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Relembrando os 10 anos da assinatura do tratado que deu origem ao projeto da Alcântara Cyclone Space (ACS), em 21 de outubro de 2003, o website Terra preparou uma extensa reportagem com um panorama da parceria espacial entre os dois países. O blog Panorama Espacial, na pessoa de seu editor, André M. Mileski, contribuiu com a reportagem dando algumas declarações.
Em breve, publicaremos no blog algumas análises sobre os principais mercados em que a ACS pretende atuar (um esboço em menor escala da análise pode ser lido em "Notícias da ACS e do Cyclone 4", postada em setembro), dando especial destaque à ascensão dos satélites geoestacionárias de propulsão elétrica e o segmento de satélites de órbita baixa.
A reportagem do Terra, em sua íntegra, está reproduzida abaixo:
Parceria entre Brasil e Ucrânia para lançar foguetes enfrenta atraso
21 de Outubro de 2013•08h01
Acordo dos países para lançar comercialmente foguetes de Alcântara (MA) tem sido contestado; primeiro voo está previsto para ocorrer em 2015
Dez anos depois, o projeto da empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS) ainda não decolou. Assinado em 21 de outubro de 2003, o acordo de cooperação a longo prazo entre Brasil e Ucrânia apresenta não apenas atraso no cronograma divulgado inicialmente, mas também elevação dos custos previstos e ceticismo quanto a seu modelo de ingresso no mercado internacional de lançamentos espaciais.
É difícil encontrar, no mundo, local melhor para uma base de lançamentos espaciais do que o município de Alcântara, no Maranhão. Como fica a apenas 2° ao sul da Linha do Equador – onde a velocidade de rotação da Terra é maior e, assim, o impulso natural para o voo do foguete também – oferece a possibilidade de realizar lançamentos para qualquer direção a partir de um único ponto. A economia de combustível é bastante significativa em comparação a outros centros de lançamento (com condições mais próximas há o de Kourou, na Guiana Francesa, 5° ao norte do Equador, utilizada pelas agências espaciais europeia e francesa, além da companhia Arianespace SA, da França).
Além disso, Alcântara é privilegiada com um vasto oceano à sua frente, o que diminui o valor do seguro, já que não há risco de o nariz do foguete, ejetado antes de atingir o espaço, cair em regiões habitadas. “Outra vantagem é a possibilidade de voos todo ano, sem estações preferenciais. Alcântara oferece todas as condições para um lançamento seguro”, garante José Monserrat Filho, chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB).
A localização geográfica é, portanto, o que o Brasil oferece de mais valioso. Da parte ucraniana, a contribuição é a tecnologia da família Cyclone. Em Alcântara, deverá ser lançado o Cyclone-4, sucessor do Cyclone-3, um bem sucedido foguete que funcionou de 1977 a 2009. Apesar de ser elogiado pela sua eficiência, o foguete ucraniano foi aposentado nos lançamentos espaciais europeus por utilizar como combustível propelentes hipergólicos, de alto potencial tóxico. No Cyclone-4, os combustíveis são tetróxido de nitrogênio e dimetil hidrazina, classificados pela União Europeia como altamente tóxicos e perigosos ao meio ambiente.
Meio ambiente
O possível dano ambiental causado pelo foguete é um dos pontos que motivou a criação de um abaixo-assinado propondo mudanças no acordo ou o seu destrato. O criador, Duda Falcão, que mantém o blog Brazilian Space, sugere que, além da utilização de propelentes menos danosos ao meio ambiente, a ACS seja transformada em uma empresa de capital misto (público e privado), com poder de veto a ambos países; que o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) e universidades parceiras participem no desenvolvimento do novo sistema de propulsão; que sejam criados mais convênios entre os dois países, com intercâmbios universitários e profissionais; e a ratificação de um acordo de salvaguardas tecnológicas com o governo norte-americano.
Retorno financeiro
André Mileski, editor do blog Panorama Espacial e editor-adjunto da revista Tecnologia & Defesa, é outro crítico do acordo nos moldes atuais. Ele defende a exploração comercial de Alcântara, mas sua opinião é de que o grande investimento do governo brasileiro na Alcântara Cyclone Space não terá o retorno desejado. “O problema é que a ACS, como foi criada, hoje acaba retirando recursos de outros projetos do Programa Espacial Brasileiro. Isto é, o orçamento está tendo que pagar uma iniciativa comercial que jamais vai se pagar”, opina.
Para ser competitivo em relação às demais alternativas, segundo Mileski, o preço de uma missão com o Cyclone-4 teria de ser incrivelmente baixo, o que não compensaria o dinheiro investido. Ele vê o foguete como grande demais para a maior parte dos satélites que integram o plano espacial brasileiro e pequeno demais para missões mais específicas. “Para compensar, a ACS diz que o foguete poderá lançar mais de um satélite em uma missão. Mas primeiro precisa encontrar outros passageiros, e para isso o preço tem que ser muito competitivo, algo muito abaixo de US$ 50 milhões, pois atualmente há opções mais confiáveis e baratas na China e Rússia.”
Conflito entre projetos
Monserrat, da AEB, não vê o Cyclone-4 como conflitante em relação a outros projetos como o Veículo Lançador de Satélites (VLS), projeto de desenvolvimento de um foguete brasileiro. “A base do projeto Cyclone não é cientifica nem de transferência de tecnologia, mas sim comercial. As duas partes chegaram à conclusão de que se você utilizar o Cyclone-4, que vem de uma família muito eficiente, a partir de uma base como Alcântara, essa é uma forma de entrar no mercado comercial de lançamentos de maneira segura, econômica e competitiva”, garante. Já o VLS engloba o desenvolvimento de toda a tecnologia exigida para um lançamento. “É fruto ainda do primeiro programa espacial brasileiro. Inclui o foguete VLS-1 e quatro satélites, dois por funcionamento remoto. É uma missão composta por todas as atividades necessárias para uma missão espacial”, conclui.
Nas duas primeiras tentativas de lançamento, em 1997 e 1999, falhas exigiram que o comando acionasse a autodestruição do VLS-1 logo após iniciar o voo. Na terceira tentativa, em 2003, uma ignição prematura fez com que o foguete explodisse dias antes do lançamento, matando 21 técnicos que estavam na plataforma. O projeto foi reestruturado, passando a contar com consultoria russa, e o próximo lançamento do foguete, na sua quarta versão, está previsto para meados de 2014, embora ainda não conte com os recursos necessários e sofra de sucessivos atrasos no cronograma .
Paralisações
De acordo com Sergiy Guchenkov, diretor comercial da Alcântara Cyclone Space, o projeto é desenvolvido em três frentes. De responsabilidade total da Ucrânia é o foguete Cyclone-4, o qual, segundo Guchenkov, está 78% pronto. De responsabilidade da empresa, está a construção do sítio de lançamento, cujas obras civis encontram-se 48% acabadas. Da parte do Brasil, está a infraestrutura geral do Centro de Lançamento de Alcântara.
Cronograma
Esses números não correspondem à previsão original. Luiz Inácio Lula da Silva, presidente na época em que o acordo foi firmado, esperava ver o primeiro lançamento do Cyclone-4 ainda como chefe do executivo – o prazo inicial para o voo era até o final de 2010. Imprevistos e percalços orçamentários fizeram com que as obras paralisassem em alguns momentos. Entre 2008 e 2009, o impasse ficou por conta de uma disputa judicial entre a ACS, que pretendia transformar toda a península de Alcântara em um parque tecnológico, e comunidades quilombolas, representadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que reivindicaram parte da área. A empresa binacional teve de abrir mão desse território. “Houve também dificuldade para conseguir uma licença para iniciar as obras, porque a região faz parte da Amazônia Legal, com regras muito rígidas”, completa Guchenkov.
Mais recentemente, as paralisações ocorreram em decorrência de atraso no envio de recursos e em homologações. “Existe o compromisso dos dois países de fornecer recursos financeiros, e, devido a burocracias, às vezes o dinheiro atrasa. Tudo isso impactou de maneira bastante considerável”, explica o diretor comercial da ACS. Segundo ele, o prazo oficial de lançamento do foguete, para o final de 2014, é bastante otimista. “O prazo mais provável é que o Cyclone-4 seja lançado em 2015, já em caráter comercial. Temos dois contratos, com uma empresa japonesa e uma italiana, para esse primeiro voo. O foguete já tem uma história e deve levar ao espaço muitos satélites”, conta Guchenkov.
Investimento
Ainda segundo informações de Sergiy Guchenkov, cada país já investiu mais de US$ 200 milhões na ACS. Em meados deste ano, a assembleia geral da empresa resolveu aumentar o capital de US$ 487 milhões para US$ 918 milhões – injeção monetária que será dividida igualitariamente entre Brasil e Ucrânia. Motivo suficiente para deixar André Mileski ainda mais cético quanto ao retorno financeiro. “As margens de lucro de cada missão de lançamento são muito pequenas, na casa de um dígito, então você pode imaginar quantos lançamentos seriam necessários para ter algum retorno. Eu acompanho esse projeto há mais de dez anos e lembro-me bem que, no início da década de 2000, falava-se em um investimento de US$ 180 milhões”, recorda.
Fonte: Portal Terra Brasil.
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terça-feira, 22 de outubro de 2013
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2 comentários:
Recapitulando:
Por ocasião da assinatura do acordo a ACS planejava gastar aproximadamente 180 milhões (US$) para preparar o sítio de lançamento em Alcântara e adaptar o foguete Ciclone 3 para lançamento a partir desta plataforma. E, estimou realizar um primeiro lançamento até 2010.
Fast forward: em 2013 já foram gastos aproximadamente 400 milhões (US$) e a estimativa atual de data do primeiro lançamento é 2015. E, estima-se gastar adicionalmente 500 milhões (US$), chegando portanto próximo a 1bilhão (US$).
Ressalte-se que tanto a estimativa original quanto a estimativa atual de gastos e de prazos foram elaborados pelo mesmo grupo. Ou a estimativa inicial foi artificialmente deflacionada para tornar o programa politicamente palatável ou simplesmente cometeu-se um monumental erro de cálculo.
Não será nenhuma surpresa se, passados mais dois anos, a estimativa de custos for duplicada novamente; para 2 bilhões (US$) e a data de lançamento for projetada para o final da década.
Incógnitas e surpresas estão ainda a espreita. Nem o Brasil, nem a Ucrânia operam ou operaram bases de lançamento de veículos lançadores espaciais. (Os foguetes produzidos pela Ucrânia, em parceria com a Rússia são lançados a partir de bases de lançamento russas e operadas por russos). A curva de aprendizagem desta arte e técnica é íngreme e está ainda por ser trilhada.
A operacionalização de “range safety” não parece igualmente equacionada e/ou resolvida. O custo anual de operação desta função pode facilmente chegar a algumas dezenas de milhões (US$), ou ultrapassar uma centena. Esta função deve necessariamente ser realizada pelo controlador do espaço aéreo. Tais gastos não serão obviamente bancados pelas receitas oriundas da ACS.
Às insistentes questões relativas a um plano de negócios (comercial) a ACS acena com contratos de lançamento de dois satélites experimentais de pequeno porte de empresas italiana e japonesa. O valor destes contratos não é divulgado, entretanto seria surpreendente se ultrapassar a cifra de 1 milhão (US$), uma quantia pífia comparada com o montante dispendido no empreendimento.
A questão dos propelentes utilizados continua relevante e sem uma resposta adequada: apesar do desempenho técnico razoável, os riscos tanto para o meio ambiente quanto para as populações vizinhas á base de lançamento não justificam o seu uso mesmo em programas que já os operam há muito tempo e já incorreram nos custos de implantação dos meios de proteção. Estes mesmos programas já estão abandonando esta trilha. Não há justificativa plausível para um programa que está agora sendo implantado seguir nesta direção.
A justificativa de necessidade estratégica é igualmente impalatável.
http://www.alcantaracyclonespace.com/index.php?option=com_content&task=view&id=72&Itemid=132&name=brazilian%20party&lng=2&style=vert_indent
Estimados Mileski e Sr Desconhecido
Eu sempre manifesto minha preocupação com a segurança. No caso de falhas, o “nariz” obviamente seria o de menos, os riscos de impactos em regiões ambientais e populosas podem ser relevantes. Caberia a AEB apresentar os estudos de análise de riscos demonstrando o contrário. Pode parecer estranho, mas essas análises nunca foram feitas ou divulgadas.
Em relação à missão, se deveria ser um “plano de negócios comercial” ou para atender estrategicamente o programa de satélites brasileiros, também nunca me pareceu claro.
Um plano de negócios deveria apresentar uma lista mínima, com razoável potencial de viabilidade, com cartas de intenções (LOIs) que demonstrasse capacidade de retornar parte dos investimentos nos primeiros anos. Veja que os parceiros no Brasil são o MCT e a AEB, que não podem, ou ao menos não deveriam, atuar como parceiros executores como mostra a página da ACS.
Por outro lado, se o objetivo é estratégico minimamente deveria demonstrar preocupação com a inclusão de competências brasileiras e ucranianas. Por enquanto, os parceiros desenvolvedores são órgãos centrais do governo, que nem poderiam estar atuando como executores, como o fazem segundo a página da ACS. Envolver outros atores com recursos e pessoas no negócio é obviamente fundamental para a sustentabilidade e inovação.
Enfim, todos querem uma solução para os serviços de lançamentos, mas a forma com que recursos públicos estão sendo drenados não parece razoável ou suficientemente transparente.
Abraços
Décio
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