domingo, 16 de dezembro de 2012
"Direito Espacial para Empresas Espaciais do Brasil ", artigo de José Monserrat Filho
Direito Espacial para Empresas Espaciais do Brasil
José Moserrat Filho *
“Um setor espacial comercial robusto e competitivo é vital para o progresso contínuo no espaço.” Política Espacial dos EUA, lançada em 28 de junho de 2010 pelo Presidente Barak Obama¹
A Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), através de seu Núcleo de Estudos de Direito Espacial (NEDE), decidiu criar um curso de Direito Espacial especial para executivos das empresas espaciais brasileiras, ainda no primeiro semestre de 2013. A ideia foi aprovada na reunião de 14 de dezembro, quando se discutiu o desenvolvimento da indústria espacial como a maior prioridade do novo Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).
Os integrantes do NEDE/SBDA consideram que, diante da intensa internacionalização dos empreendimentos e negócios espaciais, as empresas brasileiras do setor precisam conhecer, com urgência e em seus detalhes operacionais mais decisivos, as normas e práticas internacionais que hoje movimentam as atividades espaciais, tanto no âmbito público, quanto, em especial, no âmbito privado. Dominar o mais possível as principais teorias, técnicas e fórmulas jurídicas utilizadas na arena política e nos mercados globais é de extrema importância para nossas empresas se habilitarem a defender com máxima eficácia seus interesses neste campo profundamente competitivo.
O novo PNAE estabelece quatro ações estratégicas de apoio à indústria: “Organizar e fortalecer a cadeia produtiva da indústria espacial; Dominar as tecnologias críticas necessárias ao nosso desenvolvimento; e Ampliar o mercado de produtos e serviços espaciais.” Todas essas ações dependem, em larga medida, de atuação internacional bem preparada e competente.
Estamos, pois, em pleno território da comercialização das atividades espaciais², fenômeno inaugurado em 1962 com o lançamento do Telstar-1, o primeiro satélite de telecomunicações construído pelas empresas norte-americanas AT&C e Bell Telephone.
Logo, como já previa no começo dos anos 90 a Dra. H. L. Van Traa-Engelman, da Holanda, “considerações baseadas em perspectivas comerciais são hoje muitas vezes decisivas do processo que antecede a apropriação dos recursos financeiros necessários à abertura de novas áreas de aplicações espaciais, ou para cobrir avanços nas áreas existentes”.³
O novo PNAE está ciente disso: “Nossa indústria espacial deve ser capaz de lançar novos produtos com valor agregado. Precisamos de empresas prime-contractors – aquelas competentes para desenvolver sistemas completos. Elas têm tudo para adensar as cadeias produtivas, atraindo pequenas e médias empresas; promover o surgimento de novos fornecedores; cativar parceiros de outras áreas industriais; e buscar novos mercados no exterior.”
A conquista de novos parceiros e a busca de novos mercados no exterior exige alto nível de destreza e imaginação no domínio das informações qualificadas, bem como das legislações e costumes em vigor, internacionais e locais.
O PNAE frisa ainda: “A cooperação espacial em forma de parceria só faz crescer no mundo inteiro. Ela facilita e incrementa os investimentos, divide custos e riscos, aumenta a quantidade de projetos, impulsiona a abertura de novos mercados, dinamiza a indústria e lhe dá sustentabilidade, amplia a segurança e a confiabilidade dos produtos e serviços, resolve problemas regionais e globais.” Mas não basta cooperar, é preciso saber cooperar.4 Isso, na prática, significa negociar e assinar programas, instrumentos e contratos5 que expressem de forma efetiva a igualdade das partes no reconhecimento de seus interesses legítimos e no compartilhamento de benefícios.
O curso pretendido deverá se concentrar, sem dúvida, nos aspectos econômicos, financeiros, comerciais, mercadológicos e contratuais mais cruciais das atividades espaciais.
São três as áreas espaciais que mais promovem negócios: telecomunicações, observação da Terra e sistemas de navegação e posicionamento. As telecomunicações exercem liderança absoluta. Para o Brasil, as oportunidades maiores parecem estar no campo da observação da Terra, isto é, nos sistemas de sensoriamento remoto, onde já assumimos razoável competência em mais de 25 anos..
Mas para adentrar o campo internacional com reais chances de vitória, urge estarmos muito bem equipados e treinados internamente, tanto no talento político quanto no saber jurídico. Daí a relevância de outro trecho do novo PNAE: “Diante do programa espacial ampliado que o Brasil executará nos próximos anos, precisamos criar uma lei geral das atividades espaciais, com normas que atendam aos padrões internacionais em matéria de segurança espacial, qualidade de produtos e serviços, bem como de acordos e contratos de aceitação universal.”
A necessidade de o Brasil criar uma lei geral das atividades espaciais também foi debatida na reunião do NEDE/SBDA. A criação dessa lei geral, ou seja, de abrangente legislação espacial – tarefa altamente complexa – deverá mobilizar todos os envolvidos com a política e o programa das atividades espaciais brasileiras: Governo federal, Congresso Nacional, comunidade científica e comunidade empresarial
Valem aqui as recomendações de Francis Lyall e Paul B. Larsen:
“O uso comercial do espaço, em especial por entidades não-governamentais [leia-se empresas privadas], exige regulamentação consistente com o direito internacional. Os requisitos vão desde a licença para lançamento, a mitigação de detritos espaciais e a atribuição de frequências de rádio, até as restrições que cada Estado pode impor por razões de segurança nacional. Além disso, usuários comerciais privados do espaço exterior celebram contratos de direito privado sobre, por exemplo, a construção e o lançamento de seus satélites, o seguro de seus ativos espaciais e a solução de controvérsias. Os operadores comerciais, portanto, são regulados tanto por leis privadas, quanto por leis públicas. Os países que não têm legislação nacional espacial especializada começam a considerar que os países que têm legislação exercem muita influência nos e sobre os diferentes mercados. Há, portanto, motivação para adotar legislação nacional.”6
Merece particular atenção o alerta de que “os países que têm legislação exercem muita influência nos e sobre os diferentes mercados”. Para nós, esse aviso não é apenas uma motivação a mais para criarmos a nossa lei espacial nacional, mas também para que essa lei seja ampla, vigorosa e capaz de ajudar nossa indústria espacial a conquistar legalmente maior espaço no mundo.
A iniciativa do NEDE/SBDA, portanto, vem atender a uma necessidade genuína do país.
* Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB)
Referências:
1) Veja www.whitehouse.gov.
2) Couston, Mireille, Droit Spatial Economique – Régimes Applicables à L'Exploitation de l'Espace, France: Sides, 1994.
3) van Traa-Engelman, H. L., Commercial Utilization of Outer Space – Law and Practice, The Netherlands: Martinus Nijhoff Publishers, 1993, p. 17.
4) Monserrat Filho, José, Cooperar é preciso. Saber cooperar é ainda mais, Revista Espaço Brasileiro, Agência Espacial Brasileira, Ano 4, Número 14, Julho-Dezembro, 2012
5) Smith, Lesley Jane, and Baumann, Ingo, Contracting for Space – Contract Practice in the European Space Sector, England: Ashgate Publishing, 2011.
6) Lyall, Francis, and Larsen, Paul, Space Law – A Treatise, England: Ashgate Publishing, 2009, p. 468.
.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário