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Reproduzimos abaixo um novo artigo de José Monserrat Filho, chefe de cooperação internacional da Agência Espacial Brasileira, enviado ao blog pelo autor. O artigo trata do Centro de Lançamento de Alcântara, destacando o seu momento atual, com a reconstrução da torre do VLS, a binacional Alcântara Cyclone Space, e abordando também outras iniciativas do Programa Espacial Brasileiro, como satélites de comunicações. Novamente, a exemplo do artigo divulgado semana passada ("Precisa-se de engenheiros espaciais"), o novo texto do Prof. Monserrat traz algumas informações inéditas e relevantes:
O Renascimento de Alcântara
José Monserrat Filho *
Já visitei o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) três vezes, ao longo de 15 anos. A primeira vez ocorreu em 1996 – eu era o editor do Jornal da Ciência, da SBPC, e estudioso do direito espacial. A segunda, nos idos de março de 2004, mais precisamente no dia 24, quarta-feira, por ocasião da 4ª Reunião Regional da SBPC¹ realizada na Universidade Estadual do Maranhão, em São Luís. E a terceira, agora, em 28 de julho de 2011, como convidado do Presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Marco Antônio Raupp, para integrar a comitiva do Ministro da Defesa, Nelson Jobim, em visita especial (e histórica) ao CLA.²
Creio ter algo a relatar sobre a evolução do centro, desde sua paralisia nos anos 90.
Em 2004, participavam da visita o então presidente da SBPC, Ennio Candotti; o então secretário regional da SBPC, Antônio de Oliveira; o professor da PUC/RJ e ex-diretor da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Anselmo Pasqua; e o engenheiro Murilo Marques Barbosa, então assessor especial do Ministro da Defesa, José Viegas Filho. Éramos um grupo muito interessado nos graves problemas que o Programa Espacial Brasileiros enfrentava.
Ainda estávamos sob o impacto do fatídico acidente ocorrido seis meses antes, em 22 de agosto de 2003, no CLA, na plataforma de lançamento do VLS-1, na véspera da terceira tentativa de enviá-lo ao espaço, quando perderam a vida 21 técnicos e engenheiros³.
Atônito com o que vira, escrevi, em 25 de março de 2004, o artigo “Base de Alcântara, uma riqueza ainda muito pouco explorada”4. Contei que fôramos “regiamente conduzidos e tratados pelo diretor do CLA, Coronel Francimar Nogueira Ventura, que se desdobrou para atender aos nossos questionamentos, com o auxílio de toda a sua equipe local”; ele nos apanhara no hotel, em São Luís, bem cedo pela manhã e nos trouxera de volta no fim do dia, acompanhando-nos o tempo todo. A hospitalidade era “a melhor possível”. O melancólico vazio do CLA é que impressionava.
O Coronel Francimar fez questão de nos mostrar tudo, a começar pelo local da tragédia. Diante daquele monte de ferros retorcidos que lembravam uma nesga do apocalipse, procurou nos esclarecer como se dera a explosão. Era, claro, a explicação técnica dos fatos. Atrás deles – sabíamos nós –, havia a longa história das deficiências e da falta de apoio governamental, que, ao longo de anos, levaram ao desastre como um lento rastro de pólvora.
O ponto a que tínhamos chegado
Daí que, no artigo, eu clamava: “Chegamos, como nunca antes, à hora da verdade. E ainda estamos nela, até inspirados no relatório sobre os resultados da investigação do terrível acidente. Tornou-se absolutamente imprescindível abrir à opinião pública a plenitude dos nossos problemas, deficiências e dificuldades. A realidade dói, mas é com ela que se constrói um novo rumo, mais seguro, mais produtivo e mais promissor, sem esquecer as conquistas do passado – muitas e fundamentais a seu tempo.”
E dizia mais:
“O que nos deixa aturdidos e perplexos é a complexidade dos problemas que cercam e atrasam o desenvolvimento do CLA, de valor incalculável no mundo de hoje.
“Pergunto-me quantos países se sentiriam felicíssimos se pudessem contar com uma base de lançamentos espaciais tão bem localizada e tão privilegiada quanto a de Alcântara. Muitos, com certeza, a começar por vários países avançados do Hemisfério Norte, com importantes atividades espaciais, mas com centros de lançamento que encarecem os voos.
“O fato concreto e por todos os motivos lamentável é que o Centro de Alcântara, onde o país já investiu centenas de milhões de dólares, continua subutilizado. Tudo o que de bom já fizemos com ele, seguramente representa uma percentagem mínima do muito que poderíamos ter feito, se tivéssemos há mais tempo tentado, com mais determinação e conhecimento de causa, aproveitar seu imenso potencial.
“Mas não se trata de chorar o leite derramado. Sem ignorar os erros do passado, há que enfrentar o dia de hoje e de amanhã. O CLA está ali, esperando por nossas iniciativas, nosso dinamismo, nossa criatividade. Ele é denso de possibilidades. Tem tudo para ser um dos melhores, mais eficientes e mais seguros centros de lançamento do mundo. E pode ser também um grande centro de pesquisas científicas e tecnológicas, além de um grande centro formador de recursos humanas em área de ponta.
“Ter tanto e aproveitar (relativamente) tão pouco – isso no mundo atual tem um nome duro e amargo: desperdício. Um luxo que um país pleno de carências como o Brasil não tem o direito de se permitir. Felizmente, há notícias e indícios importantes de que nos altos escalões do Governo federal há gente empenhada em mudar essa situação – sensatamente, moralmente e economicamente – insustentável.
“Já perdemos tempo demais. É hora de agir com toda a urgência possível e impossível. O grande futuro de Alcântara está nas mãos da presente geração de brasileiros responsáveis e empreendedores.”
Alcântara, sete anos depois
Na manhã de quinta-feira passada, 28 de julho de 2011, desembarquei no CLA com a mesma “ânsia natural e revitalizada de identificar sinais dessa renovação”, como assinalara em 2004.
Vi um centro bem diferente daquele de 2004. Há avanços e conquistas palpáveis, importantes obras em andamento, confiança no presente e no futuro. O clima é de franco otimismo. Mudança da água para o vinho.
A nova Torre Móvel de Integração (TMI), praticamente pronta, erguida no mesmo lugar da plataforma destruída em 2003, deve ser inaugurada no início de 2012. Custou R$ 44 milhões. A interligação dos sistemas eletrônicos e de comunicação está sendo concluída. Testam-se os equipamentos eletrônicos e a integração dos sistemas de comunicação da TMI com a Casamata, responsável pelo monitoramento e preparação dos foguetes antes de cada lançamento.
Inaugurou-se oficialmente a nova e moderna Sala de Controle dos lançamentos do CLA, construída em três anos e já várias vezes testada, que acompanha todas as etapas de um lançamento, bem como a segurança de voo, telemedidas e localização. Sistemas digitais substituíram os analógicos, otimizando o rastreio dos foguetes e reduzindo a chance de interferências nos lançamentos. Toda a comunicação de dados segue agora por fibra ótica que evita interferências.
No ato de inauguração, simulou-se o funcionamento de toda a Sala de Controle – telemedidas, rastreio e monitoramento de voo.
Modernizou-se também a sala da Casamata. A renovação abrange o sistema de radar e o setor de meteorologia. Além do mais, o CLA foi dotado de um sistema de perfiladores de vento com tecnologia que permite nova dinâmica na avaliação dos ventos verticais.5
Assim – garante o atual diretor do CLA, Coronel Ricardo Rodrigues Rangel –, o centro estará preparado para promover, em 2012, o primeiro voo de qualificação do novo foguete brasileiro, o VSL, modificado graças à cooperação com a Rússia.6
A relevância da empresa Alcântara Cyclone Space (ACS)
Os pontos centrais do Programa Espacial Brasileiro são o CLA e o programa da empresa Alcântara Cyclone Space (ACS), declarou o Ministro Jobim para quem ainda tinha alguma dúvida.
O presidente da AEB, Marco Antônio Raupp, bateu na mesma tecla: “Os dois pontos fundamentais do Programa Espacial Brasileiro são o CLA e a ACS. Em 2012, o CLA deverá lançar o novo VLS, e a ACS, o foguete Cyclone 4.
Em visita à Ucrânia (4-8 de julho), à frente de uma missão técnica, Raupp conheceu a tecnologia usada no Cyclone 4 e voltou “muito otimista”. A fabricação do foguete está bem adiantada. A parte brasileira deve acelerar a construção das instalações no CLA a ele destinadas .
Satélites geoestacionários, maior autonomia e maior orçamento
A visita ministerial ao CLA buscou conseguir novos recursos para o Programa Espacial Brasileiro como um todo, afirmou o Ministro Jobim, até porque em janeiro deste ano houve um corte de R$ 50 milhões no orçamento destinado à C&T; resultado: o CLA reduziu de 14 para sete o número de lançamentos previstos para 2011.
Os ministros visitantes concordaram com dois pontos essenciais: 1) a forte base tecnológica já instalada no CLA permite efetuar lançamentos complexos; e 2) isso exige novos recursos financeiros para completar a capacidade operacional do CLA.
Não por acaso, a visita foi definida como “a base do relatório para solicitarmos novos investimentos à Presidente Dilma Rousseff”. Sabe-se que ela assumiu as atividades espaciais como uma das maiores prioridades de seu governo, ao lado das áreas nuclear e de informática. O Ministro Paulo Bernardo acredita que “a presidente Dilma dará luz verde aos novos investimentos”.
Aliás, o Ministério da Defesa já tem pronta a exposição sobre a necessidade inadiável de dois satélites geoestacionários estratégicos de comunicações, a ser apresentada à Presidente. Os dois satélites, com lançamentos planejados para 2014 e 2019, demandam, obviamente, investimentos de monta. A ideia é de comprá-los de uma das empresas internacionais do setor, mediante licitação. Mas o Ministro das Comunicações fez questão de ressaltar: “No futuro, criaremos nossos próprios satélites geoestacionários.”
Mais áreas de lançamento, mais fontes de riqueza
O excelente sobrevoo de helicóptero oferecido aos visitantes sobre a zona do CLA atual e toda a região norte de Alcântara, às margens do Oceano Atlântico, deixou clara a possibilidade de se ampliar de três para 15 o número de áreas de lançamento. A região é praticamente desabitada, não parece favorecer a agricultura e pode, sim, ser objeto de acordo com os habitantes de Alcântara para que eles tenham acesso ao mar quando não houver lançamentos programados.
Esse é um dos melhores locais do planeta para todo tipo de lançamento espacial. Podemos e devemos aproveitá-lo com competência e urgência. É riqueza natural inestimável, capaz de favorecer a própria Alcântara, o Estado do Maranhão, a região Nordeste e o Brasil inteiro.
Resumo e apelo da história
Estamos diante de um renascimento de Alcântara. Não temos nem mais um minuto a perder.
* Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da AEB
Referências
1) Os Ministros Paulo Bernardo, das Comunicações, e Moreira Franco, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, também participaram da visita organizada pelo Ministério da Defesa às instalações do CLA. Da AEB, além do Presidente Marco Antônio Raupp, estavam o Diretor de Satélites, Aplicações e Desenvolvimento, Thyrso Villela, e o Diretor de Transporte Espacial e Licenciamento, Nilo Sergio de Oliveira Andrade, ex-Diretor do CLA.
2) Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), criada em 1948.
3) Todos pertenciam aos quadros do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), então vinculado ao Centro Técnico Aeroespacial (CTA) – hoje Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), subordinado ao Comando da Aeronáutica.
4) Publicado no JC e-mail nº 2491 (Jornal da Ciência eletrônico da SBPC), edição de 25 de março de 2004.
5) Ver: http://panoramaespacial.blogspot.com/.
6) Jornal “O Estado do Maranhão”, de 29/07/2011.
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