sexta-feira, 26 de outubro de 2012

"Também no Brasil, é tempo de eficácia no espaço sideral"


Tarcísio Takashi Muta

Criada em 1958 para viver na fronteira do conhecimento, a National Aeronautical and Space Administration (NASA) causou espanto em meados de 2011, quando aposentou a sua frota de imponentes ônibus espaciais. O motivo da inglória decisão foi logo atribuído aos percalços orçamentários então já descritos como pragas endêmicas – mas eternamente toleráveis —, pois aos olhos do povo, a ousadia científica justificava o empenho de gordas verbas públicas.

Se a grande crise que abalou os Estados Unidos da América em 2008 sepultou o modelo de investimentos a fundo perdido, a perfeita ancoragem da nave privada SpaceX Dragon à Estação Espacial Internacional, em maio de 2012, revelou outra face pouco conhecida da resposta que o pragmatismo da maior economia mundial oferece para resguardar sua liderança no ramo mais complexo e desafiador da ciência e da tecnologia contemporâneas.

Agora, a pauta de responsabilidades da NASA se projeta mais adiante, como no caso da missão do veículo robótico Curiosity ao solo de Marte. Para a autarquia, a circulação humana nas proximidades da Terra será responsabilidade de companhias privadas. Cargas entregues por naves não tripuladas já se tornam rotineiras e empresas como a Boeing, a Spacex e Sierra Nevada abiscoitaram, em 2012, contratos bilionários para construir naves com capacidade para levar e trazer de volta sete astronautas em missões com alcance lunar. Contarão para tanto com apoio financeiro do governo de Washington, que também se compromete a contratar um lote de voos que assegure a sobrevivência desses novos protagonistas, vencedores de uma competição aberta em 2004 e que reuniu ao todo sete interessados em prover viagens para além da atmosfera terrestre.

A mudança do modelo se apoia em subsídio? Sim. E qual é o problema? Ninguém mais contesta a necessidade de verbas públicas para suportar a evolução tecnológica de projetos desafiadores e relevantes para a evolução do conhecimento. Essa guinada na condução do projeto espacial aplicada no governo do presidente Barack Obama traz ao ambiente brasileiro uma lembrança e, sobretudo, uma sugestão para ser levada a sério. A lembrança tem a ver com a importância da continuidade de investimentos para o sucesso de empreendimentos de vanguarda.

O Brasil tomou a decisão de atacar o desafio espacial em 1961, num programa contemporâneo aos congêneres da Índia e do Japão. Passado meio século, a coleção de satélites lançados com êxito pelos indianos supera a casa dos sessenta e cinco, sendo o primeiro de 1975; enquanto isso, após começar discretamente em 1970, o retrospecto japonês alcança a marca de uma centena de lançamentos bem sucedidos, a maior parte levados com propulsores também desenvolvidos no país. O Brasil conseguiu lançar seis satélites, todos via foguetes estrangeiros.

A explicação para a discrepância é complexa, porém há fatores preponderantes. Um deles é a continuidade no investimento. As verbas dispendidas na atividade espacial pelo governo brasileiro oscilam em torno de R$ 200 milhões por ano – R$ 300 milhões nos últimos exercícios – tendo chegado a zero na época da inflação galopante. Enquanto isso o Japão destina US$ 2,5 bilhões anuais e a Índia se mantém estável na faixa de US$ 1 bilhão de dólares.

Outro é a marcante presença do setor privado. No Brasil ela é fragmentada e com a integração concentrada pelo governo, sendo que a prioridade à indústria local ainda se encontra no plano da retórica. Na Índia há uma fragmentação na presença privada, com uma forte mão do Estado, porém com uma política de indução ao fortalecimento da indústria local. Já no Japão, temos uma presença concentrada do setor privado, representado pelo grupo Mitsubishi.

A preferência de Brasília por solução estatizada para o ciclo da engenharia e da operação do programa espacial começa a ser quebrada, com a definição da Embraer como principal fornecedor do projeto Telebrás, que dotará o País com satélites próprios no caso das comunicações estratégicas – civis e para a defesa. Reconhecida como empresa de classe mundial, a Embraer representa uma possibilidade concreta de ação eficaz, sucedendo décadas de peripécias acabrunhantes.

É uma reviravolta oportuna para que o Brasil se mantenha no nível mais elevado do conhecimento. Destaque-se que a presente abertura para soluções trazidas por protagonistas do setor privado surge ao mesmo tempo das mudanças na NASA e nos Estados Unidos. Essa iniciativa do governo brasileiro abre perspectivas numa atividade que, até então, juntou sonhos e dissabores numa combinação decepcionante que perdurou por mais de cinco décadas.

A tecnologia feita com recursos continuados, dedicação e competência agradece!

N. da R.: Tarcísio Takashi Muta é engenheiro e presidente do Conselho de Administração da Atech.

Fonte: revista Tecnologia & Defesa nº 130, setembro-outubro de 2012.
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