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Arapongagem na base de foguetes
Agentes da Abin sugerem que o Centro de Lançamentos de Alcântara foi espionado por franceses
TIAGO PARIZ, RICARDO BRITO E MIRELLA D´ELIA
Da equipe do Correio
Boias de captação de dados sigilosos instaladas em locais suspeitos e comunidades de quilombolas com conhecimento técnico e específico sobre lançamento de foguetes espaciais. Num mercado que gira US$ 1 bilhão por ano e já foi expressão da corrida tecnológica na Guerra Fria entre Estados Unidos e Rússia, a sombra de espionagem é cada vez maior. Com esse roteiro na cabeça, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) garante ter coletado indícios de que a Base de Alcântara, no Maranhão, foi espionada por franceses.
No Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), há uma base militar e uma área reservada à Alcântara Cyclone Space, uma empresa binacional Brasil-Ucrânia, comandada pelo ex-ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, filiado ao PSB. Próximo da costa, foram encontradas, em outubro do ano passado, as boias que carregavam equipamentos de telemetria capazes de captar e enviar dados à distância. Foi a terceira vez. Como a disputa entre os países é a cada centímetro pela capacidade de possuir tecnologia própria para colocar satélites em órbita, os arapongas concluíram, preliminarmente, que esses equipamentos estavam sendo monitorados “possivelmente por um grupo de franceses”, segundo fontes do setor que leram o documento da Abin.
As boias são de fabricação japonesa e espanhola. Elas transmitem dados via satélite e por ondas VHF e UHF. Uma das pessoas que teve acesso ao informe da Abin foi Roberto Amaral. Ele teve conhecimento dos dados da espionagem durante uma reunião no começo de março. Procurado pelo Correio, Amaral negou o encontro e a informação recebida. Como há toda uma trama internacional, o governo brasileiro trata o assunto com a máxima delicadeza. O documento da Abin não faz qualquer menção a governos, mas a grupos.
Os militares brasileiros vendem a Base de Alcântara como o local mais adequado para se lançar um foguete, por estar mais próxima da Linha do Equador, mais ainda do que a Guiana Francesa, onde está instalada a Agência Especial Europeia. Quanto mais próximo da linha que divide a Terra em duas metades, menos combustível o veículo gasta para chegar ao espaço por percorrer uma distância menor. O governo brasileiro estima que se possa economizar até 30% do valor de colocar um satélite em órbita quando a base estiver funcionando. No papel, então, há uma clara competição entre Alcântara e a Agência Espacial Europeia. Por isso, o cuidado extra do setor de inteligência e dos militares.
A sombra da espionagem ronda o CLA desde a explosão, em agosto de 2003, do terceiro protótipo do Veículo Lançador de Satélites (VLS), que matou 21 pessoas. Jamais se provou nada e o episódio ficou creditado a uma fatalidade. O fracasso com o VLS foi um baque para o governo, que patina nas tentativas de retomar o programa espacial. A Cyclone espera lançar seu primeiro foguete em julho do ano que vem. O problema é que esse cronograma já foi atrasado diversas vezes por uma disputa de terras com os quilombolas.
No fim do ano passado, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheceu o direito dos quilombolas a 65% do território do município de Alcântara, de 115 mil hectares. A suspeita apurada pelos arapongas é a de que organizações não-governamentais (ONGs) que atuam na defesa dos direitos das comunidades negras venham recebendo nos últimos anos contribuições de entidades estrangeiras para emperrar propositadamente o programa espacial. Os serviços de inteligência do Exército e da aeronáutica também investigam essa suposta sabotagem financeira.
“Sabotagem”
Funcionários do serviço espacial brasileiro relatam que alguns líderes das comunidades demonstram conhecimento sobre técnicas de lançamento de foguetes além do esperado para pessoas humildes. Servidores da Abin infiltrados na região estranharam o incomum conhecimento de algumas lideranças quilombolas sobre detalhes técnicos do programa espacial brasileiro. Os arapongas descobriram ainda que o líder de uma das comunidades da região vive na Praia do Calhau, o famoso ponto turístico de São Luís, distante 50km de Alcântara.
Em fevereiro de 2008, os quilombolas bloquearam as estradas de acesso à Base de Alcântara, expulsaram técnicos e apreenderam as máquinas e isso causou um prejuízo ao cronograma de lançamento do foguete brasileiro ucraniano, segundo o diretor-geral da Cyclone. Houve uma negociação com os quilombolas e Amaral. “Hoje, temos uma excelente relação com os quilombolas. Antes não considerávamos a importância deles. Eu tinha que ter tido competência para saber que o bom relacionamento com a comunidade ia pesar”, afirmou Amaral. A Cyclone espera lançar o primeiro foguete em julho de 2010.
O ministro da bomba
Vice-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral foi ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004, no primeiro governo do presidente Lula. Ficou mais conhecido pelas declarações sobre a bomba atômica do que por sua atuação à frente da pasta, apesar de ter permanecido um ano na função. Em entrevista à BBC, em janeiro de 2003, ele causou polêmica ao dizer que concordava com a ideia de que o Brasil deveria buscar o conhecimento necessário para a fabricação da bomba atômica. “Nós somos contra a proliferação nuclear, nós somos signatários do tratado de não-proliferação (de armas nucleares), mas não podemos renunciar ao conhecimento científico”, afirmou o então ministro.
Também foi na gestão dele que aconteceu a maior tragédia do setor espacial brasileiro: em agosto de 2003, o Veículo Lançador de Satélites (VLS) explodiu na Base de Alcântara (MA), matando 21 pessoas. Amaral pediu demissão em janeiro de 2004, antecipando-se à reforma ministerial. Na época, segundo auxiliares diretos, ele disse estar em busca de uma “saída honrosa”. Estaria se sentindo desrespeitado com as reiteradas notícias de que seria demitido.
R$ 1,2 milhão com viagens
Alcântara Cyclone Space, criada pelo Brasil e Ucrânia, banca até deslocamento de deputado e aumenta despesa em 10 vezes entre 2007 e 2008
Mirella D’Elia
Da equipe do Correio
Segunda empresa binacional do país, a Alcântara Cyclone Space (ACS) nasceu há menos de dois anos, mas já tem contas de gente grande — especialmente no que diz respeito a diárias e viagens nacionais e internacionais. Criada pelos governos do Brasil e da Ucrânia para inserir os dois países no mercado mundial de lançamento de satélites, que movimenta mais de US$ 1 bilhão por ano, ela já gastou R$ 1,2 milhão com deslocamentos de técnicos, diretores e conselheiros, entre 2007 e 2009. No tratado firmado entre os dois países, cabe ao Brasil cuidar da infraestrutura do Centro de Lançamento de Alcântara (MA) e à Ucrânia tratar do desenvolvimento do foguete Cyclone-4.
Os gastos com viagens e diárias da ACS, sediada em Brasília, cresceram 10 vezes somente entre 2007 e 2008, saltando de R$ 87 mil para R$ 800 mil. Só este ano, já foram utilizados R$ 325 mil. Isso inclui uma viagem no fim de março à Ucrânia. Mesmo sem ter qualquer laço formal com a empresa, o deputado Ribamar Alves (PSB-MA) integrou o grupo que foi até a ex-república soviética para participar de reunião do conselho administrativo.
Presidente da Frente Parlamentar em defesa de Alcântara, o parlamentar do PSB viajou a convite da agência aeroespacial ucraniana, com tudo pago pela binacional — que recebe dinheiro dos governos brasileiro e ucraniano. A binacional já recebeu US$ 72 milhões dos US$ 105 milhões previstos para serem repassados pelos dois países. O governo brasileiro repassou US$ 50 milhões e o ucraniano, US$ 22 milhões. O valor gasto com o deputado não foi revelado pelo diretor-geral da ACS no Brasil, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, vice-presidente do PSB. “A passagem foi econômica. Não sei quanto foi. E se soubesse, não diria a você”, declarou Amaral, na última terça-feira. O ex-ministro disse que está preocupado com as despesas. Por causa disso, o estatuto da ACS será modificado para que as reuniões sejam feitas por videoconferência.
Atraso
Segundo Amaral, o deputado Ribamar Alves participou da reunião como “observador” e também foi a encontros com integrantes da agência aeroespacial ucraniana para tratar de questões políticas. “É natural que haja essa parceria. Estamos todos preocupados com o atraso no cronograma (para o lançamento do foguete). O programa espacial está ameaçadíssimo”, disse Amaral. Procurado pelo Correio, o deputado afirmou que a presença dele no país era fundamental para defender o programa espacial brasileiro. “Tínhamos que levar segurança para o governo ucraniano”, afirmou.
Além de ser dirigida, no Brasil, pelo vice-presidente do PSB, a Alcântara Cyclone Space tem em seus quadros pessoas ligadas ao partido. A chefe de gabinete de Amaral é Patrícia Patriota, filha do deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE). “Aqui, o critério é currículo. Ela é uma expert no setor”, disse o ex-ministro. “Quanto ao deputado, é natural que seja presidente da Frente Parlamentar. O PSB conduz o Ministério de Ciência e Tecnologia desde o primeiro dia do mandato do presidente Lula. Tornou-se uma marca nessa área”, completou.
Fonte: Jornal Correio Braziliense, via NOTIMP de 11/04/2009.
Comentário: a história da "espionagem" do Centro de Lançamento de Alcântara foi noticiada pela Folha de S. Paulo no início de fevereiro. Para ler a reportagem, clique aqui.
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sábado, 11 de abril de 2009
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2 comentários:
alguém se habilita a especialista aeroespacial para trabalhar no gabinete da ACS?
Probidade-Falta discernimento no trato dos interesses da Nação, das verbas publicas,dos bens publicos e moralidade publica, dos interesses privados, tanto por parte dos politicos como por parte dos cidadãos. Talvez com educação de qualidade,para todos, sem privilegios e impunidades para alguns, teremos uma Nação mais justa e democratica.
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