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Brasil assume de vez negociação espacial com americanos
Planalto já prepara minuta de proposta para que EUA usem Centro de Lançamento de Alcântara
POR GABRIELA VALENTE, ELIANE OLIVEIRA E ROBERTO MALTCHIK
23/01/2017 4:30 / atualizado 23/01/2017 13:38
BRASÍLIA - Após o fracasso na parceria com os ucranianos para o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, que causou prejuízo de pelo menos meio bilhão de reais ao Brasil, o Palácio do Planalto está pronto para negociar o uso da base com os Estados Unidos. A ideia é oferecer aos americanos acesso ao centro de lançamento, cobiçado por sua localização rente à Linha do Equador, que diminui o gasto de propelente em cada empreitada especial, para, em troca, utilizar equipamentos fabricados pelos potenciais parceiros.
O uso dos modernos sistemas espaciais dos Estados Unidos, jamais obtidos pela indústria nacional, porém, não significará transferência tecnológica ao setor privado brasileiro. Pelo contrário: para que a negociação avance, o Brasil terá que aprovar uma lei que indique de forma técnica e pormenorizada a proteção que será dada a todo componente tecnológico manipulado em solo brasileiro. O mesmo texto precisa ser avalizado pelo Congresso americano. Se parte das exigências dos EUA forem alteradas pelos parlamentares do Brasil, e as mesmas forem consideradas insatisfatórias pelos congressistas americanos, não tem negócio.
O tema sempre esbarra na proteção à soberania nacional, uma vez que setores do Centro de Lançamento de Alcântara poderiam ficar inacessíveis aos técnicos brasileiros justamente pela proteção à propriedade intelectual do país parceiro. Foi esta a argumentação, que provoca polêmica entre diferentes setores dentro e fora do governo, que impediu o avanço da primeira tentativa de acordo, costurada ainda no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
PROPOSTA ANTERIOR EMPERROU
À época, a proposta não avançou no Congresso Nacional. Os parlamentares consideravam o acordo desequilibrado e conflitante com as leis brasileiras. A maior crítica é que o governo dos EUA manteria controle sobre áreas segregadas em território brasileiro.
Agora, o país deve apresentar uma nova versão de Acordo de Salvaguardas Tecnológicas ao Parlamento. O Ministério das Relações Exteriores avalia junto aos ministérios da Defesa. Ciência e Tecnologia e Agência Espacial Brasileira os termos que podem ser oferecidos aos americanos. A ideia é ser pragmático e propor um acordo que permita acelerar um acordo definitivo.
José Serra, ministro das Relações Exteriores, confirmou que oferecerá aos americanos um acordo. Segundo ele, esta é uma das primeiras providências nas relações com o novo presidente americano, Donald Trump.
— Vamos tomar a iniciativa de propor a reabertura de negociação em torno de vários acordos e tratados que não se concretizaram. Um deles se refere à base de Alcântara. O assunto foi muito debatido no passado e, agora, vamos tentar uma parceria — revelou José Serra.
O primeiro passo para que o diálogo avance foi dado com uma medida prática: o Planalto obteve vitória no Congresso para retirar da Casa o texto rejeitado há quase 15 anos. Como os Estados Unidos sempre foram resistentes à ideia de uma negociação que flexibilize o acesso de brasileiros aos locais sensíveis à proteção tecnológica, os diplomatas daqui devem entregar uma proposta sem tantas exigências. Assim, acreditam, o dispositivo de segurança nacional tem maior chance de não ser derrubado pelos parlamentares americanos.
Em dezembro, o plenário da Câmara de Deputados aprovou o fim da tramitação do texto antigo. Já neste mês, os ministério das Relações Exteriores e da Defesa começaram a elaboração de um novo acordo.
Em 2004, logo depois do incêndio nunca totalmente esclarecido que matou 21 técnicos e engenheiros que trabalhavam no lançamento do Veículo Lançador de Satélites (VLS) brasileiro, e, em 2012, quando o acordo com os ucranianos já dava os primeiros sinais de fracasso, o Brasil tentou retomar o acordo com os americanos. O Itamaraty fez as tratativas em absoluto sigilo, mas, em julho de 2013, entretanto, esse início de negociação foi suspenso.
As conversas estariam estavam avançadas, mas naufragaram por causa da redução no ritmo do diálogo bilateral entre o governo Dilma Rousseff e os americanos, depois da revelação que o serviço de inteligência dos Estados Unidos espionou o governo brasileiro.
— Há disposição para buscar soluções alternativas. A assunção de novo governo nos EUA poderia representar oportunidade para uma reavaliação do cenário, buscando-se ambiente de flexibilidade de lado a lado, em que novos entendimentos possam prosperar — contou um técnico do governo a par do assunto.
Sem citar nomes, José Serra criticou o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que optou por um acordo com a Ucrânia, para o lançamento de satélites da base de Alcântara, que ainda enfrenta obstáculos domésticos. O principal deles é a resistência das comunidades locais à expansão do centro de lançamento, hoje dentro do perímetro da base militar. O acordo com a Ucrânia foi rompido e ainda deixou um problema para o Brasil: como houve denúncia unilateral do tratado, ou seja, o Brasil optou sozinho por não prosseguir na empreitada com o país europeu, a Ucrânia pode — e já ameaçou fazer — exigir ressarcimento pelos prejuízos causados pela parceria mal sucedida.
Fonte: Jornal "O Globo".
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segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
quinta-feira, 12 de janeiro de 2017
"Na corrida aeroespacial estamos na estaca zero", artigo de Roberto Amaral
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Reproduzimos abaixo artigo recebido hoje (12), de autoria de Roberto Amaral, dirigente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), ex-ministro da Ciência e Tecnologia (janeiro de 2003 a 2004), e diretor-geral da binacional da Alcântara Cyclone Space (ACS) (2007 a 2011). O artigo não reflete a opinião do blog Panorama Espacial.
Na corrida aeroespacial estamos na estaca zero
Roberto Amaral
O programa espacial é exemplo de como as elites brasileiras, desde cedo, se demitiram da grandeza
Em meados de 2003, os ministros da Defesa (José Viegas Filho), das Relações Exteriores (Celso Amorim) e da Ciência e Tecnologia (Roberto Amaral) recomendaram à presidência da República a retirada, do Congresso Nacional, da mensagem com a qual FHC encaminhara o acordo por ele firmado com o governo dos EUA visando à cessão, pelo Brasil, do Centro de Lançamentos de veículos espaciais de Alcântara (CLA), no Maranhão. O acordo, demonstravam os ministros, contrariava os interesses nacionais e afetava nossa soberania.
Construído à base de dispositivos assimétricos, plenos de prepotência imperialista, eivado de desprezo à soberania brasileira, o acordo proibia peremptoriamente qualquer repasse de tecnologia, de que carece o Brasil, e impedia a cooperação tecnológica com outros países, de que tanto necessitamos para anular o atraso de hoje.
Enfim, o objetivo estratégico do governo dos EUA, ao qual se curvou FHC, era inviabilizar o programa espacial brasileiro, hoje agonizante, subordinando-o à órbita dos interesses estratégicos norte-americanos, que não dizem respeito aos nossos.
A alternativa brasileira de cooperação tecnológica se abriu com a possibilidade de acordo com o governo da República da Ucrânia, herdeira da tecnologia espacial da antiga União Soviética e disposta a colaborar com o Brasil.
Consultando os EUA sobre a parceria com o Brasil, as autoridades ucranianas receberam a insólita resposta de que os EUA não se opunham ao acordo Brasil-Ucrânia, mas continuavam considerando inconveniente nosso programa espacial. Esta é a premissa do acordo Brasil-EUA e das pressões e sabotagens contra a cooperação Brasil-Ucrânia, cujo fecho foi a inviabilização da Alcântara Cyclone Space.
O governo títere de Michel Temer, por razões que não explicou, retirou de pauta o acordo Brasil-EUA para negociações que não se fazem à luz do dia, e o tema pode retornar a qualquer momento ao Congresso sem discussão pública, sem audiência da comunidade científica, sem mesmo debate parlamentar.
Tudo é possível no atual governo e no atual estágio de nossa catástrofe política, mormente quando, ainda sem explicações políticas, técnicas ou estratégicas, o governo brasileiro (Decreto nº 8.494 de 24/6/2015) denunciou, unilateralmente, o acordo de cooperação firmado com a Ucrânia, que visava à produção conjunta e lançamento a partir da base de Alcântara do foguete Cyclone-4. E, assim, jogamos por terra a possibilidade de cooperação, que permite o salto tecnológico de que tanto carecemos.
O Veículo Lançador de Satélites (VLS), projeto da FAB desenvolvido pelo Centro Técnico Aeroespacial (CTA) da Aeronáutica, foi enterrado com os escombros do desastre de 2003, quando sua terceira tentativa de lançamento redundou na trágica perda de 21 técnicos brasileiros.
Estamos, hoje, como estávamos há décadas, pouco além da estaca zero, sem satélite, sem lançador e sem centro de lançamento, apesar de possuirmos o mais estratégico, econômico e seguro sítio para lançamentos de foguetes, o já referido município de Alcântara, no Maranhão, próximo à linha do Equador, onde os satélites entram em órbita.
Em Alcântara temos hoje as ruínas das obras civis da frustrada Alcântara Cyclone Space (ACS), fruto da finada cooperação Brasil-Ucrânia, e uma bela torre para lançamentos do VLS, um foguete que não existe.
O acordo firmado com os EUA, felizmente não homologado, é paradigmático da renúncia à soberania nacional. Vejamos alguns de seus muitos pontos inaceitáveis.
Por exemplo: admite a possibilidade de veto político unilateral dos EUA a lançamentos de foguetes de nosso Centro de Lançamento de Alcântara; proíbe o Brasil de cooperar (aceitar ingresso de equipamentos, tecnologias, mão-de-obra ou recursos financeiros) com países que não sejam membros do regime de Controle de Tecnologia de Mísseis – Missile Technology Control Regime (MTRC); proíbe o Brasil de utilizar recursos decorrentes dos lançamentos no desenvolvimento de seus próprios lançadores; determina o livre acesso, exclusivo dos servidores dos EUA, a qualquer tempo, ao Centro de Lançamento para inspecionar veículos, e assim por diante.
Independentemente do caráter de lesa-pátria desse acordo, ora suspenso, duas questões de fundo vêm à baila: (i) a dificuldade de nosso país acompanhar o processo tecnológico de seus parceiros, isto é, dos caminhantes de mesmo nível; e (ii) nossa quase inaptidão para desenvolver projetos estratégicos, aqueles que definem os grandes objetivos nacionais e condicionam, por isso, os planos e ações governamentais, ou seja, as táticas necessárias para atingir tais objetivos.
Atrasamo-nos no processo de desenvolvimento de nosso programa nuclear pacífico, sendo superados por países que caminhavam pari passu conosco nos anos 40/50 do século passado, e fomos superados pelos países tecnologicamente nossos contemporâneos nos primórdios da aventura espacial.
O caso exemplar é oferecido pela China, que hoje disputa o espaço com a Rússia e os EUA, enquanto nossos satélites (os CBERs – Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), fabricados em cooperação com a indústria chinesa, são lançados por foguete chinês a partir de base chinesa.
No plano estratégico registramos, além dos atrasos nos programas espacial e nuclear, o gravíssimo atraso no plano cibernético, o espaço da guerra do terceiro milênio, como denunciou o general José Carlos dos Santos, então comandante do Centro de Defesa Cibernética do Exército, em palestra promovida pela Câmara dos Deputados, em 2012.
Aliás, esses três setores, o espacial, o cibernético e o nuclear, foram eleitos como os de importância estratégica pelo decreto nº 6.703, de 15 de dezembro de 2008, que estabelece a ‘Estratégia Nacional de Defesa’ do Brasil.
Os percalços relativos ao desenvolvimento do Programa Espacial, particularmente no que dizem respeito à construção, interrompida, do sítio de lançamento da Alcântara Cyclone Space, são graves, mas não estão a constituir uma especificidade.
Os óbices resultam de questões estruturais, condizentes com os mecanismos de funcionamento do Estado brasileiro, com forte dose de distorção política e cultural, alienação que é uma das características seminais de nossas elites dirigentes, voluntariamente colonizadas.
Afeitos à dependência – científica, tecnológica, cultural, ideológica – nossos quadros dirigentes, com as exceções que fazem a regra, jamais se revelaram atraídos pelo pioneirismo ou pela inovação, jamais se sentiram conquistados pela autonomia e soberania do país, jamais se apresentaram estimulados pela necessidade de um projeto nacional de desenvolvimento. Muito menos de discuti-lo com a sociedade.
O pioneirismo que constrói as nações foi aqui substituído pela reprodução mecanicista dos modelos políticos, econômicos, culturais das metrópoles, pela importação de bens materiais e simbólicos, pela introjeção dos valores do colonizador, pela paixão pelo que vinha de fora, coisas e ideais, sotopondo o invento, a criação, a audácia e, principalmente, anulando a fé em si mesmo, a crença em sua própria capacidade, e, por consequência, na capacidade do povo-massa, o povo como ser coletivo.
A aspiração de nossas elites alienadas jamais foi o desafio da construção, nos trópicos, de uma civilização; ao contrário, forcejaram elas sempre por assimilar, como implante, primeiro os valores coloniais europeus, em seguida os valores norte-americanos; e assim, convencidas das nossas limitações como destino, e da mágica superioridade do ‘outro’, os outros povos (do Norte), das outras raças, do externo, sempre encararam o subdesenvolvimento como um determinismo.
Essas elites, europeizadas, auto-norte-americanizadas e auto-embranquecidas, jamais poderiam identificar-se com um povo mestiço, muito menos admitir sua capacidade criadora.
Pensar em projeto nacional com fundamento em nossas próprias forças, pensar na possibilidade de desenvolvimento econômico, foi sempre interditado. Nossas classes dirigentes desde cedo se demitiram da grandeza.
Para elas, nosso destino, de país agrário seria, inevitavelmente – cumprindo uma lei da divisão internacional do trabalho editada pelas grandes potências – o de subsidiar, com matérias-primas e alimentos, o progresso das sociedades industrializadas – as quais, gratas, nos fornecem, para o conforto de nossas elites, os bens e o luxo produzidos com nossos insumos. Ora, por que manufaturá-los aqui?
E ainda há os que, mesmo em funções de Estado, não entendem a necessidade do esforço nacional visando à construção de nossos próprios satélites, de nossos próprios foguetes, como há os que não entendem a necessidade brasileira de desenvolver seu programa nuclear para fins civis.
Pois há, até, os que não compreendem que segurança e autonomia estejam no eixo de nossas políticas de defesa nacional.
Do conluio golpista que ora comanda o País, nada podemos esperar. O momento é de resistir ao desmonte do Estado brasileiro e preservar nossas conquistas, para, quando recuperarmos ao menos os elementos básicos do que definimos como democracia – e temos que recuperá-los! – , voltarmos a impor avanços às forças do atraso, que tanto apequenam este grande país.
Fonte: pensarBrasil, website de Roberto Amaral.
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Reproduzimos abaixo artigo recebido hoje (12), de autoria de Roberto Amaral, dirigente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), ex-ministro da Ciência e Tecnologia (janeiro de 2003 a 2004), e diretor-geral da binacional da Alcântara Cyclone Space (ACS) (2007 a 2011). O artigo não reflete a opinião do blog Panorama Espacial.
Na corrida aeroespacial estamos na estaca zero
Roberto Amaral
O programa espacial é exemplo de como as elites brasileiras, desde cedo, se demitiram da grandeza
Em meados de 2003, os ministros da Defesa (José Viegas Filho), das Relações Exteriores (Celso Amorim) e da Ciência e Tecnologia (Roberto Amaral) recomendaram à presidência da República a retirada, do Congresso Nacional, da mensagem com a qual FHC encaminhara o acordo por ele firmado com o governo dos EUA visando à cessão, pelo Brasil, do Centro de Lançamentos de veículos espaciais de Alcântara (CLA), no Maranhão. O acordo, demonstravam os ministros, contrariava os interesses nacionais e afetava nossa soberania.
Construído à base de dispositivos assimétricos, plenos de prepotência imperialista, eivado de desprezo à soberania brasileira, o acordo proibia peremptoriamente qualquer repasse de tecnologia, de que carece o Brasil, e impedia a cooperação tecnológica com outros países, de que tanto necessitamos para anular o atraso de hoje.
Enfim, o objetivo estratégico do governo dos EUA, ao qual se curvou FHC, era inviabilizar o programa espacial brasileiro, hoje agonizante, subordinando-o à órbita dos interesses estratégicos norte-americanos, que não dizem respeito aos nossos.
A alternativa brasileira de cooperação tecnológica se abriu com a possibilidade de acordo com o governo da República da Ucrânia, herdeira da tecnologia espacial da antiga União Soviética e disposta a colaborar com o Brasil.
Consultando os EUA sobre a parceria com o Brasil, as autoridades ucranianas receberam a insólita resposta de que os EUA não se opunham ao acordo Brasil-Ucrânia, mas continuavam considerando inconveniente nosso programa espacial. Esta é a premissa do acordo Brasil-EUA e das pressões e sabotagens contra a cooperação Brasil-Ucrânia, cujo fecho foi a inviabilização da Alcântara Cyclone Space.
O governo títere de Michel Temer, por razões que não explicou, retirou de pauta o acordo Brasil-EUA para negociações que não se fazem à luz do dia, e o tema pode retornar a qualquer momento ao Congresso sem discussão pública, sem audiência da comunidade científica, sem mesmo debate parlamentar.
Tudo é possível no atual governo e no atual estágio de nossa catástrofe política, mormente quando, ainda sem explicações políticas, técnicas ou estratégicas, o governo brasileiro (Decreto nº 8.494 de 24/6/2015) denunciou, unilateralmente, o acordo de cooperação firmado com a Ucrânia, que visava à produção conjunta e lançamento a partir da base de Alcântara do foguete Cyclone-4. E, assim, jogamos por terra a possibilidade de cooperação, que permite o salto tecnológico de que tanto carecemos.
O Veículo Lançador de Satélites (VLS), projeto da FAB desenvolvido pelo Centro Técnico Aeroespacial (CTA) da Aeronáutica, foi enterrado com os escombros do desastre de 2003, quando sua terceira tentativa de lançamento redundou na trágica perda de 21 técnicos brasileiros.
Estamos, hoje, como estávamos há décadas, pouco além da estaca zero, sem satélite, sem lançador e sem centro de lançamento, apesar de possuirmos o mais estratégico, econômico e seguro sítio para lançamentos de foguetes, o já referido município de Alcântara, no Maranhão, próximo à linha do Equador, onde os satélites entram em órbita.
Em Alcântara temos hoje as ruínas das obras civis da frustrada Alcântara Cyclone Space (ACS), fruto da finada cooperação Brasil-Ucrânia, e uma bela torre para lançamentos do VLS, um foguete que não existe.
O acordo firmado com os EUA, felizmente não homologado, é paradigmático da renúncia à soberania nacional. Vejamos alguns de seus muitos pontos inaceitáveis.
Por exemplo: admite a possibilidade de veto político unilateral dos EUA a lançamentos de foguetes de nosso Centro de Lançamento de Alcântara; proíbe o Brasil de cooperar (aceitar ingresso de equipamentos, tecnologias, mão-de-obra ou recursos financeiros) com países que não sejam membros do regime de Controle de Tecnologia de Mísseis – Missile Technology Control Regime (MTRC); proíbe o Brasil de utilizar recursos decorrentes dos lançamentos no desenvolvimento de seus próprios lançadores; determina o livre acesso, exclusivo dos servidores dos EUA, a qualquer tempo, ao Centro de Lançamento para inspecionar veículos, e assim por diante.
Independentemente do caráter de lesa-pátria desse acordo, ora suspenso, duas questões de fundo vêm à baila: (i) a dificuldade de nosso país acompanhar o processo tecnológico de seus parceiros, isto é, dos caminhantes de mesmo nível; e (ii) nossa quase inaptidão para desenvolver projetos estratégicos, aqueles que definem os grandes objetivos nacionais e condicionam, por isso, os planos e ações governamentais, ou seja, as táticas necessárias para atingir tais objetivos.
Atrasamo-nos no processo de desenvolvimento de nosso programa nuclear pacífico, sendo superados por países que caminhavam pari passu conosco nos anos 40/50 do século passado, e fomos superados pelos países tecnologicamente nossos contemporâneos nos primórdios da aventura espacial.
O caso exemplar é oferecido pela China, que hoje disputa o espaço com a Rússia e os EUA, enquanto nossos satélites (os CBERs – Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), fabricados em cooperação com a indústria chinesa, são lançados por foguete chinês a partir de base chinesa.
No plano estratégico registramos, além dos atrasos nos programas espacial e nuclear, o gravíssimo atraso no plano cibernético, o espaço da guerra do terceiro milênio, como denunciou o general José Carlos dos Santos, então comandante do Centro de Defesa Cibernética do Exército, em palestra promovida pela Câmara dos Deputados, em 2012.
Aliás, esses três setores, o espacial, o cibernético e o nuclear, foram eleitos como os de importância estratégica pelo decreto nº 6.703, de 15 de dezembro de 2008, que estabelece a ‘Estratégia Nacional de Defesa’ do Brasil.
Os percalços relativos ao desenvolvimento do Programa Espacial, particularmente no que dizem respeito à construção, interrompida, do sítio de lançamento da Alcântara Cyclone Space, são graves, mas não estão a constituir uma especificidade.
Os óbices resultam de questões estruturais, condizentes com os mecanismos de funcionamento do Estado brasileiro, com forte dose de distorção política e cultural, alienação que é uma das características seminais de nossas elites dirigentes, voluntariamente colonizadas.
Afeitos à dependência – científica, tecnológica, cultural, ideológica – nossos quadros dirigentes, com as exceções que fazem a regra, jamais se revelaram atraídos pelo pioneirismo ou pela inovação, jamais se sentiram conquistados pela autonomia e soberania do país, jamais se apresentaram estimulados pela necessidade de um projeto nacional de desenvolvimento. Muito menos de discuti-lo com a sociedade.
O pioneirismo que constrói as nações foi aqui substituído pela reprodução mecanicista dos modelos políticos, econômicos, culturais das metrópoles, pela importação de bens materiais e simbólicos, pela introjeção dos valores do colonizador, pela paixão pelo que vinha de fora, coisas e ideais, sotopondo o invento, a criação, a audácia e, principalmente, anulando a fé em si mesmo, a crença em sua própria capacidade, e, por consequência, na capacidade do povo-massa, o povo como ser coletivo.
A aspiração de nossas elites alienadas jamais foi o desafio da construção, nos trópicos, de uma civilização; ao contrário, forcejaram elas sempre por assimilar, como implante, primeiro os valores coloniais europeus, em seguida os valores norte-americanos; e assim, convencidas das nossas limitações como destino, e da mágica superioridade do ‘outro’, os outros povos (do Norte), das outras raças, do externo, sempre encararam o subdesenvolvimento como um determinismo.
Essas elites, europeizadas, auto-norte-americanizadas e auto-embranquecidas, jamais poderiam identificar-se com um povo mestiço, muito menos admitir sua capacidade criadora.
Pensar em projeto nacional com fundamento em nossas próprias forças, pensar na possibilidade de desenvolvimento econômico, foi sempre interditado. Nossas classes dirigentes desde cedo se demitiram da grandeza.
Para elas, nosso destino, de país agrário seria, inevitavelmente – cumprindo uma lei da divisão internacional do trabalho editada pelas grandes potências – o de subsidiar, com matérias-primas e alimentos, o progresso das sociedades industrializadas – as quais, gratas, nos fornecem, para o conforto de nossas elites, os bens e o luxo produzidos com nossos insumos. Ora, por que manufaturá-los aqui?
E ainda há os que, mesmo em funções de Estado, não entendem a necessidade do esforço nacional visando à construção de nossos próprios satélites, de nossos próprios foguetes, como há os que não entendem a necessidade brasileira de desenvolver seu programa nuclear para fins civis.
Pois há, até, os que não compreendem que segurança e autonomia estejam no eixo de nossas políticas de defesa nacional.
Do conluio golpista que ora comanda o País, nada podemos esperar. O momento é de resistir ao desmonte do Estado brasileiro e preservar nossas conquistas, para, quando recuperarmos ao menos os elementos básicos do que definimos como democracia – e temos que recuperá-los! – , voltarmos a impor avanços às forças do atraso, que tanto apequenam este grande país.
Fonte: pensarBrasil, website de Roberto Amaral.
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sábado, 31 de dezembro de 2016
Cubesat SPORT: parceria INPE, ITA e NASA
Em parceria com INPE, ITA desenvolverá nanossatélite financiado pela NASA
Equipamento deve ser lançado a partir da Estação Espacial Internacional e deve ajudar na compreensão do clima espacial
30/12/2016 08:00h
O desenvolvimento de um nanossatélite com a participação de dois institutos brasileiros, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), acaba de ser selecionado, dentre mais de 70 propostas apresentadas, para financiamento pela NASA, a agência espacial norte-americana. O equipamento terá como finalidade investigar o clima espacial.
“Espera-se que esta missão possa reunir dados que aumentem a compreensão dos fenômenos que ocorrem nesta importante camada da atmosfera e permitam assim alimentar os modelos teóricos da ionosfera que modelem o seu comportamento, permitindo uma melhoria na previsibilidade destes fenômenos”, afirma o gerente da plataforma e professor doutor do ITA, Luís Loures.
A iniciativa é coordenada pelo Marshall Space Flight Center, centro de pesquisas civil do governo dos Estados Unidos, que inclui também universidades norte-americanas, e visa lançar o equipamento a partir da Estação Espacial Internacional (ISS) entre novembro de 2018 e março de 2019. O cronograma prevê o início da missão em março de 2017. A vida útil do nanossatélite é estimada em um ano, em função da atividade solar no período e da dinâmica de voo para o lançamento da ISS.
O nanossatélite, um cubesat de aproximadamente seis quilos, servirá a estudos sobre a formação de bolhas de plasma ionosférico, que são as fontes principais de reflexões de radar na região equatorial. A missão denominada de SPORT (sigla em inglês para Scintillation Prediction Observation Research Task) investigará o estado da ionosfera que acarreta o crescimento das bolhas de plasma. Também serão estudadas as relações entre as irregularidades no plasma em altitude de satélites com as cintilações de rádio observadas na região equatorial da ionosfera.
A ionosfera é a camada superior da atmosfera terrestre que se estende de 50 km a 1000 km de altitude, sendo composta basicamente por elétrons e átomos carregados eletricamente devido à forte incidência da radiação solar que induz a estes estados. Esta camada é extremamente importante para a transmissão de ondas de rádio e para a precisão do sinal de sistema de posicionamento global (GPS). O que ocorre é que a camada ionosférica é suscetível à formação de bolhas de plasma e cintilações, principalmente nas regiões próximas ao equador magnético, e estes fenômenos causam distúrbios diversos. A situação pode ser agravada pela ocorrência de tempestades solares que lançam grandes quantidade de radiação ionizante em direção à Terra.
“O projeto SPORT permitirá ao instituto a consolidação de sua competência na área de cubesats, criando as condições para uma evolução constante na pesquisa em engenharia de pequenos satélites”, resume Loures.
Tarefas - Ao ITA caberá o projeto, a integração e os ensaios da plataforma. As universidades americanas serão responsáveis pela carga útil, ou seja, em elaborar os instrumentos de medição da ionosfera. O INPE terá a tarefa de coordenar o segmento de solo, ou seja, controlar o satélite, receber os dados, tratá-los e disponibilizá-los para a comunidade científica.
Além da Engenharia Aeroespacial, o Departamento de Física do instituto está envolvido na tentativa de compreensão dos fenômenos que regem a ionosfera.
Sob o ponto de vista científico, o projeto SPORT contará com a liderança do professor do ITA Abdu Mangalathayil, considerado o principal pesquisador brasileiro na área de ionosfera e com atuação internacional reconhecida. O professor coordenará os trabalhos de estudo da ionosfera que serão desencadeados pela pesquisa. Também estão envolvidos especialistas em plasma e em sensores aeroespaciais. Outros professores e alunos de doutorado e pós-doutorado também participam.
Fonte: ITA/INPE, com edição da Agência Força Aérea, por Ten Jussara Peccini.
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segunda-feira, 26 de dezembro de 2016
"A Humanidade na Era Espacial", artigo de José Monserrat Filho
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A Humanidade na Era Espacial
José Monserrat Filho *
“... visualizo em nossos dias um grande esforço, por parte da doutrina jurídica mais lúcida, de retorno às origens, que corresponde um processo histórico de humanização do Direito Internacional.” Antônio Augusto Cançado Trindade (1)
O termo “humanidade” mereceu posição de realce no Tratado do Espaço de 1967, a lei maior do espaço e das atividades espaciais, cujo longo nome oficial – “Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes” (2), foi-lhe dado certamente para explicitar seus objetivos mais gerais.
O Tratado do Espaço menciona quatro vezes a humanidade. É uma de suas distinções, com especial significado jurídico. Será a humanidade sujeito do Direito Espacial Internacional? O tema ganhou atualidade com a intensificação da globalização econômica, que supostamente viria satisfazer necessidades e anseios de todos os povos, mas que, na verdade, está cada vez mais distante desse objetivo, sem nunca “fortalecer as vozes do Terceiro Mundo”. (3) Qual poderia ser o papel da humanidade – vasta e majoritária, mas impotente e descartada – na governança do mundo?
Ou terá sido por vivermos na “Era Planetária”, na definição holista e esperançosa de Edgar Morin? Para Morin e Kern, em Terra-Pátria, “a era planetária se inaugura e se desenvolve na e através da violência, da destruição, da escravidão, da exploração feroz das Américas e da África. É a idade de ferro planetária, na qual estamos ainda”, mas “é também a aspiração, neste início do século XXI, à unidade pacífica e fraterna da humanidade”. (4)
O preâmbulo do Tratado do Espaço, já em seus primeiros considerandos inspira-se “nas vastas perspectivas que a descoberta do espaço cósmico pelo homem oferece à humanidade” e reconhece “o interesse que apresenta para toda a humanidade o programa da exploração e uso do espaço cósmico para fins pacíficos”. São enfoques que se completam dialeticamente: de um lado, o espaço descoberto pelos humanos escancara imenso potencial de benefícios para a humanidade; de outro, a humanidade tem tudo para se interessar pela exploração e uso pacíficos do espaço.
O artigo 1º (§ 1ª) do Tratado estabelece a “Cláusula do Bem Comum”, determinando que “a exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade”. Ou seja, é tarefa, encargo, compromisso, dever, obrigação e responsabilidade (sinônimos de incumbência) da humanidade fazer com que a exploração e o uso do espaço sejam sempre realizados para o bem e no interesse de todos os países, independentemente de seu nível de avanço econômico e científico. A humanidade seria, então, o promotor e o fiador do bem comum nas atividades espaciais.
O artigo 5º do Tratado considera os astronautas como “enviados da humanidade no espaço cósmico”, título que também se aplica aos cosmonautas da ex-União Soviética e da Rússia, bem como aos taikonautas da China. A norma parece homenagem, mas, na realidade, tem um sentido prático e necessário, em plena guerra fria dos anos 60 em diante: cria a obrigação de prestar toda assistência possível aos astronautas em caso de acidente, perigo ou aterrissagem forçada em outro país que não o seu ou em alto-mar, e de retorná-lo a seu país de origem junto com seu veículo espacial, o mais rapidamente possível e em total segurança. Cria também mais duas obrigações: a de que os astronautas de um país prestem toda assistência possível aos astronautas dos outros países e a de que cada país informe de imediato aos demais países e ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas qualquer fenômeno que tenha descoberto no espaço, na Lua e nos outros corpos celestes, capaz de constituir perigo à vida ou à saúde dos astronautas. Note-se que os astronautas eram e muitos ainda são militares integrados às estratégias das Forças Armadas de seus países.
O Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e em Outros Corpos Celestes, de 1979, conhecido como “Acordo da Lua”, integra o quinteto de tratados aprovados pelas Nações Unidas, embora tenha sido ratificado por apenas 16 países e assinado por outros quatro. (5)
Em seu Artigo 4º, o Acordo da Lua repetem o Artigo 1º (§ 1º) do Tratado do Espaço, afirmando que “a exploração e o uso da Lua são incumbência de toda a humanidade e se realizam em benefício e no interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico ou científico”.
Mas tem o mérito de adotar duas novas disposições, em termos irrecusáveis: “Especial atenção deve ser dada aos interesses das gerações presentes e futuras, bem como à necessidade de promover níveis de vida mais elevados e melhores condições de progresso e desenvolvimento econômico e social, em conformidade com a Carta da Organização das Nações Unidas”.
Preparado em grande parte pelos países em desenvolvimento ao longo dos anos 70 – década em que os chamados países não alinhados tiveram importante atuação no cenário internacional –, o Acordo da Lua estabelece o princípio da relevância intergeneracional e ressuscita o amplo compromisso social adotado pela Carta das Nações Unidas na promoção de “níveis de vida mais elevados e melhores condições de progresso e desenvolvimento econômico e social”.
O Acordo da Lua tem sua maior contribuição no Artigo 11, que começa estabelecendo, no § 1º, que “a Lua e seus recursos naturais são patrimônio comum da humanidade”. O § 2º reafirma e adapta o Artigo 2 do Tratado do Espaço: “A Lua não pode ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio”. E o § 3º detalha esse princípio da não-apropriação: “A superfície e o subsolo da Lua, bem como partes da superfície ou do subsolo e seus recursos naturais, não podem ser propriedade de qualquer Estado, organização internacional intergovernamental ou não-governamental, organização nacional ou entidade não-governamental, ou de qualquer pessoa física. O estabelecimento na superfície ou no subsolo da Lua de pessoal, veículos, material, estações, instalações e equipamentos espaciais, inclusive obras vinculadas indissoluvelmente à sua superfície ou subsolo, não cria o direito de propriedade sobre sua superfície ou subsolo e suas partes. Estes dispositivos não devem prejudicar o regime internacional referido no § 5º deste Artigo.”
O § 5º propõe a criação de um regime internacional para ordenar a exploração dos recursos naturais da Lua: “Os Estados-Partes se comprometem (...) a estabelecer um regime internacional, inclusive os procedimentos adequados, para regulamentar a exploração dos recursos naturais da Lua, quando esta exploração estiver a ponto de se tornar possível”.
O § 6º reza que, para facilitar a criação do regime Internacional, os Estados-Partes devem informar ao Secretário-Geral da ONU, ao grande público e à comunidade científica internacional, da forma mais ampla e prática possível, “sobre todos os recursos naturais que eles possam descobrir na Lua”. É o princípio da transparência, para fomentar a cooperação no mais alto grau possível.
E o § 7º alinha os principais objetivos do regime internacional, frisando que pode haver outros. São eles, conforme o texto do Acordo:
“a) Assegurar o aproveitamento ordenado e seguro dos recursos naturais da Lua;
b) Assegurar a gestão racional destes recursos;
c) Ampliar as oportunidades de utilização destes recursos; e
d) Promover a participação equitativa de todos os Estados-Partes nos benefícios auferidos destes recursos, tendo especial consideração para os interesses e necessidades dos países em desenvolvimento, bem como para os esforços dos Estados que contribuíram, direta ou indiretamente, na exploração da Lua.”
Muito se tem debatido sobre o conceito de patrimônio comum da humanidade, contido no Acordo da Lua e na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982 (7). Isso é sempre positivo, claro. No caso, porém, o importante é que, sendo ou não universalmente aceito o princípio de patrimônio comum da humanidade, o espaço e os corpos celestes são res communis omnium – bem comum a todos –, que não pode de modo algum ser objeto de apropriação, e sua exploração e uso devem atender ao bem e ao interesse de todos os países, como incumbência de toda a humanidade – conforme rezam o Artigo 2º e o Artigo 1º (§ 1º) do Tratado do Espaço.
Por isso, a ideia de se criar um regime internacional para gerir racionalmente a explotação dos recursos naturais da Lua e dos demais corpos celestes, inclusive dos asteroides, bem como a de “promover a participação equitativa de todos os Estados-Partes nos benefícios auferidos destes recursos” é perfeitamente alinhada e coerente com a “Cláusula do Bem Comum”.
Baseadas na lei nacional dos EUA, sancionada em 25 de novembro de 2015 (8), conferindo o título de propriedade privada às empresas norte-americanas que extraírem recursos naturais (minerais) de corpos celestes, empresas desta e de outras potências espaciais mobilizam-se para justificar legalmente a nova situação, que modifica totalmente o marco jurídico internacional em vigor, fundado no Tratado do Espaço. Aparentemente, o embate se trava só no campo do Direito, mas o movimento é poderoso e avassalador, pois, segundo se informa, envolve interesses e negócios estimados em trilhões de dólares. (9)
O Acordo da Lua não pode ser ignorado nessa discussão histórica. Ele oferece uma solução mais que razoável. O que parece em jogo é o rumo das atividades espaciais neste século. Vamos priorizar o direito público humanizado e democrático ou o direito privado dominador, dentro do rigor neoliberal, que até hoje não deu certo em nenhum lugar do nosso planeta?
A humanidade ainda não é sujeito do Direito. Falta-lhe uma instituição para representá-la e falar em seu nome legitimamente. Mas ceio que ela já é a maior destinatária do Direito Internacional e também do Direito Espacial Internacional. Essa posição continuará crescendo na medida em que aumente a consciência dos países e povos sobre o caráter global dos prolemas – paz, justiça social, saúde e educação, clima, aquecimento geral, meio ambiente etc. –, a interdependência e interconexão de todos os habitantes do planeta, e a necessidade de união, solidariedade e cooperação para enfrentá-los e solucioná-los de modo muito mais justo, eficiente e racional.
Desse ponto de vista, o debate sobre a explotação dos recursos espaciais é apenas um item importantíssimo do quadro geral em que vivemos, que pede nossa mais ativa participação.
Daí que urge uma ética do debate. Edgar Morin escreve a respeito: “A regra do debate é inerente às instituições filosófica, científica e democrática. A ética do debate vai mais longe ainda: exige a primazia da argumentação e a rejeição da anatematização. Longe de descartar a polêmica, ela a utiliza, mas rejeita todos os meios vis, todos os argumentos de autoridade, assim como quaisquer tipos de rejeições pelo desprezo, quaisquer insultos sobre as pessoas.” (10)
Em suma, não se pode tratar quem pensa diferente como se fosse um inimigo intolerável.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) A.A. Cançado Trindade, O Direito Internacional em um Mundo em Transformação, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 1083.
2) Ver texto completo em www.sbda.org.br.
3) Stiglitz, Joseph E., Globalização: como dar certo, São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 38.
4) Morin, Edgar, e Kern, Anne Brigitte, Terra-Pátria, Porto Alegre: Sulina, 2011, p. 23-27.
5) Ver texto completo em www.sbda.org.br
6) Datonou, Dieudonné. Du concept de patrimoine commun de l'humanité aux droits de l'humanité: etude historico-juridique du concept de patrimoine commun de l'humanité en droit international, Roma: Pontificia Università Lateranense, 1995.
7) http://www.iea.usp.br/noticias/documentos/convencao-onu-mar.
8) H.R.2262 - U.S. Commercial Space Launch Competitiveness Act. Ver texto completo em https://www.congress.gov/bill/114th-congress/house-bill/2262.
9) Ver no site http://theweek.com/articles/462830/how-asteroid-mining-could-add-trillions-world-economy.
10) Morin, Edgar, A Ética do Sujeito Responsável, in Ética, Solidariedade e Complexidade, com textos de Edgard de Assis Carvalho, Maria da Conceição de Almeida, Nelly Novaes Coelho, Nelson Fiedler-Ferrara e Edgar Morin, São Paulo: Palas Ahenas, 1998, p. 73.
A Humanidade na Era Espacial
José Monserrat Filho *
“... visualizo em nossos dias um grande esforço, por parte da doutrina jurídica mais lúcida, de retorno às origens, que corresponde um processo histórico de humanização do Direito Internacional.” Antônio Augusto Cançado Trindade (1)
O termo “humanidade” mereceu posição de realce no Tratado do Espaço de 1967, a lei maior do espaço e das atividades espaciais, cujo longo nome oficial – “Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive a Lua e Demais Corpos Celestes” (2), foi-lhe dado certamente para explicitar seus objetivos mais gerais.
O Tratado do Espaço menciona quatro vezes a humanidade. É uma de suas distinções, com especial significado jurídico. Será a humanidade sujeito do Direito Espacial Internacional? O tema ganhou atualidade com a intensificação da globalização econômica, que supostamente viria satisfazer necessidades e anseios de todos os povos, mas que, na verdade, está cada vez mais distante desse objetivo, sem nunca “fortalecer as vozes do Terceiro Mundo”. (3) Qual poderia ser o papel da humanidade – vasta e majoritária, mas impotente e descartada – na governança do mundo?
Ou terá sido por vivermos na “Era Planetária”, na definição holista e esperançosa de Edgar Morin? Para Morin e Kern, em Terra-Pátria, “a era planetária se inaugura e se desenvolve na e através da violência, da destruição, da escravidão, da exploração feroz das Américas e da África. É a idade de ferro planetária, na qual estamos ainda”, mas “é também a aspiração, neste início do século XXI, à unidade pacífica e fraterna da humanidade”. (4)
O preâmbulo do Tratado do Espaço, já em seus primeiros considerandos inspira-se “nas vastas perspectivas que a descoberta do espaço cósmico pelo homem oferece à humanidade” e reconhece “o interesse que apresenta para toda a humanidade o programa da exploração e uso do espaço cósmico para fins pacíficos”. São enfoques que se completam dialeticamente: de um lado, o espaço descoberto pelos humanos escancara imenso potencial de benefícios para a humanidade; de outro, a humanidade tem tudo para se interessar pela exploração e uso pacíficos do espaço.
O artigo 1º (§ 1ª) do Tratado estabelece a “Cláusula do Bem Comum”, determinando que “a exploração e o uso do espaço cósmico, inclusive da Lua e demais corpos celestes, deverão ter em mira o bem e interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico e científico, e são incumbência de toda a humanidade”. Ou seja, é tarefa, encargo, compromisso, dever, obrigação e responsabilidade (sinônimos de incumbência) da humanidade fazer com que a exploração e o uso do espaço sejam sempre realizados para o bem e no interesse de todos os países, independentemente de seu nível de avanço econômico e científico. A humanidade seria, então, o promotor e o fiador do bem comum nas atividades espaciais.
O artigo 5º do Tratado considera os astronautas como “enviados da humanidade no espaço cósmico”, título que também se aplica aos cosmonautas da ex-União Soviética e da Rússia, bem como aos taikonautas da China. A norma parece homenagem, mas, na realidade, tem um sentido prático e necessário, em plena guerra fria dos anos 60 em diante: cria a obrigação de prestar toda assistência possível aos astronautas em caso de acidente, perigo ou aterrissagem forçada em outro país que não o seu ou em alto-mar, e de retorná-lo a seu país de origem junto com seu veículo espacial, o mais rapidamente possível e em total segurança. Cria também mais duas obrigações: a de que os astronautas de um país prestem toda assistência possível aos astronautas dos outros países e a de que cada país informe de imediato aos demais países e ao Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas qualquer fenômeno que tenha descoberto no espaço, na Lua e nos outros corpos celestes, capaz de constituir perigo à vida ou à saúde dos astronautas. Note-se que os astronautas eram e muitos ainda são militares integrados às estratégias das Forças Armadas de seus países.
O Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e em Outros Corpos Celestes, de 1979, conhecido como “Acordo da Lua”, integra o quinteto de tratados aprovados pelas Nações Unidas, embora tenha sido ratificado por apenas 16 países e assinado por outros quatro. (5)
Em seu Artigo 4º, o Acordo da Lua repetem o Artigo 1º (§ 1º) do Tratado do Espaço, afirmando que “a exploração e o uso da Lua são incumbência de toda a humanidade e se realizam em benefício e no interesse de todos os países, qualquer que seja o estágio de seu desenvolvimento econômico ou científico”.
Mas tem o mérito de adotar duas novas disposições, em termos irrecusáveis: “Especial atenção deve ser dada aos interesses das gerações presentes e futuras, bem como à necessidade de promover níveis de vida mais elevados e melhores condições de progresso e desenvolvimento econômico e social, em conformidade com a Carta da Organização das Nações Unidas”.
Preparado em grande parte pelos países em desenvolvimento ao longo dos anos 70 – década em que os chamados países não alinhados tiveram importante atuação no cenário internacional –, o Acordo da Lua estabelece o princípio da relevância intergeneracional e ressuscita o amplo compromisso social adotado pela Carta das Nações Unidas na promoção de “níveis de vida mais elevados e melhores condições de progresso e desenvolvimento econômico e social”.
O Acordo da Lua tem sua maior contribuição no Artigo 11, que começa estabelecendo, no § 1º, que “a Lua e seus recursos naturais são patrimônio comum da humanidade”. O § 2º reafirma e adapta o Artigo 2 do Tratado do Espaço: “A Lua não pode ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio”. E o § 3º detalha esse princípio da não-apropriação: “A superfície e o subsolo da Lua, bem como partes da superfície ou do subsolo e seus recursos naturais, não podem ser propriedade de qualquer Estado, organização internacional intergovernamental ou não-governamental, organização nacional ou entidade não-governamental, ou de qualquer pessoa física. O estabelecimento na superfície ou no subsolo da Lua de pessoal, veículos, material, estações, instalações e equipamentos espaciais, inclusive obras vinculadas indissoluvelmente à sua superfície ou subsolo, não cria o direito de propriedade sobre sua superfície ou subsolo e suas partes. Estes dispositivos não devem prejudicar o regime internacional referido no § 5º deste Artigo.”
O § 5º propõe a criação de um regime internacional para ordenar a exploração dos recursos naturais da Lua: “Os Estados-Partes se comprometem (...) a estabelecer um regime internacional, inclusive os procedimentos adequados, para regulamentar a exploração dos recursos naturais da Lua, quando esta exploração estiver a ponto de se tornar possível”.
O § 6º reza que, para facilitar a criação do regime Internacional, os Estados-Partes devem informar ao Secretário-Geral da ONU, ao grande público e à comunidade científica internacional, da forma mais ampla e prática possível, “sobre todos os recursos naturais que eles possam descobrir na Lua”. É o princípio da transparência, para fomentar a cooperação no mais alto grau possível.
E o § 7º alinha os principais objetivos do regime internacional, frisando que pode haver outros. São eles, conforme o texto do Acordo:
“a) Assegurar o aproveitamento ordenado e seguro dos recursos naturais da Lua;
b) Assegurar a gestão racional destes recursos;
c) Ampliar as oportunidades de utilização destes recursos; e
d) Promover a participação equitativa de todos os Estados-Partes nos benefícios auferidos destes recursos, tendo especial consideração para os interesses e necessidades dos países em desenvolvimento, bem como para os esforços dos Estados que contribuíram, direta ou indiretamente, na exploração da Lua.”
Muito se tem debatido sobre o conceito de patrimônio comum da humanidade, contido no Acordo da Lua e na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982 (7). Isso é sempre positivo, claro. No caso, porém, o importante é que, sendo ou não universalmente aceito o princípio de patrimônio comum da humanidade, o espaço e os corpos celestes são res communis omnium – bem comum a todos –, que não pode de modo algum ser objeto de apropriação, e sua exploração e uso devem atender ao bem e ao interesse de todos os países, como incumbência de toda a humanidade – conforme rezam o Artigo 2º e o Artigo 1º (§ 1º) do Tratado do Espaço.
Por isso, a ideia de se criar um regime internacional para gerir racionalmente a explotação dos recursos naturais da Lua e dos demais corpos celestes, inclusive dos asteroides, bem como a de “promover a participação equitativa de todos os Estados-Partes nos benefícios auferidos destes recursos” é perfeitamente alinhada e coerente com a “Cláusula do Bem Comum”.
Baseadas na lei nacional dos EUA, sancionada em 25 de novembro de 2015 (8), conferindo o título de propriedade privada às empresas norte-americanas que extraírem recursos naturais (minerais) de corpos celestes, empresas desta e de outras potências espaciais mobilizam-se para justificar legalmente a nova situação, que modifica totalmente o marco jurídico internacional em vigor, fundado no Tratado do Espaço. Aparentemente, o embate se trava só no campo do Direito, mas o movimento é poderoso e avassalador, pois, segundo se informa, envolve interesses e negócios estimados em trilhões de dólares. (9)
O Acordo da Lua não pode ser ignorado nessa discussão histórica. Ele oferece uma solução mais que razoável. O que parece em jogo é o rumo das atividades espaciais neste século. Vamos priorizar o direito público humanizado e democrático ou o direito privado dominador, dentro do rigor neoliberal, que até hoje não deu certo em nenhum lugar do nosso planeta?
A humanidade ainda não é sujeito do Direito. Falta-lhe uma instituição para representá-la e falar em seu nome legitimamente. Mas ceio que ela já é a maior destinatária do Direito Internacional e também do Direito Espacial Internacional. Essa posição continuará crescendo na medida em que aumente a consciência dos países e povos sobre o caráter global dos prolemas – paz, justiça social, saúde e educação, clima, aquecimento geral, meio ambiente etc. –, a interdependência e interconexão de todos os habitantes do planeta, e a necessidade de união, solidariedade e cooperação para enfrentá-los e solucioná-los de modo muito mais justo, eficiente e racional.
Desse ponto de vista, o debate sobre a explotação dos recursos espaciais é apenas um item importantíssimo do quadro geral em que vivemos, que pede nossa mais ativa participação.
Daí que urge uma ética do debate. Edgar Morin escreve a respeito: “A regra do debate é inerente às instituições filosófica, científica e democrática. A ética do debate vai mais longe ainda: exige a primazia da argumentação e a rejeição da anatematização. Longe de descartar a polêmica, ela a utiliza, mas rejeita todos os meios vis, todos os argumentos de autoridade, assim como quaisquer tipos de rejeições pelo desprezo, quaisquer insultos sobre as pessoas.” (10)
Em suma, não se pode tratar quem pensa diferente como se fosse um inimigo intolerável.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) A.A. Cançado Trindade, O Direito Internacional em um Mundo em Transformação, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 1083.
2) Ver texto completo em www.sbda.org.br.
3) Stiglitz, Joseph E., Globalização: como dar certo, São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 38.
4) Morin, Edgar, e Kern, Anne Brigitte, Terra-Pátria, Porto Alegre: Sulina, 2011, p. 23-27.
5) Ver texto completo em www.sbda.org.br
6) Datonou, Dieudonné. Du concept de patrimoine commun de l'humanité aux droits de l'humanité: etude historico-juridique du concept de patrimoine commun de l'humanité en droit international, Roma: Pontificia Università Lateranense, 1995.
7) http://www.iea.usp.br/noticias/documentos/convencao-onu-mar.
8) H.R.2262 - U.S. Commercial Space Launch Competitiveness Act. Ver texto completo em https://www.congress.gov/bill/114th-congress/house-bill/2262.
9) Ver no site http://theweek.com/articles/462830/how-asteroid-mining-could-add-trillions-world-economy.
10) Morin, Edgar, A Ética do Sujeito Responsável, in Ética, Solidariedade e Complexidade, com textos de Edgard de Assis Carvalho, Maria da Conceição de Almeida, Nelly Novaes Coelho, Nelson Fiedler-Ferrara e Edgar Morin, São Paulo: Palas Ahenas, 1998, p. 73.
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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
Cooperação Brasil - EUA: cubesat SPORT
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NASA financiará nanossatélite desenvolvido em parceria com o INPE e o ITA
Segunda-feira, 19 de Dezembro de 2016
A missão SPORT - Scintilation Prediction Observations Research Task, que prevê um nanossatélite para estudos de bolhas de plasma na ionosfera, foi selecionada entre projetos apresentados à NASA para financiamento. A iniciativa é coordenada pelo Marshall Space Flight Center, da agência espacial americana, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
O nanossatélite, um cubesat de aproximadamente seis quilos, servirá a estudos sobre a formação de bolhas de plasma ionosférico, que são as fontes principais de reflexões de radar na região equatorial. A missão SPORT investigará o estado da ionosfera que acarreta o crescimento das bolhas de plasma. Também serão estudadas as relações entre as irregularidades no plasma em altitude de satélites com as cintilações de rádio observadas na região equatorial da ionosfera.
Os instrumentos a bordo do satélite serão desenvolvidos pelo centro da NASA e universidades dos Estados Unidos, com a participação de pesquisadores brasileiros. Já a plataforma poderá ser semelhante à do Itasat, nanossatélite universitário realizado em parceria pelo ITA, INPE e instituições de ensino.
No Laboratório de Integração e Testes (LIT) do INPE, em São José dos Campos (SP), será realizada a montagem e ensaios necessários para o lançamento do nanossatélite. A responsabilidade pela operação em órbita será do Centro de Controle de Satélites (CCS) do INPE e estações brasileiras de cubesats.
O Programa de Estudo e Monitoramento Brasileiro do Clima Espacial (Embrace) do INPE fará o processamento, armazenamento e distribuição dos dados científicos da missão SPORT. As informações da rede de sensores de solo do Embrace na região da Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS), combinadas com os dados obtidos pelo cubesat, conferem características pioneiras à missão.
O lançamento, de responsabilidade da NASA, será pela Estação Espacial Internacional (ISS). O cronograma prevê o início da missão em março de 2017, sendo que o seu lançamento e comissionamento deverá ocorrer entre novembro de 2018 e março de março de 2019, com uma vida útil de um ano, em função da atividade solar no período e a dinâmica de voo para o lançamento da ISS.
Pesquisadores e tecnologistas de várias áreas do INPE participaram do desenvolvimento da proposta agora contemplada pela NASA. Sob o encaminhamento do ITA, está sendo submetido à FAPESP um projeto temático para o orçamento da parte nacional da missão, bem como sua extensão.
Fonte: INPE
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NASA financiará nanossatélite desenvolvido em parceria com o INPE e o ITA
Segunda-feira, 19 de Dezembro de 2016
A missão SPORT - Scintilation Prediction Observations Research Task, que prevê um nanossatélite para estudos de bolhas de plasma na ionosfera, foi selecionada entre projetos apresentados à NASA para financiamento. A iniciativa é coordenada pelo Marshall Space Flight Center, da agência espacial americana, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
O nanossatélite, um cubesat de aproximadamente seis quilos, servirá a estudos sobre a formação de bolhas de plasma ionosférico, que são as fontes principais de reflexões de radar na região equatorial. A missão SPORT investigará o estado da ionosfera que acarreta o crescimento das bolhas de plasma. Também serão estudadas as relações entre as irregularidades no plasma em altitude de satélites com as cintilações de rádio observadas na região equatorial da ionosfera.
Os instrumentos a bordo do satélite serão desenvolvidos pelo centro da NASA e universidades dos Estados Unidos, com a participação de pesquisadores brasileiros. Já a plataforma poderá ser semelhante à do Itasat, nanossatélite universitário realizado em parceria pelo ITA, INPE e instituições de ensino.
No Laboratório de Integração e Testes (LIT) do INPE, em São José dos Campos (SP), será realizada a montagem e ensaios necessários para o lançamento do nanossatélite. A responsabilidade pela operação em órbita será do Centro de Controle de Satélites (CCS) do INPE e estações brasileiras de cubesats.
O Programa de Estudo e Monitoramento Brasileiro do Clima Espacial (Embrace) do INPE fará o processamento, armazenamento e distribuição dos dados científicos da missão SPORT. As informações da rede de sensores de solo do Embrace na região da Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS), combinadas com os dados obtidos pelo cubesat, conferem características pioneiras à missão.
O lançamento, de responsabilidade da NASA, será pela Estação Espacial Internacional (ISS). O cronograma prevê o início da missão em março de 2017, sendo que o seu lançamento e comissionamento deverá ocorrer entre novembro de 2018 e março de março de 2019, com uma vida útil de um ano, em função da atividade solar no período e a dinâmica de voo para o lançamento da ISS.
Pesquisadores e tecnologistas de várias áreas do INPE participaram do desenvolvimento da proposta agora contemplada pela NASA. Sob o encaminhamento do ITA, está sendo submetido à FAPESP um projeto temático para o orçamento da parte nacional da missão, bem como sua extensão.
Fonte: INPE
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segunda-feira, 5 de dezembro de 2016
"Adivinhe quem vai tomar conta do arsenal nuclear dos EUA?", artigo de José Monserrat Filho
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Adivinhe quem vai tomar conta do arsenal nuclear dos EUA?
José Monserrat Filho *
“A guerra é uma negociata. Sempre foi. Possivelmente a mais antiga, sem dúvida a mais rentável, certamente a mais viciosa. É a única na qual os lucros são contados em dólares e as perdas em vidas.” Smedley Darlington Butler, major general do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. (1)
Ele mesmo. Donald Trump, o magnata que ganhou as eleições presidenciais americanas no Colégio Eleitoral, mas perdeu no voto direto por mais de dois milhões de sufrágios, e que promete fazer qualquer negócio para “recuperar a grandeza dos EUA” – slogan repetido ad nauseam, mas que não se sabe bem o que significa, nem se tem algum limite.
Em 20 de janeiro de 2017, o novo morador da Casa Branca assume o comando da maior potência militar do planeta e, ato contínuo, passa a controlar todas as armas nucleares do país.
A julgar pelo que disse durante a campanha eleitoral e tem dito como presidente eleito, é difícil avaliar com clareza seu senso de responsabilidade e seu real grau de sanidade. Há quem diga que ele gosta de brincar com o fogo. Tanto que já nomeou para comandar o Pentágono o general reformado James Mattis, apresentado como “militar linha-dura” (2) e que é conhecido pelo apelido de “Mad Dog” (cachorro louco), que não diz tudo, mas sugere muita coisa. Isso, claro, ainda não garante que aceite de bom grado uma aventura nuclear, que poderia desperdiçar à toa boa parte de sua fortuna. Mas nunca se sabe. Quem de cabeça fria poria a mão no fogo por Trump?
A verdade é que os EUA realizaram mais testes nucleares do que o resto do mundo junto e que são o único país a ter usado bombas atômicas contra outro país (Japão, em Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945). Além do mais, ocupa de longe o primeiro lugar entre as 10 maiores potências detentoras dessas armas de destruição em massa. E é a única potência com armas nucleares instaladas em outros países (Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia), dentro do programa nuclear da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN (NATO, em inglês).
Os EUA têm o maior gasto militar do mundo, com 596 bilhões, seguido da China, com 215 bilhões (estimados), da Arábia Saudita, com 87,2 bilhões, da Rússia, com 66,4 bilhões, do Reino Unido, com 55,5 bilhões, da Índia, com 51,3 bilhões, e da França, com 50,9 bilhões – tudo em dólares americanos, segundo relatório de 2016 do SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute – Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo), relativo a 2015. (3)
Em 2015, aliás, o mundo inteiro gastou um trilhão e 676 bilhões de dólares em armas e atividades militares. Para o SIPRI, se comparamos os gastos militares globais com as despesas previsíveis dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável do Milênio – Agenda 2030 (4), aprovados pelas Chefes de Estado e Governo e altos representantes das Nações Unidas em 27 de setembro de 2015, é fácil imaginar o que já poderia ter sido conquistado se parte dos gastos militares tivessem sido redirecionados para financiar as metas do Milênio. Pouco mais de 10% desses gastos seriam suficientes para eliminar a pobreza extrema e a fome no mundo, cumprindo os objetivos 1 e 2. E menos de 10% bastariam para atender ao objetivo 4, da Educação. Pouco menos da metade dos gastos militares permitiriam alcançar a maioria dos objetivos visados, para os quais é essencial dispor de meios financeiros adicionais.
No início do presente ano, 2016, nove países detinham 15.395 armas nucleares – 4.120 delas à disposição de forças operativas e outras 1.800 mantidas em alto estado de alerta. Os nove países, pela ordem de quantidade de armas, são: Rússia, EUA, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. A Rússia aparece em 1º lugar, com 7.290 ogivas, e os EUA em 2º, com 7 mil – o que é visto como empate técnico. A informação é do mesmo relatório do SIPRI.
O relatório do SIPRI tem um dado aparentemente positivo: “O número total de ogivas nucleares está diminuindo no mundo, graças sobretudo às reduções, por parte dos EUA e Rússia, de seus arsenais nucleares, como efeito do Tratado sobre Medidas para Redução e Limitação das Armas Estratégicas Ofensivas (Novo Start), de 2010, e de reduções unilaterais.” Acontece, alerta o SIPRI, que “desde o princípio de 2011, nenhum dos dois países promoveu grandes reduções em suas forças nucleares instaladas” e, como se isso fosse pouco, “tanto os EUA, quanto a Rússia, puseram em marcha extensos e custosos programas de modernização” (de armas nucleares). Ademais, “todos os demais Estados”, com arsenal nuclear bem menor, “estão desenvolvendo ou implantando novos sistemas de armas ou anunciaram a intenção de fazê-lo”.
Já houve nos EUA quem pretendesse resolver o impasse da Guerra Fria com o lançamento de armas nucleares. Foi o general Douglas MacArthur (1880-1964), chefe supremo das Forças Armadas dos EUA na Guerra contra o Japão. Ele comandou as tropas das Nações Unidas (EUA e aliados) na Guerra da Coreia (25/06/1950-27/07/1953), durante o governo de Harry S. Truman (1884-1972). Seis meses após o início da Guerra da Coreia, em janeiro de 1951, MacArthur passou a defender a ideia de atacar a China e a Coreia do Norte com bombas atômicas, como Truman decidira no caso do Japão.
Desta feita, no entanto, Truman achou que a operação podia não dar certo e apostou no fim do conflito. MacArthur se deu mal: demitido do comando em 11 de abril de 1951, foi julgado, logo em maio e junho, pelo Congresso dos EUA, que concluiu: o general violou a Constituição do país ao desrespeitar as ordens do presidente. (5) A posição de Truman acabou vingando em julho de 1953, quando Dwight D. Eisenhower (1890-1969) já era presidente dos EUA desde o começo do ano e Josef Stalin (1878-1953), que ajudara Mao Tse Tung (1893-1976) na Coreia, já tinha morrido, em 5 de março. O conflito coreano terminou com um simples e frágil armistício (trégua), e não com um desejável acordo de paz (até hoje não assinado). Esse é um dos graves problemas pendentes.
Poderia Trump ser o McArthur de hoje? Provavelmente, não. Mas também não é impossível. Só Deus sabe.
No artigo “Mister Trump e a bomba” publicado na revista Arms Control Today, seu diretor Daryl G. Kimball, escreve: “Durante décadas, os presidentes dos EUA – de ambos os partidos – foram confrontados com uma série de perigos com armas nucleares. Até hoje, apesar de várias falhas e ordens próximas, evitamos a catástrofe e limitamos a disseminação de armas nucleares a nove estados. Mas, com a eleição de Donald Trump, os EUA e o mundo adentram um território nuclear desconhecido e perigoso.” (6)
Kimball considera que de 20 de janeiro em diante, “o poder devastador do arsenal nuclear dos EUA estará sob o controle de um comandante-chefe impetuoso e impulsivo”. A seu ver, ao longo da campanha eleitoral, Trump deu declarações “profundamente preocupantes”, deixando claro que “ele está longe de entender os perigos incomparáveis das armas nucleares” e “não tem condições de administrar seus riscos”.
Perguntado se poderia usar armas nucleares, Trump não negou. Deu uma resposta dúbia, evasiva: "Bem, é uma última postura absoluta ... [mas] se quiser ser imprevisível", o que foi interpretado como se, em caso de crise, ele admitisse se envolver com armas nucleares... Afirmou também que seria aceitável se o Japão ou a Coréia do Sul buscassem suas próprias armas nucleares para combater a Coréia do Norte, porque, segundo ele, "isso vai acontecer de qualquer maneira".
Prometeu, ainda, "desmantelar" o acordo com o Irã, de 2015, de que participam seis potências mundiais. Se tentar "renegociar" o acordo, adverte Kimball, poderá estimular a rápida reconstituição da capacidades nuclear do Irã (que teme as bombas de Israel), paralisará os principais aliados dos EUA e criará condições para nova guerra no Oriente Médio, ainda mais desastrosa. Para Kimball, isso significa que “se Trump ou o Congresso liderado pelos republicanos sabotarem o acordo com o Irã, terão graves consequências geopolíticas”. Na sua visão, ao contrário de Obama, que entrou na Casa Branca com um plano detalhado para reduzir a ameaça nuclear, “Trump não tem uma estratégia discernível para gerenciar os desafios nucleares mais assustadores do nosso tempo”.
Como tratará a Coreia do Norte? Na campanha, ele disse que estaria disposto a conversar com o líder da Coréia do Norte. Mas também sugeriu terceirizar o caso à China. Kimdall tem uma ideia razoável e construtiva a respeito: Pequim só entrará em campo para valer se contar o apoio claro dos EUA para um diálogo renovado e de amplo alcance com a Coreia do Norte. Quer dizer, um diálogo renovado e amplo com a própria China também. Terá Trump cabeça para tanto?
Se tiver (os milagres acontecem quando menos se espera), o mundo estará bem mais seguro do que hoje. Será o fim da nova Guerra Fria, ora em pleno andamento (com gastos de muitos bilhões, como já vimos.) Mudando de rumo, o mundo poderá até adotar “Uma proibição completa de testes nucleares”, como em boa hora propõe o atual Secretário de Energia dos EUA, Ernest J. Moniz (7), deixando um nobre e oportuno recado para Trump.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) “War is a racket. It always has been. It is possibly the oldest, easily most profitable, surely the most vicious. It is the only one in which the profits are reckoned in dollars and the losses in lives.” Butler, Smedley Darlington (1881-1940), War is as Rocket (A Guerra é como uma negociata), Dragon Nikolic (Editor), 2012, p. 1. Crítico das guerras empreendidas pelos EUA, Butler foi, no entanto, até sua morte, o soldado mais condecorado da história americana. A frase aparece como epígrafe do livro de Luis Alberto Muniz Bandeira, A Desordem Mundial – O Espectro da Total Dominação, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
2) O Globo, 02/12/2016.
3) https://www.sipri.org/sites/default/files/SIPRIYB16-Summary_ESP.pdf.
4) https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/.
5) Stein, R. Conrad, The Korean War – The Forgotten War, USA, NJ: Enslow Publichers, 1954.
6) https://www.armscontrol.org/aca/977.
7) http://science.sciencemag.org/content/354/6316/1081.full. Science, 2 de dezembro.
Adivinhe quem vai tomar conta do arsenal nuclear dos EUA?
José Monserrat Filho *
“A guerra é uma negociata. Sempre foi. Possivelmente a mais antiga, sem dúvida a mais rentável, certamente a mais viciosa. É a única na qual os lucros são contados em dólares e as perdas em vidas.” Smedley Darlington Butler, major general do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA. (1)
Ele mesmo. Donald Trump, o magnata que ganhou as eleições presidenciais americanas no Colégio Eleitoral, mas perdeu no voto direto por mais de dois milhões de sufrágios, e que promete fazer qualquer negócio para “recuperar a grandeza dos EUA” – slogan repetido ad nauseam, mas que não se sabe bem o que significa, nem se tem algum limite.
Em 20 de janeiro de 2017, o novo morador da Casa Branca assume o comando da maior potência militar do planeta e, ato contínuo, passa a controlar todas as armas nucleares do país.
A julgar pelo que disse durante a campanha eleitoral e tem dito como presidente eleito, é difícil avaliar com clareza seu senso de responsabilidade e seu real grau de sanidade. Há quem diga que ele gosta de brincar com o fogo. Tanto que já nomeou para comandar o Pentágono o general reformado James Mattis, apresentado como “militar linha-dura” (2) e que é conhecido pelo apelido de “Mad Dog” (cachorro louco), que não diz tudo, mas sugere muita coisa. Isso, claro, ainda não garante que aceite de bom grado uma aventura nuclear, que poderia desperdiçar à toa boa parte de sua fortuna. Mas nunca se sabe. Quem de cabeça fria poria a mão no fogo por Trump?
A verdade é que os EUA realizaram mais testes nucleares do que o resto do mundo junto e que são o único país a ter usado bombas atômicas contra outro país (Japão, em Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de 1945). Além do mais, ocupa de longe o primeiro lugar entre as 10 maiores potências detentoras dessas armas de destruição em massa. E é a única potência com armas nucleares instaladas em outros países (Bélgica, Alemanha, Itália, Holanda e Turquia), dentro do programa nuclear da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN (NATO, em inglês).
Os EUA têm o maior gasto militar do mundo, com 596 bilhões, seguido da China, com 215 bilhões (estimados), da Arábia Saudita, com 87,2 bilhões, da Rússia, com 66,4 bilhões, do Reino Unido, com 55,5 bilhões, da Índia, com 51,3 bilhões, e da França, com 50,9 bilhões – tudo em dólares americanos, segundo relatório de 2016 do SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute – Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo), relativo a 2015. (3)
Em 2015, aliás, o mundo inteiro gastou um trilhão e 676 bilhões de dólares em armas e atividades militares. Para o SIPRI, se comparamos os gastos militares globais com as despesas previsíveis dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável do Milênio – Agenda 2030 (4), aprovados pelas Chefes de Estado e Governo e altos representantes das Nações Unidas em 27 de setembro de 2015, é fácil imaginar o que já poderia ter sido conquistado se parte dos gastos militares tivessem sido redirecionados para financiar as metas do Milênio. Pouco mais de 10% desses gastos seriam suficientes para eliminar a pobreza extrema e a fome no mundo, cumprindo os objetivos 1 e 2. E menos de 10% bastariam para atender ao objetivo 4, da Educação. Pouco menos da metade dos gastos militares permitiriam alcançar a maioria dos objetivos visados, para os quais é essencial dispor de meios financeiros adicionais.
No início do presente ano, 2016, nove países detinham 15.395 armas nucleares – 4.120 delas à disposição de forças operativas e outras 1.800 mantidas em alto estado de alerta. Os nove países, pela ordem de quantidade de armas, são: Rússia, EUA, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. A Rússia aparece em 1º lugar, com 7.290 ogivas, e os EUA em 2º, com 7 mil – o que é visto como empate técnico. A informação é do mesmo relatório do SIPRI.
O relatório do SIPRI tem um dado aparentemente positivo: “O número total de ogivas nucleares está diminuindo no mundo, graças sobretudo às reduções, por parte dos EUA e Rússia, de seus arsenais nucleares, como efeito do Tratado sobre Medidas para Redução e Limitação das Armas Estratégicas Ofensivas (Novo Start), de 2010, e de reduções unilaterais.” Acontece, alerta o SIPRI, que “desde o princípio de 2011, nenhum dos dois países promoveu grandes reduções em suas forças nucleares instaladas” e, como se isso fosse pouco, “tanto os EUA, quanto a Rússia, puseram em marcha extensos e custosos programas de modernização” (de armas nucleares). Ademais, “todos os demais Estados”, com arsenal nuclear bem menor, “estão desenvolvendo ou implantando novos sistemas de armas ou anunciaram a intenção de fazê-lo”.
Já houve nos EUA quem pretendesse resolver o impasse da Guerra Fria com o lançamento de armas nucleares. Foi o general Douglas MacArthur (1880-1964), chefe supremo das Forças Armadas dos EUA na Guerra contra o Japão. Ele comandou as tropas das Nações Unidas (EUA e aliados) na Guerra da Coreia (25/06/1950-27/07/1953), durante o governo de Harry S. Truman (1884-1972). Seis meses após o início da Guerra da Coreia, em janeiro de 1951, MacArthur passou a defender a ideia de atacar a China e a Coreia do Norte com bombas atômicas, como Truman decidira no caso do Japão.
Desta feita, no entanto, Truman achou que a operação podia não dar certo e apostou no fim do conflito. MacArthur se deu mal: demitido do comando em 11 de abril de 1951, foi julgado, logo em maio e junho, pelo Congresso dos EUA, que concluiu: o general violou a Constituição do país ao desrespeitar as ordens do presidente. (5) A posição de Truman acabou vingando em julho de 1953, quando Dwight D. Eisenhower (1890-1969) já era presidente dos EUA desde o começo do ano e Josef Stalin (1878-1953), que ajudara Mao Tse Tung (1893-1976) na Coreia, já tinha morrido, em 5 de março. O conflito coreano terminou com um simples e frágil armistício (trégua), e não com um desejável acordo de paz (até hoje não assinado). Esse é um dos graves problemas pendentes.
Poderia Trump ser o McArthur de hoje? Provavelmente, não. Mas também não é impossível. Só Deus sabe.
No artigo “Mister Trump e a bomba” publicado na revista Arms Control Today, seu diretor Daryl G. Kimball, escreve: “Durante décadas, os presidentes dos EUA – de ambos os partidos – foram confrontados com uma série de perigos com armas nucleares. Até hoje, apesar de várias falhas e ordens próximas, evitamos a catástrofe e limitamos a disseminação de armas nucleares a nove estados. Mas, com a eleição de Donald Trump, os EUA e o mundo adentram um território nuclear desconhecido e perigoso.” (6)
Kimball considera que de 20 de janeiro em diante, “o poder devastador do arsenal nuclear dos EUA estará sob o controle de um comandante-chefe impetuoso e impulsivo”. A seu ver, ao longo da campanha eleitoral, Trump deu declarações “profundamente preocupantes”, deixando claro que “ele está longe de entender os perigos incomparáveis das armas nucleares” e “não tem condições de administrar seus riscos”.
Perguntado se poderia usar armas nucleares, Trump não negou. Deu uma resposta dúbia, evasiva: "Bem, é uma última postura absoluta ... [mas] se quiser ser imprevisível", o que foi interpretado como se, em caso de crise, ele admitisse se envolver com armas nucleares... Afirmou também que seria aceitável se o Japão ou a Coréia do Sul buscassem suas próprias armas nucleares para combater a Coréia do Norte, porque, segundo ele, "isso vai acontecer de qualquer maneira".
Prometeu, ainda, "desmantelar" o acordo com o Irã, de 2015, de que participam seis potências mundiais. Se tentar "renegociar" o acordo, adverte Kimball, poderá estimular a rápida reconstituição da capacidades nuclear do Irã (que teme as bombas de Israel), paralisará os principais aliados dos EUA e criará condições para nova guerra no Oriente Médio, ainda mais desastrosa. Para Kimball, isso significa que “se Trump ou o Congresso liderado pelos republicanos sabotarem o acordo com o Irã, terão graves consequências geopolíticas”. Na sua visão, ao contrário de Obama, que entrou na Casa Branca com um plano detalhado para reduzir a ameaça nuclear, “Trump não tem uma estratégia discernível para gerenciar os desafios nucleares mais assustadores do nosso tempo”.
Como tratará a Coreia do Norte? Na campanha, ele disse que estaria disposto a conversar com o líder da Coréia do Norte. Mas também sugeriu terceirizar o caso à China. Kimdall tem uma ideia razoável e construtiva a respeito: Pequim só entrará em campo para valer se contar o apoio claro dos EUA para um diálogo renovado e de amplo alcance com a Coreia do Norte. Quer dizer, um diálogo renovado e amplo com a própria China também. Terá Trump cabeça para tanto?
Se tiver (os milagres acontecem quando menos se espera), o mundo estará bem mais seguro do que hoje. Será o fim da nova Guerra Fria, ora em pleno andamento (com gastos de muitos bilhões, como já vimos.) Mudando de rumo, o mundo poderá até adotar “Uma proibição completa de testes nucleares”, como em boa hora propõe o atual Secretário de Energia dos EUA, Ernest J. Moniz (7), deixando um nobre e oportuno recado para Trump.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) “War is a racket. It always has been. It is possibly the oldest, easily most profitable, surely the most vicious. It is the only one in which the profits are reckoned in dollars and the losses in lives.” Butler, Smedley Darlington (1881-1940), War is as Rocket (A Guerra é como uma negociata), Dragon Nikolic (Editor), 2012, p. 1. Crítico das guerras empreendidas pelos EUA, Butler foi, no entanto, até sua morte, o soldado mais condecorado da história americana. A frase aparece como epígrafe do livro de Luis Alberto Muniz Bandeira, A Desordem Mundial – O Espectro da Total Dominação, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
2) O Globo, 02/12/2016.
3) https://www.sipri.org/sites/default/files/SIPRIYB16-Summary_ESP.pdf.
4) https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/.
5) Stein, R. Conrad, The Korean War – The Forgotten War, USA, NJ: Enslow Publichers, 1954.
6) https://www.armscontrol.org/aca/977.
7) http://science.sciencemag.org/content/354/6316/1081.full. Science, 2 de dezembro.
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segunda-feira, 28 de novembro de 2016
"Todos os países são iguais perante a lei?", artigo de José Monserrat Filho
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Todos os países são iguais perante a lei?
José Monserrat Filho *
“Eu não troco a justiça pela soberba. Eu não deixo o direito pela força. Eu não esqueço a fraternidade pela tolerância. Eu não substituo a fé pela superstição, a realidade pelo ídolo.” Rui Barbosa (1)
“Todos os países são igualmente membros da comunidade internacional. O grande, forte e rico não deve intimidar o pequeno, fraco e pobre”, disse o Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, ao chegar a Lima, Peru, no dia 21 de novembro. Foi sua terceira viagem à América Latina desde 2013, quando assumiu a liderança chinesa. A China tem ampliado muito suas compras, seus investimentos na região e a cooperação espacial. A ferrovia bioceânica (2), ligando o Atlântico e o Pacífico pelo Brasil e Peru, e o Canal na Nicarágua (3), ligando o Mar do Caribe e o Pacífico, com a participação da Rússia, são dois ambiciosos projetos em estudo pela China e países da região, que custariam dezenas de bilhões de dólares, financiados por bancos chineses.
A frase inicial de Xi Jinping não é nova. Tem 66 anos. Surgiu na Carta das Nações Unidas, lançada em 1945, com os propósitos, entre outros, de “manter a paz e a segurança internacionais” e “desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos”. Aí está a base do Direito Internacional contemporâneo. A segunda frase – “o grande, forte e rico não deve intimidar o pequeno, fraco e pobre” – exemplifica como viabilizar e promover a primeira. Mas “intimidar” é um modo leve e diplomático de descrever as relações não raro impositivas e injustas entre países desiguais.
Xi Jinping, na verdade, foi modesto e cauteloso. Apenas lembrou o primeiro dos princípios que norteiam as ações da Organização das Nações Unidas (ONU), fundada em 1945, após a derrota na II Guerra Mundial dos países do Eixo – Alemanha, Itália, Japão e países parceiros –, pelos Aliados – Estados Unidos, França, Reino Unido, União Soviética e outros países, inclusive o Brasil. O maior conflito bélico de todos os tempos, provocado por forças políticas nacionalistas de extrema direita, nos leva a refletir sobre os movimentos equivalentes que hoje ameaçam o mundo. A situação é cada vez mais grave. Se tivermos uma guerra mundial neste século, com todos as armas inventadas nos últimos 70 anos, para uso em solo, no ar, nos oceanos e no espaço, teremos destruições em nosso planeta como jamais se viu antes.
Nos anos 30 do século passado, Alemanha, Itália e Japão se julgavam superiores aos demais países, seja na Europa, na África, na Ásia e nas Américas, praticamente no mundo inteiro.
O Estado Nazista, estabelecido na Alemanha com a ascensão ao poder de Adolfo Hitler, em 30 de janeiro de 1933, exaltava o povo alemão como raça ariana, superior a todos os outros povos, a começar pelos eslavos, judeus e ciganos, eliminados em mais de 40 milhões.
O fascismo de Benito Mussolini também pregava a purificação da “raça italiana”, sobretudo frente aos povos dos países ocupados na Europa e África – Albânia, partes da Grécia, Croácia, Eslovênia, parte do Egito e Etiópia, onde também cometeu crimes hediondos. Ainda assim, os nazistas desprezavam e ridicularizavam os italianos, em quem julgavam não poder confiar.
O Império do Japão menosprezava e exterminava como inferiores os povos de Burma, Camboja, China, Coreia, Indonésia, Filipinas, Malásia, Vietnã e de muitos outros países asiáticos dominados e massacrados pelo exército nipônico. Foram, ao todo, 53 milhões de mortos.
A história da luta pela igualdade das nações é um mar de sangue que atravessa milênios.
O primeiro princípio da Carta das Nações Unidas diz simplesmente: “A Organização se baseia no principio da igualdade soberana de todos seus membros.” Afirmar que todos os países são igualmente membros da comunidade internacional significa reconhecer que entre todos eles vigora o princípio da igualdade soberana. Todos são igualmente soberanos. Todos situam-se no mesmo nível. Nenhum deles está abaixo ou acima de qualquer outro.
Na teoria, não há país ou povo que seja mais ou menos soberano, como não há mulher mais ou menos grávida. Ou é soberano ou não se soberano. Na prática, porém, a questão é mais complicada e relativa. Nem todos os países, por mais que o queiram, podem exercer plenamente seus direitos soberanos. Nem todos podem decidir seu destino, em tudo aquilo que considerem fundamental a sua existência e seu desenvolvimento. O grau de soberania de um país é diretamente proporcional à sua capacidade de definir e aplicar soluções essenciais a seus problemas de hoje e de amanhã, segundo seus próprios interesses. Essa capacidade depende do grau e da vontade das forças econômicas e políticas que lideram a vida pública de um país. Suas elites podem preferir submeter-se aos interesses de uma ou mais potências mais ricas e dominantes na arena internacional.
Não se trata de pregar e buscar a soberania absoluta, aberração irrealizável em nosso tempo, por mais que alguns países poderosos ainda a ambicionem na prática, com base em seu incomparável poderio militar e financeiro. Trata-se, isto sim, de almejar o direito inalienável de valer-se de seus direitos soberanos e autodeterminar-se, segundo a vontade da maioria do povo, do modo mais democrático possível, com total liberdade de pensamento e expressão, sem a pressão ou a ingerência externa de forças militares, econômicas, financeiras ou de qualquer outra espécie.
Os demais princípios da Carta também reforçam o princípio da igualdade soberana. São eles: “Todos os membros se obrigam a cumprir de boa fé os compromissos da Carta”; “Todos deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais”; “Todos deverão abster-se em suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao emprego da força contra outros Estados”; “Todos deverão dar assistência às Nações Unidas em qualquer medida que a Organização (ONU) tomar em conformidade com os preceitos da Carta, abstendo-se de prestar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo”; Cabe às Nações Unidas fazer com que os Estados não-membros da Organização ajam de acordo com esses princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais; “Nenhum preceito da Carta autoriza as Nações Unidas a intervir em assuntos que são essencialmente da alçada nacional de cada país.” Sendo todos os países igualmente soberanos, a nenhum deles é dado o direito de intromissão na vida interna ou externa dos outros. Do mesmo modo, se todos são igualmente soberanos, nada justifica que os maiores, mais fortes e mais ricos possam intimidar, subordinar ou explorar os menores, fracos e pobres, não importa a forma empregada nessas ações.
O princípio da igualdade soberana e todos os outros princípios aqui referidos foram reiterados e detalhados pela Declaração de Princípios do Direito Internacional relativos às Relações de Amizade e de Cooperação entre os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas (4), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 24 de outubro de 1970, bem como pela Declaração de Princípios incluída na Ata Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, assinada em Helsinki, Finlândia, no dia 1º de agosto de 1975 (5).
A Declaração de 1970 desenvolveu o princípio da igualdade dos países, afirmando que (I) todos os Estados são juridicamente iguais (não importa a dimensão geográfica, o Produto Interno Bruto – PIB, o poderio militar, o estágio do avanço científico, tecnológico e cultural de cada um) e (II) todos os Estados têm iguais direitos e iguais obrigações e são membros iguais da comunidade internacional, apesar das diferenças econômicas, sociais, políticas ou de qualquer outra ordem.
Reza ainda a Declaração: “Em virtude dos princípios da igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos consagrados na Carta (das Nações Unidas), todos os povos têm o direito de determinar livremente, sem interferência externa, seu status político e de perseguir seu desenvolvimento econômico, social e cultural, e cada Estado tem o dever de respeitar esse direito, em conformidade com os dispositivos da Carta.”
A Ata Final da Conferência de Helsinque, de 1975, introduziu mais detalhes: “Os Estados participantes respeitarão a igualdade soberana e a individualidade de cada um, bem como todos os direitos inerentes a sua soberania e nela integrados, incluindo, nomeadamente, o direito de cada Estado à igualdade jurídica, à integridade territorial e liberdade e independência política. Eles também respeitarão o direito de todos de escolher e desenvolver livremente seus sistemas políticos, sociais, econômicos e culturais, e seu direito de determinar as suas leis e regulamentos.”
Assim, tanto a Declaração de 1970 quanto a Ata de 1975, apoiadas pela esmagadora dos países de todo o mundo, deixam claro o que deve se entender por autodeterminação dos povos – o direito de todos de escolher e desenvolver livremente seus sistemas políticos, sociais, econômicos e culturais, e seu direito de determinar as suas leis e regulamentos.
Não é nada fácil manter e aplicar os princípios da igualdade soberana e da autodeterminação das nações em nossa época, dominada por gigantestas corporações financeiras, quando a distância entre os países mais ricos e desenvolvidos em relação aos demais atingiu níveis sem precedentes na história. E não é à toa que o renomado economista americano Joseph Stiglitz (1943-), Prêmio Nobel de 2001, descreve, em O Preço da Desigualdade, a relação entre política e economia como “o círculo vicioso no qual mais desigualdade econômica gera desigualdade política, principalmente no sistema político dos Estados Unidos, que confere um poder desenfreado ao dinheiro. A desigualdade política, por sua vez, aumenta a desigualdade econômica.” (6) Que, por sua vez, – cabe acrescentar – aumenta a desigualdade jurídica, baseada em novas teorias e práticas.
A torrente de desigualdades está ligada à “crescente e impressionante destruição causada pelas falhas de governança nas últimas décadas”, nos termos de John W. Cioffi, professor de Ciência Política da Universidade da Califórnia, Riverside, EUA. Suas pesquisas indicam: “Nem nos EUA, nem na Alemanha, as reformas da governança corporativa ostensivamente pró-acionista colocaram controles adequados à falta de gerenciamento, à incompetência, à desonestidade e/ou a oportunismo. As falhas de governança contribuíram para destruir enormes quantidades de valores dos acionistas, infligiram danos imensos e duradouros à 'economia real' e obrigaram o setor público a repassar ao setor financeiro trilhões de dólares para evitar o catastrófico colapso econômico nacional e global.” Cioffi recorda ainda: “O sistema financeiro norte-americano orientado pelo mercado e o regime de governança corporativa centrado nominalmente nos acionistas se autodestruíram duas vezes em uma década, mas as respostas políticas dos governos (George W.) Bush (2001-2009) e (Barack) Obama (2009-2017) foram destinadas, na melhor das hipóteses, a enfrentar suas falhas institucionais legais e institucionais.” Ciofi não é otimista. A seu ver, “a gravidade da crise enfatiza a necessidade de reformas fundamentais no monitoramento e checagem dos abusos do poder gerencial”, mas “a análise dos regimes de governança corporativa (feita em seu livro) sugere que a política doméstica provavelmente frustrará tais reformas”. (7)
A construção da igualdade é quase uma utopia. Mas uma utopia viável, porque necessária.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/222289. Artigo de Rui Barbosa, O Partido Republicanos Conservador. Representando o Brasil na 2ª Conferência de Haia, Holanda, em 1907, perante 175 participantes de 44 países, Rui se opôs às propostas alemã e inglesa de criação de um Tribunal de Presas e de um Tribunal de Arbitragem, com hegemonia das grandes potências. Sobre o Tribunal de Presas, argumentou: "Não olvidemos que segundo esse regime, o fraco terá de submeter-se à justiça do forte. Como regra geral, é o mais poderoso que tem menos razão de respeitar a lei. Por que, então, devemos reservar para este o privilégio da autoridade judiciária?" Rui consagrou-se no evento defendendo a igualdade soberana de todos os países em qualquer tribunal. Ver artigo de Christiane Laidler de Souza, Nossa águia em Haia, Revista de História da Biblioteca Nacional, 19/09/2007. A autora é pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa.
2) http://www.conversaafiada.com.br/economia/ferrovia-transoceanica-da-outro-passo.
3) http://thoth3126.com.br/canal-na-nicaragua-russia-e-china-desafia-os-eua/.
4) Resolução 2.625 (XXV), de 24 de outubro de 1970, da Assembleia Geral das Nações Unidas. Declaração sobre os Princípios de Direito Internacional Referentes às Relações de Amizade e Cooperação entre os Estados em Conformidade com a Carta das Nações Unidas (Declaration on Principles of International Law Concerning Friendly Relations and Cooperation Among States in Accordance with the Charter of the United Nations).
5) http://www.universitario.com.br/noticias/n.php?i=11371.
6) Stiglitz, Joseph E., O Grande Abismo – Socieddades desiguais e o que podemos fazer sobre isso, Rio de Janeiro: Alta Books, 2016, p. xvi.
7) Cioffi, John W., Public Law and Private Power – Corporate Governance Reform in the Age of Finance Capitalism, USA, New York: Cornell University Press, 2010, p. 3-5.
Todos os países são iguais perante a lei?
José Monserrat Filho *
“Eu não troco a justiça pela soberba. Eu não deixo o direito pela força. Eu não esqueço a fraternidade pela tolerância. Eu não substituo a fé pela superstição, a realidade pelo ídolo.” Rui Barbosa (1)
“Todos os países são igualmente membros da comunidade internacional. O grande, forte e rico não deve intimidar o pequeno, fraco e pobre”, disse o Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, ao chegar a Lima, Peru, no dia 21 de novembro. Foi sua terceira viagem à América Latina desde 2013, quando assumiu a liderança chinesa. A China tem ampliado muito suas compras, seus investimentos na região e a cooperação espacial. A ferrovia bioceânica (2), ligando o Atlântico e o Pacífico pelo Brasil e Peru, e o Canal na Nicarágua (3), ligando o Mar do Caribe e o Pacífico, com a participação da Rússia, são dois ambiciosos projetos em estudo pela China e países da região, que custariam dezenas de bilhões de dólares, financiados por bancos chineses.
A frase inicial de Xi Jinping não é nova. Tem 66 anos. Surgiu na Carta das Nações Unidas, lançada em 1945, com os propósitos, entre outros, de “manter a paz e a segurança internacionais” e “desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos”. Aí está a base do Direito Internacional contemporâneo. A segunda frase – “o grande, forte e rico não deve intimidar o pequeno, fraco e pobre” – exemplifica como viabilizar e promover a primeira. Mas “intimidar” é um modo leve e diplomático de descrever as relações não raro impositivas e injustas entre países desiguais.
Xi Jinping, na verdade, foi modesto e cauteloso. Apenas lembrou o primeiro dos princípios que norteiam as ações da Organização das Nações Unidas (ONU), fundada em 1945, após a derrota na II Guerra Mundial dos países do Eixo – Alemanha, Itália, Japão e países parceiros –, pelos Aliados – Estados Unidos, França, Reino Unido, União Soviética e outros países, inclusive o Brasil. O maior conflito bélico de todos os tempos, provocado por forças políticas nacionalistas de extrema direita, nos leva a refletir sobre os movimentos equivalentes que hoje ameaçam o mundo. A situação é cada vez mais grave. Se tivermos uma guerra mundial neste século, com todos as armas inventadas nos últimos 70 anos, para uso em solo, no ar, nos oceanos e no espaço, teremos destruições em nosso planeta como jamais se viu antes.
Nos anos 30 do século passado, Alemanha, Itália e Japão se julgavam superiores aos demais países, seja na Europa, na África, na Ásia e nas Américas, praticamente no mundo inteiro.
O Estado Nazista, estabelecido na Alemanha com a ascensão ao poder de Adolfo Hitler, em 30 de janeiro de 1933, exaltava o povo alemão como raça ariana, superior a todos os outros povos, a começar pelos eslavos, judeus e ciganos, eliminados em mais de 40 milhões.
O fascismo de Benito Mussolini também pregava a purificação da “raça italiana”, sobretudo frente aos povos dos países ocupados na Europa e África – Albânia, partes da Grécia, Croácia, Eslovênia, parte do Egito e Etiópia, onde também cometeu crimes hediondos. Ainda assim, os nazistas desprezavam e ridicularizavam os italianos, em quem julgavam não poder confiar.
O Império do Japão menosprezava e exterminava como inferiores os povos de Burma, Camboja, China, Coreia, Indonésia, Filipinas, Malásia, Vietnã e de muitos outros países asiáticos dominados e massacrados pelo exército nipônico. Foram, ao todo, 53 milhões de mortos.
A história da luta pela igualdade das nações é um mar de sangue que atravessa milênios.
O primeiro princípio da Carta das Nações Unidas diz simplesmente: “A Organização se baseia no principio da igualdade soberana de todos seus membros.” Afirmar que todos os países são igualmente membros da comunidade internacional significa reconhecer que entre todos eles vigora o princípio da igualdade soberana. Todos são igualmente soberanos. Todos situam-se no mesmo nível. Nenhum deles está abaixo ou acima de qualquer outro.
Na teoria, não há país ou povo que seja mais ou menos soberano, como não há mulher mais ou menos grávida. Ou é soberano ou não se soberano. Na prática, porém, a questão é mais complicada e relativa. Nem todos os países, por mais que o queiram, podem exercer plenamente seus direitos soberanos. Nem todos podem decidir seu destino, em tudo aquilo que considerem fundamental a sua existência e seu desenvolvimento. O grau de soberania de um país é diretamente proporcional à sua capacidade de definir e aplicar soluções essenciais a seus problemas de hoje e de amanhã, segundo seus próprios interesses. Essa capacidade depende do grau e da vontade das forças econômicas e políticas que lideram a vida pública de um país. Suas elites podem preferir submeter-se aos interesses de uma ou mais potências mais ricas e dominantes na arena internacional.
Não se trata de pregar e buscar a soberania absoluta, aberração irrealizável em nosso tempo, por mais que alguns países poderosos ainda a ambicionem na prática, com base em seu incomparável poderio militar e financeiro. Trata-se, isto sim, de almejar o direito inalienável de valer-se de seus direitos soberanos e autodeterminar-se, segundo a vontade da maioria do povo, do modo mais democrático possível, com total liberdade de pensamento e expressão, sem a pressão ou a ingerência externa de forças militares, econômicas, financeiras ou de qualquer outra espécie.
Os demais princípios da Carta também reforçam o princípio da igualdade soberana. São eles: “Todos os membros se obrigam a cumprir de boa fé os compromissos da Carta”; “Todos deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais”; “Todos deverão abster-se em suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao emprego da força contra outros Estados”; “Todos deverão dar assistência às Nações Unidas em qualquer medida que a Organização (ONU) tomar em conformidade com os preceitos da Carta, abstendo-se de prestar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo”; Cabe às Nações Unidas fazer com que os Estados não-membros da Organização ajam de acordo com esses princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais; “Nenhum preceito da Carta autoriza as Nações Unidas a intervir em assuntos que são essencialmente da alçada nacional de cada país.” Sendo todos os países igualmente soberanos, a nenhum deles é dado o direito de intromissão na vida interna ou externa dos outros. Do mesmo modo, se todos são igualmente soberanos, nada justifica que os maiores, mais fortes e mais ricos possam intimidar, subordinar ou explorar os menores, fracos e pobres, não importa a forma empregada nessas ações.
O princípio da igualdade soberana e todos os outros princípios aqui referidos foram reiterados e detalhados pela Declaração de Princípios do Direito Internacional relativos às Relações de Amizade e de Cooperação entre os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas (4), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 24 de outubro de 1970, bem como pela Declaração de Princípios incluída na Ata Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, assinada em Helsinki, Finlândia, no dia 1º de agosto de 1975 (5).
A Declaração de 1970 desenvolveu o princípio da igualdade dos países, afirmando que (I) todos os Estados são juridicamente iguais (não importa a dimensão geográfica, o Produto Interno Bruto – PIB, o poderio militar, o estágio do avanço científico, tecnológico e cultural de cada um) e (II) todos os Estados têm iguais direitos e iguais obrigações e são membros iguais da comunidade internacional, apesar das diferenças econômicas, sociais, políticas ou de qualquer outra ordem.
Reza ainda a Declaração: “Em virtude dos princípios da igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos consagrados na Carta (das Nações Unidas), todos os povos têm o direito de determinar livremente, sem interferência externa, seu status político e de perseguir seu desenvolvimento econômico, social e cultural, e cada Estado tem o dever de respeitar esse direito, em conformidade com os dispositivos da Carta.”
A Ata Final da Conferência de Helsinque, de 1975, introduziu mais detalhes: “Os Estados participantes respeitarão a igualdade soberana e a individualidade de cada um, bem como todos os direitos inerentes a sua soberania e nela integrados, incluindo, nomeadamente, o direito de cada Estado à igualdade jurídica, à integridade territorial e liberdade e independência política. Eles também respeitarão o direito de todos de escolher e desenvolver livremente seus sistemas políticos, sociais, econômicos e culturais, e seu direito de determinar as suas leis e regulamentos.”
Assim, tanto a Declaração de 1970 quanto a Ata de 1975, apoiadas pela esmagadora dos países de todo o mundo, deixam claro o que deve se entender por autodeterminação dos povos – o direito de todos de escolher e desenvolver livremente seus sistemas políticos, sociais, econômicos e culturais, e seu direito de determinar as suas leis e regulamentos.
Não é nada fácil manter e aplicar os princípios da igualdade soberana e da autodeterminação das nações em nossa época, dominada por gigantestas corporações financeiras, quando a distância entre os países mais ricos e desenvolvidos em relação aos demais atingiu níveis sem precedentes na história. E não é à toa que o renomado economista americano Joseph Stiglitz (1943-), Prêmio Nobel de 2001, descreve, em O Preço da Desigualdade, a relação entre política e economia como “o círculo vicioso no qual mais desigualdade econômica gera desigualdade política, principalmente no sistema político dos Estados Unidos, que confere um poder desenfreado ao dinheiro. A desigualdade política, por sua vez, aumenta a desigualdade econômica.” (6) Que, por sua vez, – cabe acrescentar – aumenta a desigualdade jurídica, baseada em novas teorias e práticas.
A torrente de desigualdades está ligada à “crescente e impressionante destruição causada pelas falhas de governança nas últimas décadas”, nos termos de John W. Cioffi, professor de Ciência Política da Universidade da Califórnia, Riverside, EUA. Suas pesquisas indicam: “Nem nos EUA, nem na Alemanha, as reformas da governança corporativa ostensivamente pró-acionista colocaram controles adequados à falta de gerenciamento, à incompetência, à desonestidade e/ou a oportunismo. As falhas de governança contribuíram para destruir enormes quantidades de valores dos acionistas, infligiram danos imensos e duradouros à 'economia real' e obrigaram o setor público a repassar ao setor financeiro trilhões de dólares para evitar o catastrófico colapso econômico nacional e global.” Cioffi recorda ainda: “O sistema financeiro norte-americano orientado pelo mercado e o regime de governança corporativa centrado nominalmente nos acionistas se autodestruíram duas vezes em uma década, mas as respostas políticas dos governos (George W.) Bush (2001-2009) e (Barack) Obama (2009-2017) foram destinadas, na melhor das hipóteses, a enfrentar suas falhas institucionais legais e institucionais.” Ciofi não é otimista. A seu ver, “a gravidade da crise enfatiza a necessidade de reformas fundamentais no monitoramento e checagem dos abusos do poder gerencial”, mas “a análise dos regimes de governança corporativa (feita em seu livro) sugere que a política doméstica provavelmente frustrará tais reformas”. (7)
A construção da igualdade é quase uma utopia. Mas uma utopia viável, porque necessária.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/222289. Artigo de Rui Barbosa, O Partido Republicanos Conservador. Representando o Brasil na 2ª Conferência de Haia, Holanda, em 1907, perante 175 participantes de 44 países, Rui se opôs às propostas alemã e inglesa de criação de um Tribunal de Presas e de um Tribunal de Arbitragem, com hegemonia das grandes potências. Sobre o Tribunal de Presas, argumentou: "Não olvidemos que segundo esse regime, o fraco terá de submeter-se à justiça do forte. Como regra geral, é o mais poderoso que tem menos razão de respeitar a lei. Por que, então, devemos reservar para este o privilégio da autoridade judiciária?" Rui consagrou-se no evento defendendo a igualdade soberana de todos os países em qualquer tribunal. Ver artigo de Christiane Laidler de Souza, Nossa águia em Haia, Revista de História da Biblioteca Nacional, 19/09/2007. A autora é pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa.
2) http://www.conversaafiada.com.br/economia/ferrovia-transoceanica-da-outro-passo.
3) http://thoth3126.com.br/canal-na-nicaragua-russia-e-china-desafia-os-eua/.
4) Resolução 2.625 (XXV), de 24 de outubro de 1970, da Assembleia Geral das Nações Unidas. Declaração sobre os Princípios de Direito Internacional Referentes às Relações de Amizade e Cooperação entre os Estados em Conformidade com a Carta das Nações Unidas (Declaration on Principles of International Law Concerning Friendly Relations and Cooperation Among States in Accordance with the Charter of the United Nations).
5) http://www.universitario.com.br/noticias/n.php?i=11371.
6) Stiglitz, Joseph E., O Grande Abismo – Socieddades desiguais e o que podemos fazer sobre isso, Rio de Janeiro: Alta Books, 2016, p. xvi.
7) Cioffi, John W., Public Law and Private Power – Corporate Governance Reform in the Age of Finance Capitalism, USA, New York: Cornell University Press, 2010, p. 3-5.
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domingo, 20 de novembro de 2016
"Trump entre a paz e a guerra, inclusive no espaço", artigo de José Monserrat Filho
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Trump entre a paz e a guerra, inclusive no espaço
José Monserrat Filho *
“O mundo está doente. E não pode ser curado com as novas guerras dos EUA. Os caminhos da paz – adotados não como um objetivo distante, mas como uma necessidade prática no presente – são a única cura.” Jonatham Schell, O Inconcluso Século XX – A Crise das Armas de Destruição em Massa, Reino Unido: Verso, 2001, P. 105.(1)
O Presidente eleito dos Estados Unidos falou bem pouco, quase nada, sobre espaço e América Latina, em sua campanha eleitoral. (2) Outros temas relevantes tampouco lhe mereceram qualquer atenção. Trump não apresentou um programa de propostas e ações. Preferiu dar shows de acusações e ataques gratuitos, vulgaridades e frases de efeito para se tornar popular o mais rapidamente possível, a qualquer preço. Só faltou repetir o que já foi dito aqui no Brasil nos tristes idos de 1969: Às favas os escrúpulos. E também as ideias.
Vilipendiando o México e ignorando a América Latina, Trump, mesmo se fosse sem o querer, criou uma saia justa para a Presidente do Conselho das Américas (EUA), Susan Segal. Falando a O Globo, a Sra. Segal tentou pôr “panos quentes” nos destemperos de Trump e acabou provocando outro mal estar, ao dizer que “a América Latina será importante (para o novo Presidente) à medida que prepare sua equipe e se cerque de especialistas”. (3) Ou seja, a América Latina precisa se qualificar para ser bem recebida na Casa Branca. Antes disso, nem pensar.
Quanto ao espaço, Trump nomeou, há cerca de três semanas, Robert Walker, ex-congressista, como seu conselheiro para questões do espaço, e pediu que elaborasse um esboço de política espacial. Walker confessou que só há bem pouco tempo a campanha descobriu que precisava de uma política espacial. Apesar do tempo exíguo, anunciou já ter cumprido a tarefa. E elogiou o próprio plano, capaz de "real mudança" no espaço, atribuindo-lhe nada menos de quatro adjetivos: “visionário, perturbador, coordenador e invulnerável (resiliente)". (4)
Walker listou ainda os nove aspectos principais de seu plano:
1. “Compromisso com a liderança espacial global", produzindo "tecnologia, segurança e empregos", elementos indispensáveis aos EUA no século XXI (aos EUA e ao mundo inteiro);
2. Reativação do Conselho Nacional do Espaço, liderado pelo vice-presidente, para supervisionar todos os esforços do governo na área espacial, buscando eficiência e eliminando redundâncias. A última vez que o Conselho se reuniu foi durante o Governo George Bush.
3. “Exploração humana do sistema solar até o final do século", como “meta ampliada” para impulsionar avanços tecnológicos visando objetivos maiores do que só levar astronautas a Marte.
4. Aumento do orçamento da NASA, para cobrir voos ao “espaço profundo", não se limitando, como hoje, às ciências da Terra e às pesquisas climáticas. Certas missões da NASA nessas áreas seriam repassadas à National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). Ocorre que Trump jamais disse uma palavra sobre o polêmico tema do financiamento da NASA.
5. Desenvolvimento tecnológico de pequenos satélites que podem proporcionar poder de resistência aos militares, e também desenvolver tecnologias para serviços via satélite.
6. Buscar a liderança mundial em tecnologia de hypersonics, inclusive para usos militares.
7. Entregar ao setor comercial o acesso e as operações em órbitas baixas da Terra;
8. Iniciar debate sobre a inclusão de mais "parceiros privados e públicos" nas operações e financiamentos da Estação Espacial Internacional, inclusive prolongando sua vida útil. A decisão de operá-la só até 2024 poderá ser mudada. Mas ainda não se resolveu até quando ela poderá durar.
Fica, então, combinado: os negócios mais lucrativos vão para as empresas privadas ou, na melhor das hipóteses, para as parcerias público-privadas; e os grandes investimentos, pelo menos no início, correrão por conta dos recursos públicos. Correr riscos não é próprio das empresas privadas.
Por outro lado, para Walker, não se exclui a possibilidade de a China ser convidada para membro da estação. Isso jamais foi cogitado antes. Seria uma inequívoca demonstração de convivência pacífica entre EUA e China. A China já lançou em 2011 sua própria estação Tiangong-1, que deve cair na Terra em 2017. A estação Tiangong-2 subiu em 15 de setembro último e, em menos de um mês, já recebia dois Taikonautas chineses, que para lá voaram a bordo da espaçonave Shenzhou-11. Beijing já anunciou que a Tiangong-2 estárá aberta à cooperação com qualquer país do mundo – uma indireta ao procedimento seletivo dos EUA.
9. Todas as agências federais dos EUA deveriam elaborar planos sobre como usufruir dos "bens e desenvolvimentos espaciais" para a realização de suas funções específicas.
Mas sobre como o novo governo vai financiar a NASA, o plano de Walker silencia.
Contudo, ele reconhece: "Não é provável que alcancemos grandes novas cifras para o programa espacial no futuro, mesmo se conseguirmos o orçamento já fixado", disse Walker. E fez um apelo para que se "empacotem os recursos de toda a comunidade espacial", a fim de executar essas políticas. Não esclareceu, no entanto, como isso poderia ser feito.
Ele propôs a Trump que atribuísse uma função mais relevante à Lua nos planos da NASA. Atualmente, porém, o retorno de astronautas à superfície lunar não consta do programa de atividades da agência espacial dos EUA. Lá, hoje, só se pensa em Marte.
Apesar disso, Walker defende a Lua como escala básica para a exploração do espaço profundo. “Quando participei da Comissão Aldridge, fiquei convencido de que era essencial ter a Lua como parte de nossas missões a Marte e além", disse ele. A comissão foi criada em 2004 para estudar a implementação do programa Visão do Presidente George W. Bush para a Exploração Espacial. "Não posso falar em nome da campanha ou da equipe da transição, mas, pessoalmente, penso que ir à lua é vital para o programa de presença prolongada no espaço." Mas, convenhamos, ir a Marte dá muito mais Ibope, é mais espetacular e emocionante...
Trump priorizará a Defesa com especial impulso às ações militares no espaço, basta para isso que o Congresso o apoie, escreveu, em 11 de novembro, outro articulista do SpaceNews, Phillip Swarts. O jornalista foi taxativo: “A Defesa dos EUA vê na inesperada vitória de Trump a chance de ganhos sólidos. Wall Street presume que o presidente eleito cumprirá sua promessa de campanha de aumentar o orçamento da Defesa”. (5) Parte do aumento irá para programas espaciais militares, afirma Swards, baseado na opinião de “analistas”. Trump estaria muito preocupado com os planos espaciais militares da China e da Rússia. Walker e Peter Navarro, professor da Universidade da Califórnia-Irvine, são citados por Swarts como tendo dito que Trump prometeu aumentar os gastos com projetos militares no espaço, a fim de “reduzir nossas vulnerabilidades atuais e garantir que nossos comandos militares tenham as ferramentas espaciais de que precisam”.
Para Trump, cortar os recursos militares estimula os adversários dos EUA a mais agressões. Em setembro passado, discursando na Filadélfia, o agora Presidente eleito acusou o Presidente Obama de "supervisionar cortes profundos em nossas Forças Armadas, que serviram apenas para convidar a mais agressão" dos “adversários” dos EUA. Mas não se diz que agressões são essas. A julgar por tudo o que Trump e seus partidários mais próximos pregaram durante a campanha sobre esse assunto, não parece haver dúvidas de que a nova administração americana apostará todas as fichas possíveis na missão de tornar as Forças Armadas dos EUA ainda mais poderosas do que já são há muito tempo – com ênfase especial no poderio espacial. Isso seguramente incrementará a corrida armamentista nesta II Guerra Fria, ora avançando no espaço.
Trump poderá alegar que, com tal propósito, os EUA garantem sua liderança espacial global, que já detêm desde a missão Apollo, graças à qual astronautas americanos foram os primeiros a pisar na Lua – projeto carríssimo, cujos objetivos científicos – tão alardeados na época –, hoje parecem pouco convincentes, para não dizer obscuros. (6) Hoje, porém, os EUA já não estão em condições de garantir a atual meta ampliada de “exploração humana do sistema solar até o fim do século", para impulsionar desenvolvimentos tecnológicos com objetivos ainda maiores do que simplesmente levar astronautas a Marte. Quem colocaria a mão no fogo assegurando que os EUA podem dispor hoje da fortuna quase ilimitada gasta nos anos 60 com o projeto Apollo (1961-1972) e a Guerra do Vietnã (1965-1973), ao mesmo tempo? A era da fartura acabou. Impossível voltar atrás.
Não, definitivamente não serão ações bélicas que poderão garantir a liderança espacial dos EUA no mundo atual. Disso já se pode ter alto grau de certeza. Se Trump e sua equipe, de fato, pensarem e agirem assim, estarão tragicamente equivocados. E se insistirem nesse erro crasso, o máximo que conseguirão é entrar para a história como os principais responsáveis por um desastre de proporções e consequências inestimáveis para muitas gerações à frente e todo o nosso planeta – paradoxalmente, o único conhecido até agora como dotado de vida inteligente.
Mas Trump também questionou durante a campanha o papel dos EUA como “polícia do mundo”. Se isso for verdade, temos aí um sinal imperdível de sensatez, que urge aproveitar ao máximo para evitar o pior. Tanto a Rússia quanto a China fizeram questão de dizer a Trump, em mensagens urgentes, que desejam manter com o novo governo americano relações bilaterais sadias e de crescimento estável, em benefício de seus povos e do mundo inteiro.
O Presidente russo, Vladimir Putin, felicitou Trump pela eleição e se disse decidido a tirar as relações Rússia-EUA do estado crítico em que se encontram. O Presidente chinês, Xi Jinping, escreveu a Trump: “Dou grande importância às relações sino-americanas e estou ansioso para trabalhar com você, sem conflito e sem confrontação, com base nos princípios do respeito mútuo e da cooperação”.
Trump não rasga dinheiro. Logo, não perdeu sua sanidade mental. E, como Presidente dos EUA a partir de janeiro próximo, terá de optar entre duas alternativas: a que leva ao fortalecimento da paz global e a que nos condena ao abismo da guerra de extermínio. De sua escolha dependemos, em larga escala, todos nós, os mais de 7,2 bilhões de habitantes da Terra, e a própria Terra. Não votamos em Trump, mas é ele quem vai decidir por nós se, no fim dos quatro anos de seu mandato, estaremos ainda vivos ou todos mortos.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) Jonathan Schell (1943-2014), professor da Escola de Direito das Universidade de Yale, EUA. Autor de inúmeros livros sobre o perigo da guerra nuclear, publicados em vários idiomas.
2) What a Trump administration means for space, by Jeff Foust, SpaceNews, November 9, 2016. Ver em http://spacenews.com/what-a-trump-administration-means-for-space/.
3) O Globo, Economia, 14/11/2016, p. 18.
4) Ver também em.
5) Ver em: http://spacenews.com/trumps-defense-priorities-should-give-military-space-a-boost-provided-congress-goes-along/
6) DeGroot, Gerard, Dark Side of the Moon – The Magnificent Madness of the American Lunar Quest,Great Britain, Vintage Books, 2008. Já no prefácio o autor afirma: “A missão da Lua foi vendida como uma corrida que os EUA não poderam se dar ao luxo de perder – uma luta pela sobrevivência. Argumentou-se que desembarcar na Lua traria enorme benefício para toda a humanidade. Seria bom para a economia, para a política e para a alma. Alguns chegaram a sustentar que a missão acabaria até mesmo com as guerras.”
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Trump entre a paz e a guerra, inclusive no espaço
José Monserrat Filho *
“O mundo está doente. E não pode ser curado com as novas guerras dos EUA. Os caminhos da paz – adotados não como um objetivo distante, mas como uma necessidade prática no presente – são a única cura.” Jonatham Schell, O Inconcluso Século XX – A Crise das Armas de Destruição em Massa, Reino Unido: Verso, 2001, P. 105.(1)
O Presidente eleito dos Estados Unidos falou bem pouco, quase nada, sobre espaço e América Latina, em sua campanha eleitoral. (2) Outros temas relevantes tampouco lhe mereceram qualquer atenção. Trump não apresentou um programa de propostas e ações. Preferiu dar shows de acusações e ataques gratuitos, vulgaridades e frases de efeito para se tornar popular o mais rapidamente possível, a qualquer preço. Só faltou repetir o que já foi dito aqui no Brasil nos tristes idos de 1969: Às favas os escrúpulos. E também as ideias.
Vilipendiando o México e ignorando a América Latina, Trump, mesmo se fosse sem o querer, criou uma saia justa para a Presidente do Conselho das Américas (EUA), Susan Segal. Falando a O Globo, a Sra. Segal tentou pôr “panos quentes” nos destemperos de Trump e acabou provocando outro mal estar, ao dizer que “a América Latina será importante (para o novo Presidente) à medida que prepare sua equipe e se cerque de especialistas”. (3) Ou seja, a América Latina precisa se qualificar para ser bem recebida na Casa Branca. Antes disso, nem pensar.
Quanto ao espaço, Trump nomeou, há cerca de três semanas, Robert Walker, ex-congressista, como seu conselheiro para questões do espaço, e pediu que elaborasse um esboço de política espacial. Walker confessou que só há bem pouco tempo a campanha descobriu que precisava de uma política espacial. Apesar do tempo exíguo, anunciou já ter cumprido a tarefa. E elogiou o próprio plano, capaz de "real mudança" no espaço, atribuindo-lhe nada menos de quatro adjetivos: “visionário, perturbador, coordenador e invulnerável (resiliente)". (4)
Walker listou ainda os nove aspectos principais de seu plano:
1. “Compromisso com a liderança espacial global", produzindo "tecnologia, segurança e empregos", elementos indispensáveis aos EUA no século XXI (aos EUA e ao mundo inteiro);
2. Reativação do Conselho Nacional do Espaço, liderado pelo vice-presidente, para supervisionar todos os esforços do governo na área espacial, buscando eficiência e eliminando redundâncias. A última vez que o Conselho se reuniu foi durante o Governo George Bush.
3. “Exploração humana do sistema solar até o final do século", como “meta ampliada” para impulsionar avanços tecnológicos visando objetivos maiores do que só levar astronautas a Marte.
4. Aumento do orçamento da NASA, para cobrir voos ao “espaço profundo", não se limitando, como hoje, às ciências da Terra e às pesquisas climáticas. Certas missões da NASA nessas áreas seriam repassadas à National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). Ocorre que Trump jamais disse uma palavra sobre o polêmico tema do financiamento da NASA.
5. Desenvolvimento tecnológico de pequenos satélites que podem proporcionar poder de resistência aos militares, e também desenvolver tecnologias para serviços via satélite.
6. Buscar a liderança mundial em tecnologia de hypersonics, inclusive para usos militares.
7. Entregar ao setor comercial o acesso e as operações em órbitas baixas da Terra;
8. Iniciar debate sobre a inclusão de mais "parceiros privados e públicos" nas operações e financiamentos da Estação Espacial Internacional, inclusive prolongando sua vida útil. A decisão de operá-la só até 2024 poderá ser mudada. Mas ainda não se resolveu até quando ela poderá durar.
Fica, então, combinado: os negócios mais lucrativos vão para as empresas privadas ou, na melhor das hipóteses, para as parcerias público-privadas; e os grandes investimentos, pelo menos no início, correrão por conta dos recursos públicos. Correr riscos não é próprio das empresas privadas.
Por outro lado, para Walker, não se exclui a possibilidade de a China ser convidada para membro da estação. Isso jamais foi cogitado antes. Seria uma inequívoca demonstração de convivência pacífica entre EUA e China. A China já lançou em 2011 sua própria estação Tiangong-1, que deve cair na Terra em 2017. A estação Tiangong-2 subiu em 15 de setembro último e, em menos de um mês, já recebia dois Taikonautas chineses, que para lá voaram a bordo da espaçonave Shenzhou-11. Beijing já anunciou que a Tiangong-2 estárá aberta à cooperação com qualquer país do mundo – uma indireta ao procedimento seletivo dos EUA.
9. Todas as agências federais dos EUA deveriam elaborar planos sobre como usufruir dos "bens e desenvolvimentos espaciais" para a realização de suas funções específicas.
Mas sobre como o novo governo vai financiar a NASA, o plano de Walker silencia.
Contudo, ele reconhece: "Não é provável que alcancemos grandes novas cifras para o programa espacial no futuro, mesmo se conseguirmos o orçamento já fixado", disse Walker. E fez um apelo para que se "empacotem os recursos de toda a comunidade espacial", a fim de executar essas políticas. Não esclareceu, no entanto, como isso poderia ser feito.
Ele propôs a Trump que atribuísse uma função mais relevante à Lua nos planos da NASA. Atualmente, porém, o retorno de astronautas à superfície lunar não consta do programa de atividades da agência espacial dos EUA. Lá, hoje, só se pensa em Marte.
Apesar disso, Walker defende a Lua como escala básica para a exploração do espaço profundo. “Quando participei da Comissão Aldridge, fiquei convencido de que era essencial ter a Lua como parte de nossas missões a Marte e além", disse ele. A comissão foi criada em 2004 para estudar a implementação do programa Visão do Presidente George W. Bush para a Exploração Espacial. "Não posso falar em nome da campanha ou da equipe da transição, mas, pessoalmente, penso que ir à lua é vital para o programa de presença prolongada no espaço." Mas, convenhamos, ir a Marte dá muito mais Ibope, é mais espetacular e emocionante...
Trump priorizará a Defesa com especial impulso às ações militares no espaço, basta para isso que o Congresso o apoie, escreveu, em 11 de novembro, outro articulista do SpaceNews, Phillip Swarts. O jornalista foi taxativo: “A Defesa dos EUA vê na inesperada vitória de Trump a chance de ganhos sólidos. Wall Street presume que o presidente eleito cumprirá sua promessa de campanha de aumentar o orçamento da Defesa”. (5) Parte do aumento irá para programas espaciais militares, afirma Swards, baseado na opinião de “analistas”. Trump estaria muito preocupado com os planos espaciais militares da China e da Rússia. Walker e Peter Navarro, professor da Universidade da Califórnia-Irvine, são citados por Swarts como tendo dito que Trump prometeu aumentar os gastos com projetos militares no espaço, a fim de “reduzir nossas vulnerabilidades atuais e garantir que nossos comandos militares tenham as ferramentas espaciais de que precisam”.
Para Trump, cortar os recursos militares estimula os adversários dos EUA a mais agressões. Em setembro passado, discursando na Filadélfia, o agora Presidente eleito acusou o Presidente Obama de "supervisionar cortes profundos em nossas Forças Armadas, que serviram apenas para convidar a mais agressão" dos “adversários” dos EUA. Mas não se diz que agressões são essas. A julgar por tudo o que Trump e seus partidários mais próximos pregaram durante a campanha sobre esse assunto, não parece haver dúvidas de que a nova administração americana apostará todas as fichas possíveis na missão de tornar as Forças Armadas dos EUA ainda mais poderosas do que já são há muito tempo – com ênfase especial no poderio espacial. Isso seguramente incrementará a corrida armamentista nesta II Guerra Fria, ora avançando no espaço.
Trump poderá alegar que, com tal propósito, os EUA garantem sua liderança espacial global, que já detêm desde a missão Apollo, graças à qual astronautas americanos foram os primeiros a pisar na Lua – projeto carríssimo, cujos objetivos científicos – tão alardeados na época –, hoje parecem pouco convincentes, para não dizer obscuros. (6) Hoje, porém, os EUA já não estão em condições de garantir a atual meta ampliada de “exploração humana do sistema solar até o fim do século", para impulsionar desenvolvimentos tecnológicos com objetivos ainda maiores do que simplesmente levar astronautas a Marte. Quem colocaria a mão no fogo assegurando que os EUA podem dispor hoje da fortuna quase ilimitada gasta nos anos 60 com o projeto Apollo (1961-1972) e a Guerra do Vietnã (1965-1973), ao mesmo tempo? A era da fartura acabou. Impossível voltar atrás.
Não, definitivamente não serão ações bélicas que poderão garantir a liderança espacial dos EUA no mundo atual. Disso já se pode ter alto grau de certeza. Se Trump e sua equipe, de fato, pensarem e agirem assim, estarão tragicamente equivocados. E se insistirem nesse erro crasso, o máximo que conseguirão é entrar para a história como os principais responsáveis por um desastre de proporções e consequências inestimáveis para muitas gerações à frente e todo o nosso planeta – paradoxalmente, o único conhecido até agora como dotado de vida inteligente.
Mas Trump também questionou durante a campanha o papel dos EUA como “polícia do mundo”. Se isso for verdade, temos aí um sinal imperdível de sensatez, que urge aproveitar ao máximo para evitar o pior. Tanto a Rússia quanto a China fizeram questão de dizer a Trump, em mensagens urgentes, que desejam manter com o novo governo americano relações bilaterais sadias e de crescimento estável, em benefício de seus povos e do mundo inteiro.
O Presidente russo, Vladimir Putin, felicitou Trump pela eleição e se disse decidido a tirar as relações Rússia-EUA do estado crítico em que se encontram. O Presidente chinês, Xi Jinping, escreveu a Trump: “Dou grande importância às relações sino-americanas e estou ansioso para trabalhar com você, sem conflito e sem confrontação, com base nos princípios do respeito mútuo e da cooperação”.
Trump não rasga dinheiro. Logo, não perdeu sua sanidade mental. E, como Presidente dos EUA a partir de janeiro próximo, terá de optar entre duas alternativas: a que leva ao fortalecimento da paz global e a que nos condena ao abismo da guerra de extermínio. De sua escolha dependemos, em larga escala, todos nós, os mais de 7,2 bilhões de habitantes da Terra, e a própria Terra. Não votamos em Trump, mas é ele quem vai decidir por nós se, no fim dos quatro anos de seu mandato, estaremos ainda vivos ou todos mortos.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) Jonathan Schell (1943-2014), professor da Escola de Direito das Universidade de Yale, EUA. Autor de inúmeros livros sobre o perigo da guerra nuclear, publicados em vários idiomas.
2) What a Trump administration means for space, by Jeff Foust, SpaceNews, November 9, 2016. Ver em http://spacenews.com/what-a-trump-administration-means-for-space/.
3) O Globo, Economia, 14/11/2016, p. 18.
4) Ver também em
5) Ver em: http://spacenews.com/trumps-defense-priorities-should-give-military-space-a-boost-provided-congress-goes-along/
6) DeGroot, Gerard, Dark Side of the Moon – The Magnificent Madness of the American Lunar Quest,Great Britain, Vintage Books, 2008. Já no prefácio o autor afirma: “A missão da Lua foi vendida como uma corrida que os EUA não poderam se dar ao luxo de perder – uma luta pela sobrevivência. Argumentou-se que desembarcar na Lua traria enorme benefício para toda a humanidade. Seria bom para a economia, para a política e para a alma. Alguns chegaram a sustentar que a missão acabaria até mesmo com as guerras.”
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domingo, 13 de novembro de 2016
"Tudo pronto para a guerra no espaço?", artigo de José Monserrat Filho
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Tudo pronto para a guerra no espaço?
José Monserrat Filho *
“Lembrem-se de sua humanidade e esqueçam o resto.” Manifesto Russell-Einstein, de 9 de julho de 1955. (1)
A inesperada ascensão de Donald Trump à Casa Branca assustou o mundo. A grande mídia chamou o fenômeno de nova era da incerteza, como se hoje ou ontem tivéssemos a certeza de alguma coisa. Qual é, afinal, o verdadeiro Trump? O das violentas maluquices ditas e repetidas durante a campanha eleitoral ou o das promessas de paz e amor, feitas no discuso da vitória?
Noam Chomsky, famoso linguista e cientista político americano, acertou na mosca: “Surpreendeu-me a irrelevância dos fatos. Já não importa se o dito é certo ou falso. A verdade é irrelevante. Trump é um mestre nisso. Foi espantoso ver como não importava quão loucas eram as coisas que ele dizia.” (2) O conteúdo não interessa. Entra por um ouvido e sai pelo outro.
Mas, ao festejar o triunfo, Trump parece ter sido sincero, embora contraditório. Certamente faltou-lhe o hábito da franqueza e sobrou-lhe o vício do jogo trapaceiro das palavras. Afirmou ele: “Quero dizer à comunidade mundial que sempre colocaremos os interesses dos Estados Unidos acima de todos os demais, mas lidaremos de forma justa com todo mundo, todos os povos e todas as nações. Buscaremos terreno comum, não hostilidade, parceria, não conflito.” (3)
Cabe perguntar: Pode um país – e, em particular, o país mais rico e poderoso da Terra – colocar sempre seus interesses acima de todos os demais e, simultaneamente, tratar de modo justo os outros povos e países? Ou ainda, pode um país – ao outorgar a seus próprios interesses uma posição privilegiada no concerto das nações e, portanto, ao partir do pressuposto de que tais interesses são, em princípio, inegociáveis, não podendo ser objeto de qualquer concessão, ainda que pequena – dedicar-se, efetivamente e de boa fé, à busca, na relação com os outros países, de um terreno comum de cooperação, de não hostilidade, de real parceria e não conflito?
A inflexibilidade e desrespeito às demais nações não condizem com os princípios da soberania, da igualdade de direitos e da autodeterminação de todos os países, pedra angular do Direito Internacional, calcado na Carta das Nações Unidas, em pleno vigor, ratificada por 193 países, entre os quais os próprios EUA. (4) Imagine o que Trump pensa do Direito e da Justiça.
A Carta, no Artigo 55 do Capítulo IX, sobre Cooperação Internacional Econômica e Social, reza: “Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efetivo à raça, sexo, língua ou religião.”
Um dos propósitos das Nações Unidas (Artigo 1) é “desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal”, inclusive no espaço exterior. E o Artigo 2 determina que todos os países devem “evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força” contra qualquer nação, ou qualquer ato “incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”. Trump, convém lembrar, nunca falou de paz mundial em toda a campanha. Republicano, mantém estreitas relações com o complexo industrial militar, que fatura altíssimo criando novos armamentos. Mais de 200 almirantes e generais apoiaram sua candidatura, como ele mesmo disse. (5) Dai a relevância da questão que examinamos a seguir.
Se não impedirmos o uso da força no espaço, as órbitas do nosso planeta logo logo chegarão a uma situação crítica, adverte o Índice de Segurança Espacial – ISE 2016 (Space Security Index – SSI 2016), recém-lançado nos EUA, já em sua 13ª edição. Essa publicação nos dá a primeira e única avaliação anual, abrangente e integrada da segurança espacial no século XXI.
O objetivo do ISE é facilitar o diálogo sobre os desafios da segurança espacial e suas potenciais respostas, fornecendo os fatos e dados necessários para lastrear e orientar um debate de inestimável importância. O relatório avalia os desenvolvimentos e atividades do ano anterior – no caso, 2015 – com base em quatro indicadores dos níveis de segurança no espaço: sustentabilidade ambiental; acesso e uso do espaço; tecnologias para a segurança espacial; e governança espacial. O objetivo é captar as mais relevantes tendências e mudanças. (6)
A presente edição impressiona pelas revelações sobre “a crescente ênfase conferida ao espaço como teatro de guerra”, ou seja, como campo de batalha. O comentário é de Jéssica West, gerente do Projeto Ploughshares, think tank canadense de pesquisas sobre a paz e a segurança. (7)
O Projeto tem excelentes parceiros: Fundação Simons, Colúmbia Britânica, Canadá; Instituto de Direito Aéreo e Espacial da Universidade McGill, Montreal, Canadá; Instituto de Política Espacial da Universidade George Washington, EUA; Escola de Direito e Unidade de Pesquisa sobre Direito Militar e Ética, Austrália; e Faculdade de Direito da Universidade Xi'an Jiaotong, China.
As principais conclusões do ISE 2016 são, segundo o Space Daily, de 8 de novembro (8):
1. As maiores potências seguem desenvolvendo e demonstrando capacidade de construir armas anti-satélite;
2. Crescem as tensões militares no espaço, em consequência de controvérsias, como as que se verificam hoje no Mar do Sul da China e na Europa Oriental (neste item, claro, haverá que distinguir entre litígios provocados e litígios reais);
3. As estratégias militares em alguns países passam por mudanças, inclusive visando ao uso mais agressivo do espaço como teatro de guerra;
4. São raros os mecanismos destinados a restringir o uso da força no espaço;
5. A comunidade internacional não concordou até hoje com as diretrizes mais básicas sobre as atividades espaciais.
O orçamento de estabilidade espacial foi substituído por outro que apoia programas geradores de instabilidade e conflito. Essa informação é a mais significativa dos relatórios do SSI feitos até hoje, ressalta Theresa Hitchens, pesquisadora do Centro de Estudos Internacionais e de Segurança da Universidade de Maryland, EUA, e antiga consultora do Projeto Ploughshares.
Jana Robinson, do Instituto de Estudos de Segurança de Praga, por sua vez, sustenta que persistem as ameaças tradicionais decorrentes do ambiente espacial – como o aumento de detritos nocivos, a concorrência por radiofrequências, interferência de sinal e tempo espacial. Hoje, enfrenta-se "crescente variedade de ameaças multidimensionais", de atores tanto estatais como não-estatais, projetadas para negar ou comprometer outros benefícios do espaço.
Refletindo sobre o potencial de confrontos militares na Terra espalhados pelo espaço, Robinson se pergunta se a comunidade global está preparada para gerenciar uma situação ativa anti-espaço e a provável negação de serviços espaciais. E responde: "É quase certo que não". (9)
As ações para um país negar a outro o uso do espaço teriam, de imediato, efeitos em cascata. Produziriam mais lixo espacial. Mas o pior poderia vir depois: a eliminação de satélites de enorme utilidade para a Terra. Em 2007 – em claro recado aos EUA, dentro da lógica do “veja bem, nós também temos” –, a China realizou uma demonstração anti-satélite: destruiu um satélite próprio já desativado, criando imensa nuvem de detritos, que atingiu órbitas da Terra muito usadas. (10)
Outro fato alarmante: ainda não se tem clareza e segurança sobre se e como um conflito bélico espacial, uma vez deflagrado, pode ser contido. Nos jogos de guerra, ataques a satélites são capazes de gerar confrontos graves e imprevisíveis, alerta Laura Grego, da Union of Concerned Scientists (União de Cientistas Preocupados, fundada em 1969), dos EUA. (11)
Ocorre que o espaço é indispensável não só para os militares e para quem opera estratégias de ataque e defesa, muito embora – no espaço, em especial – já se saiba perfeitamente que a melhor defesa é o ataque e que o ataque é a melhor defesa...
Não por acaso, em 2013, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou resolução proposta por um grupo de nações, inclusive o Brasil, concitando todos os países a não serem os primeiros a instalarem armas no espaço, e proibindo a instalação em órbitas da Terra de novos tipos de armas de destruição em massa. (12)
O espaço é hoje essencial ao dia-a-dia na Terra, para a indústria, o desenvolvimento humano, a segurança de todos os países, o monitoramento e a proteção do meio ambiente, a prevenção, o enfrentamento e a mitigação de desastres naturais e provocados, bem como o acompanhamento, o estudo e a resolução dos problemas da economia mundial. Tudo isso tornou-se dependente dos dados e benefícios espaciais, como bem indica o ISE 2016.
O ISE 2016 nos dá também acesso a importantes cifras das atividades espaciais do mundo, em 2015. Havia, então, 1.419 satélites ativos; 70 programas espaciais civis; 87 tentativas de lançamento de satélites por sete Estados; 190 espaçonaves individuais lançadas; 56 Estados proprietários de satélites; mais de 2.000 vidas salvas graças ao programa Cospas-Sarsat (13); os novos investimentos em projetos espaciais envolveram algo em torno de US $ 1,5 bilhão; e a indústria de satélites faturou 208 bilhões de dólares norte-americanos. (14)
Daí a conclusão para lá de óbvia do próprio relatório: “Manter um ambiente operacional seguro e estável no espaço é imperioso para todos.”
Resta saber o que o Presidente Trump pensa e fará a respeito, a fim de recuperar a grandeza de seu país, como ele não cansa de dizer.
Referências
1) O Manifesto – assinado por Beltrand Russel (1872-1970) e Albert Einstein (1879-1955) e mais nove cientistas de projeção mundial – alertava a opinião pública mundial para o perigo e as consequências de uma guerra nuclear: “Esta sombria perspectiva da raça humana está além de qualquer precedente. A humanidade encontra-se perante uma clara escolha: ou adquirimos um pouco de sensatez, ou iremos todos perecer. Uma reviravolta do pensamento político terá que acontecer para que seja evitado o desastre final.” O documento foi dado a público em Londres, no dia 9 de julho de 1955. Einstein falecera em 18 de abril daquele mesmo ano. Também firmaram o Manifesto: Max Born (1882-1970), Percy W. Bridgman (1882-1961), Leopold Infeld (1898-1968), Frédéric Joliot-Curie (1900-1958), Hermann J. Muller (1890-1967), Linus Pauling (1901-1994), Cecil F. Powell (1903-1969), Joseph Rotblat (1908-2005) e Hideki Yukawa (1907-1981). Leia a íntegra do manifesto em http://www.sbfisica.org.br/fne/Vol6/Num1/pugwash.pdf.
2) Ver em http://www.other-news.info/noticias/2016/11/en-estados-unidos-la-guerra-civil-aun-no-termino/.
3) Folha de S. Paulo, Íntegra do discurso de Donald Trump, 10/11/2016, p. A19.
4) https://nacoesunidas.org/carta/.
5) Folha de S. Paulo, Íntegra do discurso de Donald Trump, 10/11/2016, p. A19.
6) http://spacesecurityindex.org/.
7) http://www.spacedaily.com/reports/Ready_for_crisis_in_outer_space_999.html.
8) Idem Ibidem.
9) Idem Ibidem.
10) http://opiniaoenoticia.com.br/internacional/china-testa-missil-e-destroi-satelite/.
11) https://www.google.com.br/#q=union+of+concerned+scientists.
12) http://brazilianspace.blogspot.com.br/2014/12/nao-ser-o-primeiro-instalar-armas-no. Html e/ou http://www.un.org/press/en/2014/gadis3514.doc.htm.
13) https://www.cospas-sarsat.int/en/.
14) http://www.spacedaily.com/reports/Ready_for_crisis_in_outer_space_999.html.
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Tudo pronto para a guerra no espaço?
José Monserrat Filho *
“Lembrem-se de sua humanidade e esqueçam o resto.” Manifesto Russell-Einstein, de 9 de julho de 1955. (1)
A inesperada ascensão de Donald Trump à Casa Branca assustou o mundo. A grande mídia chamou o fenômeno de nova era da incerteza, como se hoje ou ontem tivéssemos a certeza de alguma coisa. Qual é, afinal, o verdadeiro Trump? O das violentas maluquices ditas e repetidas durante a campanha eleitoral ou o das promessas de paz e amor, feitas no discuso da vitória?
Noam Chomsky, famoso linguista e cientista político americano, acertou na mosca: “Surpreendeu-me a irrelevância dos fatos. Já não importa se o dito é certo ou falso. A verdade é irrelevante. Trump é um mestre nisso. Foi espantoso ver como não importava quão loucas eram as coisas que ele dizia.” (2) O conteúdo não interessa. Entra por um ouvido e sai pelo outro.
Mas, ao festejar o triunfo, Trump parece ter sido sincero, embora contraditório. Certamente faltou-lhe o hábito da franqueza e sobrou-lhe o vício do jogo trapaceiro das palavras. Afirmou ele: “Quero dizer à comunidade mundial que sempre colocaremos os interesses dos Estados Unidos acima de todos os demais, mas lidaremos de forma justa com todo mundo, todos os povos e todas as nações. Buscaremos terreno comum, não hostilidade, parceria, não conflito.” (3)
Cabe perguntar: Pode um país – e, em particular, o país mais rico e poderoso da Terra – colocar sempre seus interesses acima de todos os demais e, simultaneamente, tratar de modo justo os outros povos e países? Ou ainda, pode um país – ao outorgar a seus próprios interesses uma posição privilegiada no concerto das nações e, portanto, ao partir do pressuposto de que tais interesses são, em princípio, inegociáveis, não podendo ser objeto de qualquer concessão, ainda que pequena – dedicar-se, efetivamente e de boa fé, à busca, na relação com os outros países, de um terreno comum de cooperação, de não hostilidade, de real parceria e não conflito?
A inflexibilidade e desrespeito às demais nações não condizem com os princípios da soberania, da igualdade de direitos e da autodeterminação de todos os países, pedra angular do Direito Internacional, calcado na Carta das Nações Unidas, em pleno vigor, ratificada por 193 países, entre os quais os próprios EUA. (4) Imagine o que Trump pensa do Direito e da Justiça.
A Carta, no Artigo 55 do Capítulo IX, sobre Cooperação Internacional Econômica e Social, reza: “Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efetivo à raça, sexo, língua ou religião.”
Um dos propósitos das Nações Unidas (Artigo 1) é “desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal”, inclusive no espaço exterior. E o Artigo 2 determina que todos os países devem “evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força” contra qualquer nação, ou qualquer ato “incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”. Trump, convém lembrar, nunca falou de paz mundial em toda a campanha. Republicano, mantém estreitas relações com o complexo industrial militar, que fatura altíssimo criando novos armamentos. Mais de 200 almirantes e generais apoiaram sua candidatura, como ele mesmo disse. (5) Dai a relevância da questão que examinamos a seguir.
Se não impedirmos o uso da força no espaço, as órbitas do nosso planeta logo logo chegarão a uma situação crítica, adverte o Índice de Segurança Espacial – ISE 2016 (Space Security Index – SSI 2016), recém-lançado nos EUA, já em sua 13ª edição. Essa publicação nos dá a primeira e única avaliação anual, abrangente e integrada da segurança espacial no século XXI.
O objetivo do ISE é facilitar o diálogo sobre os desafios da segurança espacial e suas potenciais respostas, fornecendo os fatos e dados necessários para lastrear e orientar um debate de inestimável importância. O relatório avalia os desenvolvimentos e atividades do ano anterior – no caso, 2015 – com base em quatro indicadores dos níveis de segurança no espaço: sustentabilidade ambiental; acesso e uso do espaço; tecnologias para a segurança espacial; e governança espacial. O objetivo é captar as mais relevantes tendências e mudanças. (6)
A presente edição impressiona pelas revelações sobre “a crescente ênfase conferida ao espaço como teatro de guerra”, ou seja, como campo de batalha. O comentário é de Jéssica West, gerente do Projeto Ploughshares, think tank canadense de pesquisas sobre a paz e a segurança. (7)
O Projeto tem excelentes parceiros: Fundação Simons, Colúmbia Britânica, Canadá; Instituto de Direito Aéreo e Espacial da Universidade McGill, Montreal, Canadá; Instituto de Política Espacial da Universidade George Washington, EUA; Escola de Direito e Unidade de Pesquisa sobre Direito Militar e Ética, Austrália; e Faculdade de Direito da Universidade Xi'an Jiaotong, China.
As principais conclusões do ISE 2016 são, segundo o Space Daily, de 8 de novembro (8):
1. As maiores potências seguem desenvolvendo e demonstrando capacidade de construir armas anti-satélite;
2. Crescem as tensões militares no espaço, em consequência de controvérsias, como as que se verificam hoje no Mar do Sul da China e na Europa Oriental (neste item, claro, haverá que distinguir entre litígios provocados e litígios reais);
3. As estratégias militares em alguns países passam por mudanças, inclusive visando ao uso mais agressivo do espaço como teatro de guerra;
4. São raros os mecanismos destinados a restringir o uso da força no espaço;
5. A comunidade internacional não concordou até hoje com as diretrizes mais básicas sobre as atividades espaciais.
O orçamento de estabilidade espacial foi substituído por outro que apoia programas geradores de instabilidade e conflito. Essa informação é a mais significativa dos relatórios do SSI feitos até hoje, ressalta Theresa Hitchens, pesquisadora do Centro de Estudos Internacionais e de Segurança da Universidade de Maryland, EUA, e antiga consultora do Projeto Ploughshares.
Jana Robinson, do Instituto de Estudos de Segurança de Praga, por sua vez, sustenta que persistem as ameaças tradicionais decorrentes do ambiente espacial – como o aumento de detritos nocivos, a concorrência por radiofrequências, interferência de sinal e tempo espacial. Hoje, enfrenta-se "crescente variedade de ameaças multidimensionais", de atores tanto estatais como não-estatais, projetadas para negar ou comprometer outros benefícios do espaço.
Refletindo sobre o potencial de confrontos militares na Terra espalhados pelo espaço, Robinson se pergunta se a comunidade global está preparada para gerenciar uma situação ativa anti-espaço e a provável negação de serviços espaciais. E responde: "É quase certo que não". (9)
As ações para um país negar a outro o uso do espaço teriam, de imediato, efeitos em cascata. Produziriam mais lixo espacial. Mas o pior poderia vir depois: a eliminação de satélites de enorme utilidade para a Terra. Em 2007 – em claro recado aos EUA, dentro da lógica do “veja bem, nós também temos” –, a China realizou uma demonstração anti-satélite: destruiu um satélite próprio já desativado, criando imensa nuvem de detritos, que atingiu órbitas da Terra muito usadas. (10)
Outro fato alarmante: ainda não se tem clareza e segurança sobre se e como um conflito bélico espacial, uma vez deflagrado, pode ser contido. Nos jogos de guerra, ataques a satélites são capazes de gerar confrontos graves e imprevisíveis, alerta Laura Grego, da Union of Concerned Scientists (União de Cientistas Preocupados, fundada em 1969), dos EUA. (11)
Ocorre que o espaço é indispensável não só para os militares e para quem opera estratégias de ataque e defesa, muito embora – no espaço, em especial – já se saiba perfeitamente que a melhor defesa é o ataque e que o ataque é a melhor defesa...
Não por acaso, em 2013, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou resolução proposta por um grupo de nações, inclusive o Brasil, concitando todos os países a não serem os primeiros a instalarem armas no espaço, e proibindo a instalação em órbitas da Terra de novos tipos de armas de destruição em massa. (12)
O espaço é hoje essencial ao dia-a-dia na Terra, para a indústria, o desenvolvimento humano, a segurança de todos os países, o monitoramento e a proteção do meio ambiente, a prevenção, o enfrentamento e a mitigação de desastres naturais e provocados, bem como o acompanhamento, o estudo e a resolução dos problemas da economia mundial. Tudo isso tornou-se dependente dos dados e benefícios espaciais, como bem indica o ISE 2016.
O ISE 2016 nos dá também acesso a importantes cifras das atividades espaciais do mundo, em 2015. Havia, então, 1.419 satélites ativos; 70 programas espaciais civis; 87 tentativas de lançamento de satélites por sete Estados; 190 espaçonaves individuais lançadas; 56 Estados proprietários de satélites; mais de 2.000 vidas salvas graças ao programa Cospas-Sarsat (13); os novos investimentos em projetos espaciais envolveram algo em torno de US $ 1,5 bilhão; e a indústria de satélites faturou 208 bilhões de dólares norte-americanos. (14)
Daí a conclusão para lá de óbvia do próprio relatório: “Manter um ambiente operacional seguro e estável no espaço é imperioso para todos.”
Resta saber o que o Presidente Trump pensa e fará a respeito, a fim de recuperar a grandeza de seu país, como ele não cansa de dizer.
Referências
1) O Manifesto – assinado por Beltrand Russel (1872-1970) e Albert Einstein (1879-1955) e mais nove cientistas de projeção mundial – alertava a opinião pública mundial para o perigo e as consequências de uma guerra nuclear: “Esta sombria perspectiva da raça humana está além de qualquer precedente. A humanidade encontra-se perante uma clara escolha: ou adquirimos um pouco de sensatez, ou iremos todos perecer. Uma reviravolta do pensamento político terá que acontecer para que seja evitado o desastre final.” O documento foi dado a público em Londres, no dia 9 de julho de 1955. Einstein falecera em 18 de abril daquele mesmo ano. Também firmaram o Manifesto: Max Born (1882-1970), Percy W. Bridgman (1882-1961), Leopold Infeld (1898-1968), Frédéric Joliot-Curie (1900-1958), Hermann J. Muller (1890-1967), Linus Pauling (1901-1994), Cecil F. Powell (1903-1969), Joseph Rotblat (1908-2005) e Hideki Yukawa (1907-1981). Leia a íntegra do manifesto em http://www.sbfisica.org.br/fne/Vol6/Num1/pugwash.pdf.
2) Ver em http://www.other-news.info/noticias/2016/11/en-estados-unidos-la-guerra-civil-aun-no-termino/.
3) Folha de S. Paulo, Íntegra do discurso de Donald Trump, 10/11/2016, p. A19.
4) https://nacoesunidas.org/carta/.
5) Folha de S. Paulo, Íntegra do discurso de Donald Trump, 10/11/2016, p. A19.
6) http://spacesecurityindex.org/.
7) http://www.spacedaily.com/reports/Ready_for_crisis_in_outer_space_999.html.
8) Idem Ibidem.
9) Idem Ibidem.
10) http://opiniaoenoticia.com.br/internacional/china-testa-missil-e-destroi-satelite/.
11) https://www.google.com.br/#q=union+of+concerned+scientists.
12) http://brazilianspace.blogspot.com.br/2014/12/nao-ser-o-primeiro-instalar-armas-no. Html e/ou http://www.un.org/press/en/2014/gadis3514.doc.htm.
13) https://www.cospas-sarsat.int/en/.
14) http://www.spacedaily.com/reports/Ready_for_crisis_in_outer_space_999.html.
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domingo, 6 de novembro de 2016
"A privatização na segurança espacial dos EUA", artigo de José Monserrat Filho
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A privatização na segurança espacial dos EUA
José Monserrat Filho *
“A política de ampla transformação da ação estatal em atividades empresariais privadas, sobretudo nos setores de infraestrutura (energia, transportes e comunicações), e nas áreas prioritariamente reservadas pelo Estado do Bem-Estar Social – como educação, saúde e previdência social – acarretou um substancial enfraquecimento dos poderes de direção estatal da economia, e um correspondente fortalecimento do poder capitalista.” Fábio Konder Comparato, A Civilização Capitalista, 2013, p. 250. (1)
Myland Pride, Diretor de Assuntos de Governo e Legislativo da Intelsat (2), representa, desde 2014, os interesses dessa grande empresa privada dos Estados Unidos junto aos órgãos-chave do governo e de associações e grupos industriais, advogando e promovendo a inovação e o uso estratégico dos satélites comerciais de telecomunicações. Antes, serviu durante 24 anos na Força Aérea dos EUA, onde se aposentou como coronel. Oficial de carreira, trabalhou nas áreas nuclear e espacial, ocupando cargos de comando e de alto nível no Comando Espacial da Força Aérea, no Estado Maior Conjunto e no Escritório Nacional de Reconhecimento. É Mestre em Segurança Nacional e Estudos Estratégicos pela Escola de Guerra Naval dos EUA, e em Arte Operacional Militar e Ciência pela Universidade do Ar, também dos EUA. Participa ativamente de grupos de apoio (lobby) à indústria, como a Associação da Força Aérea, a Liga Naval, a Mesa Redonda de Negócios Espaciais de Washington e a Associação da Indústria de Satélites.
Myland Pride defende a necessidade de gestão do tráfego espacial. (3) Em outubro último, ele participou da Conferência de Tecnologia de Vigilância Espacial e Ótica Avançada, em Maui, Havaí, e depois, em artigo, se disse, mais uma vez, “impressionado com a revolução tecnológica que ocorre em tudo que se relaciona com o Conhecimento da Situação Espacial [Space Situational Awareness – SSA]”.
O SSA, para a Agência Espacial Europeia (ESA), visa detectar, prever e avaliar de modo autônomo os riscos à vida e à propriedade causados por detritos industriais, reentradas, explosões e desastres de lançamento, colisões em órbita, impactos de objetos próximos à Terra e os efeitos dos fenômenos meteorológicos nas infra-estruturas espaciais e terrestres. O SSA significa saber o que se passa no espaço, graças à capacidade independente de observar objetos e fenômenos naturais capazes de prejudicar a infra-estrutura espacial. (4) Na Europa, o programa recebeu 46,5 milhões de euros para o período de 2013-2016. Em 19 de outubro de 2015 – informou o SpaceNews –, o governo dos EUA anunciou o orçamento de cerca de US$ 6 bilhões para monitorar o espaço em tempo real até 2020, segundo o Escritório de Prestação de Contas do Governo. O Departamento de Defesa (Pentágono) ficaria com a maior parte, e a NASA, por exemplo, com apenas 10%. (5)
O SSA deveria ser pensado como serviço público global, para “o bem e o interesse de todos os países” (Art. 1º do Tratado do Espaço). Mas as grandes potências espaciais consideram o SSA como sistema independente, na base do “cada um por si” em sua criação e comando.
O instrumento precursor do SSA é a Convenção Relativa ao Registro de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico, de 1976, hoje ratificada por apenas 64 países e firmada por 4 outros. (6) O Brasil só aderiu a ela em 2006. A maioria dos países não a ratificou nem a assinou, por considerar insuficientes os dados exigidos sobre a verdadeira função de muitos objetos lançados ao espaço.
Mas Myland está interessado é na escolha do órgão que deve liderar o SSA nos EUA. Ele claramente prefere a Administração Federal de Aviação (Federal Aviation Administration – FAA), mais especificamente o seu Escritório de Transporte Espacial Comercial (Ofice of Space Commercial Transport), alijando, assim, a Força Aérea [Air Force] e o seu Centro de Operações Espaciais Conjuntas [Joint Space Operations Center – JspOC]. A escolha da FAA, claro, é mais conveniente para as empresas.
Apesar disso, Myland elogia a Força Aérea e o JspOC, em especial pelo apoio que ambos prestam à maioria dos países com programas espaciais, operadores comerciais globais, indústria e academia. E também pelos recursos que detêm e por seu foco na segurança nacional. Lembra que cerca de 90% dos alertas da JSpOC se aplicam a satélites comerciais ou internacionais, embora essa não seja sua função. E frisa que ninguém no mundo elabora melhor guia de indicações para evitar colisões e avaliar riscos do que o JspOC.
Salienta ainda que a Força Aérea realizou ótimo trabalho ao monitorar a SSA internacional, desde a colisão dos satélites Iridium 33 e Cosmos 2251, em 2009 (7), e ao catalogar de 18 mil a 22 mil detritos espaciais. Por que, então, não mantê-la à frente do SSA? Mayland trata de explicar: o Pentágono não quer mais ser polícia de trânsito do universo. Essa missão caberia agora à FAA [Federal Aviation Administration], mais ligada às empresas privadas.
Para Myland são muitos os argumentos a favor da FAA. Ele se esmera em expô-los:
1) Apoio da Associação da Indústria de Satélites, Federação de Vôos Comerciais, Associação da Indústria da Defesa Nacional e outras organizações similares;
2) “Como o valor das operações comerciais no espaço supera hoje o das ações do governo, é apropriado e faz sentido que a indústria participe de todas as soluções desenvolvidas para resolver a crítica questão.”
3) A Intelsat vai na vanguarda da promoção de maior colaboração entre indústria e governo com vistas ao SSA.
4) Apoio da Associação de Dados Espaciais, que tem por fim fazer os operadores de satélites partilharem dados que promovam a segurança dos voos espaciais.
5) Os membros da célula de integração comercial que trabalham com o JSpOC garantem a segurança dos vôos espaciais, limitam a interferência de freqüência de rádio e compartilham dados sobre outras questões, de benefício mútuo para o governo e os operadores comerciais.
6) É preciso uma regulamentação "inteligente", que só a FAA pode fazer.
7) A FAA entende seu papel de promover todos os voos espaciais, sem sufocar a indústria.
8) A indústria deve monitorar de perto qualquer marco regulatório.
9) Cerca de 1.400 satélites em órbita – quase metade deles comerciais ou internacionais – serão em breve acompanhados por centenas, talvez milhares de satélites em construção ou planejados. Entre eles, nanosats e cubesats menos ágeis, que representam desafios de navegação e ao SSA. Novas regras devem ser criadas com base na FAA para ordenar tais atividades.
10) A regulamentação deve apoiar a segurança dos voos espaciais, sem limitar a inovação.
11) As medidas de redução do lixo espacial aplicadas a um satélite geossincrônico podem ser diferentes das de uma constelação de nano-satélites em órbita baixa com pouca margem de manobra. Com a FAA à frente da regulamentação, podemos ter a um quadro global mais racional do que hoje.
Assim, a FAA deve assumir papel maior na segurança dos voos espaciais e no SSA. Com ela estarão as poderosas empresas do setor, orientando as decisões que efetivamente pesam.
Para Myland, é hora de mudança no espaço. Com esse título, ele publicou em outubro artigo sobre ideias discutidas na audiência do Subcomitê de Forças Estratégicas do Comitê de Serviços Militares da Câmara de Representantes, realizada em setembro, sob o tema geral “Segurança Nacional no Espaço: Desafios do Século XXI, Organização do Século XX”. (8)
Comentando o evento, Myland escreve: “Raras vezes em minha carreira vi uma frustração expressa tão abertamente sobre o ritmo de mudanças na área militar do espaço.” A seu ver, um dos destaques da audiência foi o reconhecimento de que “o Departamento de Defesa (DoD) não tem uma estrutura organizacional propícia ao desenvolvimento, supervisão, aquisição e lançamento de sistemas de segurança nacionais baseados no espaço”; “é necessário definir questões de aquisição, supervisão, gestão e requisitos do DoD”; “há que definir o melhor modo de estabelecer uma estrutura de liderança global ou uma agência mais bem equipada para adquirir, gerenciar, regular e supervisionar os programas espaciais do DoD”; e “há que criar uma forma melhor de definir como os gerentes de programas devem ser treinados, capacitados e incumbidos pelo DoD”;
No final, a oferta generosa de solução para a frustração e seus problemas: “a infraestrutura espacial comercial deve ser usada como complemento dos recursos de defesa e inteligência”. Ou, como esclareceu o deputado republicano Jim Bridenstine (9), membro do Comitê, fazendo uma analogia entre o espaço e o combustível usado pela Marinha: “A Marinha é totalmente dependente do combustível para realizar suas operações. Mas ela não perfura nem aperfeiçoa o óleo necessário à frota. O óleo vem de fora da Marinha. Do mesmo modo, o mercado comercial pode fornecer o "combustível" espacial, integrando seus sistemas com o DoD.”
Em tempo: onde se lê “mercado comercial”, pode-se ler “empresas privadas”.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) Fábio Konder Comparato (1936-) é Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Doutor em Direito pela Universidade de Paris e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.
2) Ver www.intelsat.com/about-us/overview/. Dona de cerca de 50 satélites, e de centros espaciais, a Intelsat considera-se a “a rede de comunicações mais extensa e segura do mundo”.
3) www.intelsatgeneral.com/blog/the-growing-necessity-for-space-traffic-management/.
4) www.esa.int/Our_Activities/Operations/Space_Situational_Awareness/About_SSA.
5) ttp://spacenews.com/planned-u-s-investment-in-space-awareness-is-6-billion-gao-says/.
6) Ver textos em www.sbda.org.br.
7) http://mundogeo.com/blog/2009/07/04/satelites-russo-e-norte-americano-colidem-no-espaco/.
8) http://www.intelsatgeneral.com/blog/the-time-is-now-for-change-in-space/.
9) http://bridenstine.house.gov/.
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A privatização na segurança espacial dos EUA
José Monserrat Filho *
“A política de ampla transformação da ação estatal em atividades empresariais privadas, sobretudo nos setores de infraestrutura (energia, transportes e comunicações), e nas áreas prioritariamente reservadas pelo Estado do Bem-Estar Social – como educação, saúde e previdência social – acarretou um substancial enfraquecimento dos poderes de direção estatal da economia, e um correspondente fortalecimento do poder capitalista.” Fábio Konder Comparato, A Civilização Capitalista, 2013, p. 250. (1)
Myland Pride, Diretor de Assuntos de Governo e Legislativo da Intelsat (2), representa, desde 2014, os interesses dessa grande empresa privada dos Estados Unidos junto aos órgãos-chave do governo e de associações e grupos industriais, advogando e promovendo a inovação e o uso estratégico dos satélites comerciais de telecomunicações. Antes, serviu durante 24 anos na Força Aérea dos EUA, onde se aposentou como coronel. Oficial de carreira, trabalhou nas áreas nuclear e espacial, ocupando cargos de comando e de alto nível no Comando Espacial da Força Aérea, no Estado Maior Conjunto e no Escritório Nacional de Reconhecimento. É Mestre em Segurança Nacional e Estudos Estratégicos pela Escola de Guerra Naval dos EUA, e em Arte Operacional Militar e Ciência pela Universidade do Ar, também dos EUA. Participa ativamente de grupos de apoio (lobby) à indústria, como a Associação da Força Aérea, a Liga Naval, a Mesa Redonda de Negócios Espaciais de Washington e a Associação da Indústria de Satélites.
Myland Pride defende a necessidade de gestão do tráfego espacial. (3) Em outubro último, ele participou da Conferência de Tecnologia de Vigilância Espacial e Ótica Avançada, em Maui, Havaí, e depois, em artigo, se disse, mais uma vez, “impressionado com a revolução tecnológica que ocorre em tudo que se relaciona com o Conhecimento da Situação Espacial [Space Situational Awareness – SSA]”.
O SSA, para a Agência Espacial Europeia (ESA), visa detectar, prever e avaliar de modo autônomo os riscos à vida e à propriedade causados por detritos industriais, reentradas, explosões e desastres de lançamento, colisões em órbita, impactos de objetos próximos à Terra e os efeitos dos fenômenos meteorológicos nas infra-estruturas espaciais e terrestres. O SSA significa saber o que se passa no espaço, graças à capacidade independente de observar objetos e fenômenos naturais capazes de prejudicar a infra-estrutura espacial. (4) Na Europa, o programa recebeu 46,5 milhões de euros para o período de 2013-2016. Em 19 de outubro de 2015 – informou o SpaceNews –, o governo dos EUA anunciou o orçamento de cerca de US$ 6 bilhões para monitorar o espaço em tempo real até 2020, segundo o Escritório de Prestação de Contas do Governo. O Departamento de Defesa (Pentágono) ficaria com a maior parte, e a NASA, por exemplo, com apenas 10%. (5)
O SSA deveria ser pensado como serviço público global, para “o bem e o interesse de todos os países” (Art. 1º do Tratado do Espaço). Mas as grandes potências espaciais consideram o SSA como sistema independente, na base do “cada um por si” em sua criação e comando.
O instrumento precursor do SSA é a Convenção Relativa ao Registro de Objetos Lançados ao Espaço Cósmico, de 1976, hoje ratificada por apenas 64 países e firmada por 4 outros. (6) O Brasil só aderiu a ela em 2006. A maioria dos países não a ratificou nem a assinou, por considerar insuficientes os dados exigidos sobre a verdadeira função de muitos objetos lançados ao espaço.
Mas Myland está interessado é na escolha do órgão que deve liderar o SSA nos EUA. Ele claramente prefere a Administração Federal de Aviação (Federal Aviation Administration – FAA), mais especificamente o seu Escritório de Transporte Espacial Comercial (Ofice of Space Commercial Transport), alijando, assim, a Força Aérea [Air Force] e o seu Centro de Operações Espaciais Conjuntas [Joint Space Operations Center – JspOC]. A escolha da FAA, claro, é mais conveniente para as empresas.
Apesar disso, Myland elogia a Força Aérea e o JspOC, em especial pelo apoio que ambos prestam à maioria dos países com programas espaciais, operadores comerciais globais, indústria e academia. E também pelos recursos que detêm e por seu foco na segurança nacional. Lembra que cerca de 90% dos alertas da JSpOC se aplicam a satélites comerciais ou internacionais, embora essa não seja sua função. E frisa que ninguém no mundo elabora melhor guia de indicações para evitar colisões e avaliar riscos do que o JspOC.
Salienta ainda que a Força Aérea realizou ótimo trabalho ao monitorar a SSA internacional, desde a colisão dos satélites Iridium 33 e Cosmos 2251, em 2009 (7), e ao catalogar de 18 mil a 22 mil detritos espaciais. Por que, então, não mantê-la à frente do SSA? Mayland trata de explicar: o Pentágono não quer mais ser polícia de trânsito do universo. Essa missão caberia agora à FAA [Federal Aviation Administration], mais ligada às empresas privadas.
Para Myland são muitos os argumentos a favor da FAA. Ele se esmera em expô-los:
1) Apoio da Associação da Indústria de Satélites, Federação de Vôos Comerciais, Associação da Indústria da Defesa Nacional e outras organizações similares;
2) “Como o valor das operações comerciais no espaço supera hoje o das ações do governo, é apropriado e faz sentido que a indústria participe de todas as soluções desenvolvidas para resolver a crítica questão.”
3) A Intelsat vai na vanguarda da promoção de maior colaboração entre indústria e governo com vistas ao SSA.
4) Apoio da Associação de Dados Espaciais, que tem por fim fazer os operadores de satélites partilharem dados que promovam a segurança dos voos espaciais.
5) Os membros da célula de integração comercial que trabalham com o JSpOC garantem a segurança dos vôos espaciais, limitam a interferência de freqüência de rádio e compartilham dados sobre outras questões, de benefício mútuo para o governo e os operadores comerciais.
6) É preciso uma regulamentação "inteligente", que só a FAA pode fazer.
7) A FAA entende seu papel de promover todos os voos espaciais, sem sufocar a indústria.
8) A indústria deve monitorar de perto qualquer marco regulatório.
9) Cerca de 1.400 satélites em órbita – quase metade deles comerciais ou internacionais – serão em breve acompanhados por centenas, talvez milhares de satélites em construção ou planejados. Entre eles, nanosats e cubesats menos ágeis, que representam desafios de navegação e ao SSA. Novas regras devem ser criadas com base na FAA para ordenar tais atividades.
10) A regulamentação deve apoiar a segurança dos voos espaciais, sem limitar a inovação.
11) As medidas de redução do lixo espacial aplicadas a um satélite geossincrônico podem ser diferentes das de uma constelação de nano-satélites em órbita baixa com pouca margem de manobra. Com a FAA à frente da regulamentação, podemos ter a um quadro global mais racional do que hoje.
Assim, a FAA deve assumir papel maior na segurança dos voos espaciais e no SSA. Com ela estarão as poderosas empresas do setor, orientando as decisões que efetivamente pesam.
Para Myland, é hora de mudança no espaço. Com esse título, ele publicou em outubro artigo sobre ideias discutidas na audiência do Subcomitê de Forças Estratégicas do Comitê de Serviços Militares da Câmara de Representantes, realizada em setembro, sob o tema geral “Segurança Nacional no Espaço: Desafios do Século XXI, Organização do Século XX”. (8)
Comentando o evento, Myland escreve: “Raras vezes em minha carreira vi uma frustração expressa tão abertamente sobre o ritmo de mudanças na área militar do espaço.” A seu ver, um dos destaques da audiência foi o reconhecimento de que “o Departamento de Defesa (DoD) não tem uma estrutura organizacional propícia ao desenvolvimento, supervisão, aquisição e lançamento de sistemas de segurança nacionais baseados no espaço”; “é necessário definir questões de aquisição, supervisão, gestão e requisitos do DoD”; “há que definir o melhor modo de estabelecer uma estrutura de liderança global ou uma agência mais bem equipada para adquirir, gerenciar, regular e supervisionar os programas espaciais do DoD”; e “há que criar uma forma melhor de definir como os gerentes de programas devem ser treinados, capacitados e incumbidos pelo DoD”;
No final, a oferta generosa de solução para a frustração e seus problemas: “a infraestrutura espacial comercial deve ser usada como complemento dos recursos de defesa e inteligência”. Ou, como esclareceu o deputado republicano Jim Bridenstine (9), membro do Comitê, fazendo uma analogia entre o espaço e o combustível usado pela Marinha: “A Marinha é totalmente dependente do combustível para realizar suas operações. Mas ela não perfura nem aperfeiçoa o óleo necessário à frota. O óleo vem de fora da Marinha. Do mesmo modo, o mercado comercial pode fornecer o "combustível" espacial, integrando seus sistemas com o DoD.”
Em tempo: onde se lê “mercado comercial”, pode-se ler “empresas privadas”.
* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e ex-Chefe da Assessoria Internacional do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Espacial Brasileira (AEB). E-mail: jose.monserrat.filho@gmail.com.
Referências
1) Fábio Konder Comparato (1936-) é Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Doutor em Direito pela Universidade de Paris e Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra.
2) Ver www.intelsat.com/about-us/overview/. Dona de cerca de 50 satélites, e de centros espaciais, a Intelsat considera-se a “a rede de comunicações mais extensa e segura do mundo”.
3) www.intelsatgeneral.com/blog/the-growing-necessity-for-space-traffic-management/.
4) www.esa.int/Our_Activities/Operations/Space_Situational_Awareness/About_SSA.
5) ttp://spacenews.com/planned-u-s-investment-in-space-awareness-is-6-billion-gao-says/.
6) Ver textos em www.sbda.org.br.
7) http://mundogeo.com/blog/2009/07/04/satelites-russo-e-norte-americano-colidem-no-espaco/.
8) http://www.intelsatgeneral.com/blog/the-time-is-now-for-change-in-space/.
9) http://bridenstine.house.gov/.
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