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Satélites de Observação Terrestre na América do Sul - Um panorama
André M. Mileski
Nos últimos anos, o número de países que passaram a deter meios autônomos de observação terrestre a partir do espaço cresceu consideravelmente. Na América do Sul, não tem sido diferente, com aqueles que já têm tradição em atividades espaciais, como Brasil e Argentina, lançando novas missões, o Chile e a Venezuela se juntando ao clube, e outros como Colômbia, Peru e Bolívia prestes a integrá-lo.
Argentina
O programa argentino de satélites de observação é hoje um dos mais avançados da América do Sul, ao lado do brasileiro, abrangendo missões tanto óticas como radar, geralmente implementadas em parceria internacional. Seu primeiro sistema de sensoriamento remoto foi o SAC-C, lançado em 21 de novembro de 2000, e que contava com dois sensores óticos com resoluções nas faixas de 35 a 350 metros, destinados a produzir imagens multiespectrais para estudos da Terra, além de sensores científicos específicos. A missão foi realizada em cooperação com a agência espacial norte-americana (NASA), e institutos de pesquisas da Europa e o Brasil, que executou os testes finais do artefato no Laboratório de Integração e Testes (LIT), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em São José dos Campos (SP).
Passo seguinte foi dado com o SAC-D/Aquarius, desenvolvido em regime de cooperação internacional, com participação de institutos dos Estados Unidos, França, Itália, Canadá e Brasil, e colocado em órbita em 10 de junho de 2011. Muito embora tenha caráter mais científico (o sensor Aquarius, fornecido pela NASA, é um radiômetro em banda L para medição da salinidade dos oceanos), o satélite também foi equipado com uma câmera de alta sensibilidade (visualização de iluminação urbana, embarcações, tormentas elétricas, cobertura de neves), com 200/300 metros de resolução, e um sensor infravermelho (imageamento de incêndios e atividades vulcânicas), com resolução de 350 metros.
Atualmente, a Argentina é o único país sul-americano a desenvolver de fato uma constelação de satélites com tecnologia de radar de abertura sintética (SAR, sigla em inglês), capaz de imagear a superfície terrestre independente de luz e cobertura de nuvens, no âmbito do projeto SAOCOM. O projeto, que integra o Plano Espacial Nacional e é tocado pela Comisión Nacional de Actividades Espaciales (CONAE), prevê a construção de duas constelações, a SAOCOM 1 e SAOCOM 2, cada uma sendo composta por dois satélites. Os artefatos da primeira constelação estão em desenvolvimento e devem ser lançados a partir do ano que vem, tendo vida útil estimada em cinco anos. Contarão com um sensor radar operando em banda L, com resolução espacial entre 10 e 100 metros e cobertura de 35 a 350 km, com diferentes ângulos de observação. Quando em operação, o SAOCOM integrará o Sistema Ítalo-Argentino de Satélites para a Gestão de Emergências (SIASGE), considerado único no mundo, que envolverá a integração dos engenhos argentinos com a constelação italiana COSMO-SkyMed.
Outro plano é o do Satélite Argentino-Brasileiro de Informações Ambientais Marítimas - SABIA-Mar (designado localmente como SAC-E), discutido desde o final de 1998 com o vizinho, mas que apenas recentemente recebeu um novo impulso para a sua viabilização.
Brasil
O Brasil foi o sul-americano pioneiro na exploração espacial, inclusive em sensoriamento remoto a partir do espaço. Em abril de 1973, o País se tornou o terceiro no mundo – depois dos Estados Unidos e do Canadá – a dispor de uma estação terrena de imagens de satélite, no caso, o norte-americano ERTS-1 (que originou a família Landsat), instalada em Cuiabá (MT) e operada pelo INPE.
A busca pelo desenvolvimento de alguma autonomia em imageamento a partir do espaço veio com a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), lançada no final da década de 1970, objetivando capacitações nos segmentos de lançadores (programa VLS), satélites e infraestrutura terrestre (laboratórios e centros de lançamentos). A MECB previu o desenvolvimento e construção de dois satélites de sensoriamento, começando-se pelo SSR-1, que mais tarde veio a ser conhecido pelo nome Amazônia-1.
O Amazônia-1 ainda não teve seu projeto concluído, o que é aguardado para os próximos anos, em 2015. Baseado na Plataforma Multimissão (PMM), desenvolvida pelo INPE em conjunto com a indústria nacional, será equipado com uma câmera de 40 metros de resolução e faixa de cobertura de 750 quilômetros, que produzirá imagens da Terra para aplicações no agronegócio, meio-ambiente, monitoramento de recursos naturais e em outros fins. Após o lançamento do Amazônia-1, espera-se que outros dois modelos sejam colocados em órbita, o Amazônia-1B, em 2017, e o Amazônia-2, em 2019.
Quase dez anos após a MECB, os governos do Brasil e da China assinaram um acordo de cooperação tecnológica visando ao desenvolvimento de dois avançados satélites de sensoriamento remoto, dentro do programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite), que desde então tem contribuído significativamente para a capacidade nacional em obter, processar e interpretar imagens geradas a partir do espaço.
O acordo, assinado em 1988, contemplava o desenvolvimento e construção de dois satélites idênticos de sensoriamento remoto equipados com sensores óticos. Nos dois primeiros satélites, as responsabilidades não foram divididas igualitariamente: à China, caberia o desenvolvimento, fabricação e custeio do equivalente a 70% do total, enquanto que à parte brasileira, os 30% restantes. O CBERS 1 foi colocado em órbita heliossíncrona, a 778 km de altitude, em 14 de outubro de 1999, e operou até 2003, superando em quase 100% o tempo de sua vida útil estimada, de dois anos. O segundo, por sua vez, subiu ao espaço em 21 de outubro de 2003. Em novembro de 2002, os dois governos firmaram um novo acordo prevendo a continuidade do CBERS com a construção de outras duas unidades - CBERS 3 e 4, maiores e mais sofisticados, com sensores óticos com resoluções na faixa de 5 a 70 metros. Foi definida, também, uma nova divisão dos investimentos, agora igualitária, cada um respondendo por 50%.
Depois da entrada em órbita do CBERS 2, e considerando-se na época que o CBERS 3 o seria apenas em 2009 (este satélite ainda não foi lançado, com previsão para o final de 2013), o INPE e sua contraparte chinesa decidiram construir um novo, idêntico aos de primeira geração, chamado CBERS 2B, de modo a cobrir o hiato da retirada de operação do último exemplar da série inicial, e a entrada de seu sucessor da segunda série. O CBERS 2B foi lançado em setembro de 2007.
O INPE vem trabalhando há vários anos no conceito de um satélite radar (SAR) que, inicialmente, seria desenvolvido em conjunto com instituições da Alemanha, baseado na PMM [Nota do blog: na ilustração acima, no início da reportagem, o MAPSAR]. O sistema é tido como essencial para as necessidades brasileiras, em particular no monitoramento do desmatamento na Amazônia, tendo em vista a sua capacidade de imageamento em quaisquer condições de tempo. No projeto atual, conforme previsto no Programa Nacional de Atividades Espaciais - PNAE 2012 - 2021, o SAR deverá ser dotado de um imageador radar de abertura sintética, operando em vários modos, com múltiplas resoluções na faixa de 5 a 30 metros, destinado à aplicações voltadas ao meio-ambiente, agricultura, defesa, etc. Seu lançamento é previsto para 2020.
Das missões espaciais de observação terrestre, a mais recente é a SABIA-Mar, desenvolvida pelo Brasil e pela Argentina. Trata-se de um sistema completo de observação da Terra dedicado ao sensoriamento remoto de sistemas aquáticos oceânicos e costeiros, baseado em uma constelação de dois satélites. Além da missão primária, os artefatos poderão, também, observar águas interiores, e obter dados em escala global da cor dos oceanos. Suas imagens poderão ser usadas em aplicações relacionadas à pesca e na aquicultura, no gerenciamento costeiro, no monitoramento de recifes de coral, de florações de algas nocivas e de derrames de óleo, na previsão do tempo, na análise da qualidade das águas, entre outras.
Os artefatos terão cerca de 500 kg, baseados na PMM, e cada um levará uma câmera multiespectral, com possibilidade de cargas úteis secundárias. A partilha das tarefas será de 50% para cada país. Estão em desenvolvimento as Fases 0 (análise da missão e identificação das necessidades) e A (análise de viabilidade técnica e industrial) da missão, tocadas pelo INPE, do lado brasileiro, e pela CONAE, do argentino. O primeiro modelo deve estar em órbita em 2019.
Chile
Em julho de 2008, após um processo de seleção que envolveu os principais fabricantes mundiais, o Chile se tornou o terceiro país do subcontinente a contratar um sistema espacial de observação, encomendando um microssatélite junto à europeia Astrium, do grupo EADS, num negócio avaliado em US$ 72 milhões.
Lançado no final de 2011, o SSOT (Sistema Satelital de Observación de la Tierra) é dual, com aplicações civis e militares. O satélite tem 117 kg de massa e conta com um sensor ótico capaz de produzir imagens com 1,45 metros de resolução, para aplicações como mapeamento, agricultura e gerenciamento de recursos e desastres naturais. Sua vida útil é estimada em cinco anos. A partir de uma estação terrestre em Santiago, o satélite é operado por uma equipe de engenheiros chilenos, treinados nas instalações da Astrium, em Toulouse, no sul da França, onde o sistema e o satélite foram desenvolvidos e construídos. Segundo informações de bastidores, o governo chileno já considera alternativas para a manutenção e mesmo ampliação de sua capacidade de observação a partir do espaço.
Venezuela
Em seu governo, o falecido presidente Hugo Chávez buscou colocar a Venezuela em situação de independência em alguns setores considerados estratégicos, como comunicações e observação terrestre. Isso começou com a aquisição de um satélite de comunicações, o Venesat-1, comprado da fabricante chinesa China Great Wall Industry Corporation (CGWIC) e inserido em órbita no final de 2008. A seguir, conforme a tendência mundial, obteve um satélite de observação terrestre, gozando da parceria espacial mantida com os chineses desde o Venesat-1, num investimento de US$ 140 milhões.
A contratação para a construção do satélite, chamado de Francisco Miranda, mas também designado como VRSS-1 (Venezuelan Remote Sensing Satellite) ocorreu em maio de 2011, e foi o segundo feito pela estatal CGWIC para o governo venezuelano. O VRSS-1 também representou o primeiro satélite de observação exportado pela China, que busca firmar-se como player nesse segmento, a exemplo do que já acontece nas comunicações.
O Francisco Miranda foi ao espaço em outubro de 2011, através de um foguete Longa Marcha 2D, a partir do centro espacial de Jiquan, no noroeste da China. De acordo com informações creditadas pela imprensa internacional a Jorge Arreaza, ministro venezuelano da Ciência, Tecnologia e Inovação, por ocasião do lançamento, o VRSS-1 é capaz de produzir imagens com 2,5 metros de resolução, gerando em torno de 350 imagens por dia ao longo de cinco anos. Seus dados têm sido utilizados para operações de planejamento urbano, monitoramento ambiental, de combate à mineração ilegal e ao tráfico de drogas, junto a aplicações em defesa.
Colômbia
Um dos países da América Latina que mais tem crescido nos últimos anos - a previsão é de que nos próximos anos supere a Argentina, tornando-se a terceira maior economia da região, atrás apenas do Brasil e México - a Colômbia também considera em seus planos estratégicos a obtenção de capacidade autônoma de observação terrestre a partir do espaço. Há gestões da Comisión Colombiana del Espacio (CCE) para o desenvolvimento de um programa satelital, iniciativa que deverá envolver parcerias com governos e indústrias estrangeiras. Diversas notícias sobre possíveis parceiros chegaram a ser publicadas, com destaque para Israel - importante parceiro no setor de defesa, e França, e a expectativa é de que a definição sobre o caminho a ser trilhado para a concretização do projeto colombiano ocorra muito em breve.
Recentemente, em fevereiro de 2013, numa entrevista dada à imprensa local, o vice-presidente colombiano, Angelino Garzón, deu enfáticas declarações sobre a necessidade do país em dispor de capacidade própria de observação: “Não é justo que a Colômbia, hoje dispondo de uma Força Aérea como a que tem, um instituto geográfico como o Geográfico Agustín Codazzi, tenha que pedir a utilização de parte de satélites para observar nosso próprio território”.
Peru
O Peru também está próximo de concretizar seu programa satelital, segundo indicações dadas por notícias e declarações de autoridades. As intenções peruanas datam de 2006, mas foram aceleradas a partir do momento em que o Chile, um rival histórico, passou a contar com seu sistema próprio, em julho de 2008.
Reportagens e declarações dadas por membros do governo sinalizam que a pretensão é contar com um pequeno satélite de observação com sensores óticos de mesma resolução ou superiores (em torno de 1 metro) ao do SSOT chileno, a ser adquirido junto a fabricantes estrangeiros. Lima, por meio do Ministério da Defesa e da Agencia Espacial del Peru (CONIDA), tem mantido contato com governos e fabricantes interessados em fornecer o sistema satelital, como a França, Israel e Coréia do Sul, entre outros.
Na SITDEF 2013, feira sobre sistemas de defesa, segurança e desastres naturais realizada no último mês de maio em Lima, o projeto peruano foi um dos destaques, abordado em apresentações de entidades envolvidas e também de empresas interessadas em fornecê-lo.
Bolívia
Apesar de ser um dos países mais pobres da América do Sul, durante o governo de Evo Morales, a Bolívia buscou estruturar um programa espacial, e seu primeiro projeto concretizado foi o de um satélite geoestacionário de comunicações, o Tupac Katari, adquirido na China em dezembro de 2010, e previsto para ser colocado em órbita no final de 2013. Um sistema de observação também está nos planos de La Paz para aplicações como o monitoramento de recursos minerais, muito embora não existam indicativos claros sobre a negociação e mesmo disponibilização de recursos para a aquisição.
Fonte: Revista Tecnologia & Defesa n.º 133, julho de 2013.
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