com o objetivo de reforçar a empresa. Em paralelo, as duas cooperaram em vários programas brasileiros, entre os quais o mazônia-1, para o qual fornece o “Digital Data Recorder” (DDR), equipamento de última geração. A Equatorial Sistemas, em parceria com a Opto, também desenvolve e fornece o instrumento “Wide Field Instrument”(WFI) para o programa CBERS, do INPE. Interessante salientar que a Equatorial obteve ao apoio da FINEP para vários programas de pesquisa e desenvolvimento nas áreas de optrônica aplicada ao espaço e à defesa.
A Equatorial Sistemas, ao longo de seus anos de existência, construiu uma fama justificada de credibilidade e competência no setor espacial brasileiro. A aproximação com a Astrium e seu acervo tecnológico só faz reforçar a legitimidade técnica e industrial da empresa. Assim, ela tem todas as condições para ser um “player” de primeiro plano nos próximos programas nacionais de satélites, quer sejam civis, quer sejam mais voltados para o lado de defesa. Há uma grande probabilidade que os próximos programas sejam de observação, campo no qual a Equatorial tem ampla experiência...
Além de suas instalações próprias em São José dos Campos, com várias salas limpas e equipamentos altamente especializados, a empresa tem acordos de parceria com empresas brasileiras dos ramos que apresentam competências complementares. A visão da Astrium é que a Equatorial Sistemas se fortifique cada vez mais no País e se torne o nosso verdadeiro braço industrial brasileiro. Tudo indica que isso pode acontecer num futuro próximo.
T&D - A Astrium tem uma importante presença no País com a sua divisão de imagens de satélite, a Astrium GEO-Information Services. O senhor poderia nos dar um panorama sobre a divisão e seus negócios?
Hardy - A Astrium GEO-Information Services é uma líder mundialmente reconhecida no setor e se beneficia de mais de 25 anos de experiência das empresas Spot Image e Infoterra. Tem acesso exclusivo aos dados dos satélites TerraSARX, Pléiades, SPOT e distribui dados de outros sensores de diversas características, podendo assim atender uma grande variedade de necessidades dos usuários finais. A empresa se estabeleceu no Brasil, em São Paulo, no início de 2009, para se aproximar do mercado brasileiro e assim atendê-lo melhor. No País, ela dispõe de uma rede de parceiros, todos especialistas em imagens de satélites e suas mais diversas aplicações. Com esses parceiros, já produzimos mosaicos de imagens de satélite de alta resolução de mais de oito estados da Federação.
Além de grandes empresas como a Petrobras ou a Vale, atendemos também o agronegócio e vários ministérios, tais como Defesa, Meio Ambiente e Agricultura, além de várias ONGs. Vale a pena destacar que nossos produtos foram usados e testados em projetos de produção do Cadastro Ambiental Rural, também conhecido como CAR. Com o novo Código Florestal, outros grandes projetos dessa natureza deverão sustentar a demanda por imagens no futuro.
T&D - No ano passado, o grupo anunciou sua participação no programa Ciência sem Fronteiras, do Governo Federal, ao oferecer vagas de estágios para profissionais brasileiros. O senhor poderia comentar sobre o envolvimento da Astrium com esta iniciativa?
Hardy - Ciente do interesse do Governo Federal em incentivar a ida ao exterior de estudantes brasileiros, notadamente no âmbito do programa Ciência sem Fronteiras, a Astrium, concomitantement com uma visita da presidente Dilma Rousseff à França, em final de 2012, ofereceu 20 vagas de estágios nas suas instalações europeias para serem ocupadas por brasileiros. A implementação deste compromisso assumido pelo CEO mundial da Astrium, François Auque, está atualmente acontecendo de acordo com as modalidades técnicas do programa.
A Astrium acredita muito nas virtudes da pesquisa tecnológica, da inovação e da formação superior e, nesse sentido, tem tomado algumas iniciativas interessantes. Por exemplo, o melhor aluno de engenharia aeroespacial do ITA recebeu um convite para passar alguns meses nas instalações da Astrium na Europa para acompanhar pesquisas do interesse dele, na área da propulsão, se não me engano. Existem outras iniciativas, cujos resultados não foram ainda publicados. Posso, todavia, adiantar que, após um processo de seleção, a Astrium e a Equatorial irão apoiar, inclusive financeiramente, um ou dois projetos de pesquisas conduzidos por laboratórios ou universidades
brasileiras.
T&D - Recentemente, a Astrium inaugurou no Rio de Janeiro um escritório para sua divisão de serviços em comunicações. Qual é a atuação da empresa nesse campo no País?
Hardy - Na realidade, é a consequência direta da aquisição da empresa Vizada por nosso grupo em 2012. Estamos reorganizando a operação da Vizada no Brasil numa nova empresa que acabamos de criar efetivamente, a Astrium Serviços de Comunicação. A atuação dessa empresa será orientada essencialmente para dois segmentos: primeiro, o de comunicação marítima (“Maritime”) provendo soluções de comunicação de voz, dados e internet via satélite para embarcações que naveguem na costa brasileira; segundo, é o de soluções móveis via satélite (MSS), que abrange o portfólio de serviços INMARSAT, como BGAN para comunicação terrestre; FLEET BROADBAND, para comunicação embarcada; SWIFT BROADBAND, para comunicação aeronáutica; e ISATPHONE, para telefonia. Dentro deste segmento a Astrium também dispõe de soluções de telefonia via satélite IRIDIUM e soluções de comunicação M2M SKYWAVE.
T&D - E as expectativas?
Hardy – São de crescimento em todas as áreas. A Astrium atuará como provedora desses serviços através de canais e também diretamente. Nossa ambição é nos tornarmos um “player” importante no segmento “Maritime”, onde a Astrium tem grande participação e experiência internacional, junto a empresas transportadoras e ligadas a atividades do pré-sal. No segmento MSS, nosso objetivo é atuar em parceria com nossos canais para que estes aumentem sua participação de mercado. No nosso negócio, o “céu” não tem limites, apenas oportunidades!
T&D - A empresa é também um importante player mundial no campo de lançadores espaciais, e o Brasil está em busca de acesso autônomo ao espaço. A empresa tem olhado oportunidades neste segmento?
Hardy - Efetivamente, a Astrium é um “player” de primeira linha em nível mundial na área de lançadores de satélite e, certamente, o líder europeu neste setor. Basta lembrar que a Astrium é o “prime contractor” do foguete europeu Ariane, lançado de Kourou, na Guiana Francesa, e que, no dia 5 de junho, alcançou a marca incrível de 55 tiros seguidos bem sucedidos; desta vez, ele levou com sucesso o veículo de reabastecimento automático (ATV 4 - “Albert Einstein”), também construído pela Astrium, até a ISS (International Space Station). O ATV4 é a maior carga já transportada pelo Ariane: 20,2 toneladas. Além do Ariane, Astrium contribui para outro programa europeu de lançador, o Vega, com elementos essenciais, tais como os algoritmos de guiagem e controle, o software embarcado, o sistema de controle de atitude e equipamentos aviônicos e componentes estruturais.
Com tal experiência, é óbvio que acompanhamos com interesse os esforços brasileiros para alcançar o acesso autônomo ao espaço que o País legitimamente vem buscando. Neste contexto, a abertura para o diálogo tem sido evidente e sempre mantemos contatos regulares com o DCTA e o IAE há já vários anos.
T&D - Além do Brasil, há na América do Sul outros importantes mercados no campo espacial. A Astrium, por exemplo, já tem negócios na Argentina e no Chile, para citar dois países. Quais são as perspectivas de outros na região?
Hardy - A América do Sul é, de maneira geral, uma região que está com perspectivas promissoras no campo espacial. E é verdade que, além das fronteiras do Brasil, existem perspectivas na área.
A Argentina tem sido para a Astrium um importante cliente. Vem construindo seu primeiro satélite de telecomunicações, o Arsat-1, para o qual fornecemos importantes componentes da plataforma. Esperam-se as gerações seguintes Arsat-2 e Arsat-3 cuja cobertura deverá ser maior do que o primeiro.
O Chile é também um cliente significativo, sendo o primeiro país da região a adquirir seu próprio satélite de observação de alta resolução, o SSOT (ou FASat- Charlie), colocado em órbita em dezembro de 2011. Com uma resolução de 1,5 metros, o satélite de pouco mais de 100 kg de massa ao lançamento, foi desenvolvido e construído pela Astrium em Toulouse, com um time de engenheiros chilenos acompanhando as operações fabris “in situ”. Existem no Chile ideias para a próxima geração de satélites de observação, e também se comenta a respeito de um possível programa de satélite de telecomunicações, já que o último terremoto mostrou a vulnerabilidade das infraestruturas de “telecom” no solo, cujo disfuncionamento na ocasião foi crítico.
Outros países, como o Peru e a Colômbia, apresentam perspectivas comerciais interessantes, a médio prazo. Constata-se um interesse importante para os sistemas de observação da Terra por satélite cujas aplicações vão desde a segurança das fronteiras até o monitoramento ambiental, passando pela agricultura, a prevenção dos riscos naturais ou o monitoramento do crescimento urbano.
Em todos os casos, a América do Sul é um vasto mercado para o fornecimento de imagens ópticas ou radar de observação da Terra, bem como para serviços de comunicações comerciais ou públicas. A região toda oferece espaço para crescer, sem trocadilho!
Fonte: Tecnologia & Defesa n.º 133, julho de 2013.
Nota do blog: na última quarta-feira (31), A EADS anunciou uma ampla restruturação de suas unidades, a ser implementada em 2014, e que resultará na alteração de seu nome para Airbus Group. A companhia passará a ser formada por três divisões: a já existente Airbus, responsável por aeronaves comerciais; Airbus Defence & Space, que resultará da fusão da unidade Cassidian, de defesa e segurança, da Astrium, de espaço, e da Airbus Military, de aeronaves militares; e a Airbus Helicopters (novo nome da Eurocopter). A restruturação deverá ter reflexos em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde a Astrium, Cassidian e Airbus Military já estão presentes.
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