Após uma década, País retoma conversas e quer propor uma espécie de aluguel do local para lançamentos espaciais
29 de julho de 2013 | 2h10
Lisandra Paraguassu / Brasília - O Estado de S.Paulo
O governo brasileiro retomou as negociações com os Estados Unidos para permitir o uso da base de Alcântara (MA) pelo serviço espacial americano. As conversas, sepultadas no início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foram reiniciadas em termos diferentes e o Itamaraty espera ter um acordo pronto para ser assinado na visita da presidente Dilma Rousseff a Washington, em outubro.
A intenção é abrir a base para que os americanos usem o local para lançamentos, mas sem limitar o acesso dos próprios brasileiros nem impedir que acordos com outros países sejam feitos. O governo vê a localização privilegiada de Alcântara - que, segundo especialistas, reduz em até 30% o custo de um lançamento - como um ativo que deve ser explorado, inclusive para financiar o próprio programa espacial brasileiro.
Depois de negociar com os americanos, o projeto é abrir as mesmas conversas com europeus e japoneses, entre outros. Calcula-se que um lançamento pode custar entre US$ 25 milhões e US$ 30 milhões.
A retomada das negociações com os americanos prevê uma espécie de aluguel do local para que os Estados Unidos possam lançar dali seus satélites. As discussões giram em torno das condições para esse uso, as chamadas salvaguardas tecnológicas esperadas pelo governo de Barack Obama. Reticentes a dar a outros países conhecimento de tecnologias consideradas sensíveis, os americanos querem usar a base, mas fazem exigências para impedir o acesso a informações, especialmente a dados militares.
"Secreto". As discussões vão estabelecer alguns limites, mas o assunto ainda é classificado como "secreto" pelo governo. No entanto, a hipótese de reservar áreas da base para uso exclusivo americano, como chegou a ser estabelecido no Tratado de Salvaguardas (TSA) assinado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, em abril de 2000, nem sequer será considerada.
O excesso de restrições daquele tratado levou o documento a jamais ser ratificado pelo Congresso, e o acordo naufragou. Entre as exigências estava a de que determinadas áreas da base de Alcântara seriam de acesso exclusivo dos americanos, não sendo permitida a entrada de brasileiros sem autorização dos EUA.
Inspeções americanas à base também seriam permitidas sem aviso prévio ao Brasil, e a entrada de componentes americanos em contêineres selados poderia ser liberada apenas com uma descrição do conteúdo. Além disso, o governo brasileiro não poderia usar o dinheiro recebido para desenvolver tecnologia de lançamento de satélites, mas apenas para obras de infraestrutura.
A reação foi tão ruim que o Congresso enterrou o acordo em 2002. Ao assumir o governo, em 2003, o então presidente Lula foi procurado pelos americanos, mas não quis retomar o assunto.
Sem uso. Com localização ideal para lançamentos, a base é considerada estratégica para o programa espacial brasileiro, mas até hoje é subutilizada. Nenhum satélite ou foguete jamais foi lançado de Alcântara, seja porque o Brasil ainda não conseguiu desenvolver a tecnologia para usá-la, seja porque os acordos internacionais para utilização da base até agora não deram frutos. Um teste feito há dez anos terminou em tragédia, com a explosão do foguete e 21 pessoas mortas.
Ainda em 2003, Lula fechou um acordo com a Ucrânia para desenvolvimento de foguete, o Cyclone-4. Uma empresa binacional, a Alcântara Cyclone Space (ACS), foi fundada, mas até hoje não teve grandes resultados. O Brasil investiu 43% dos recursos previstos, mas até este ano a Ucrânia pôs apenas 19%. Na visita do presidente ucraniano Viktor Yanukovych ao Brasil, em 2011, houve a promessa de que o processo seria acelerado, o que não ocorreu. Este ano, o chanceler Antonio Patriota foi ao país e, mais uma vez, voltou com a promessa de que o foguete estaria pronto em 2014. Seria a estreia da base, se os americanos não a usarem antes.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 29/07/2013, via NOTIMP.
Comentários do blog: a reportagem não aprofunda o tema, mas um acordo de salvaguardas tecnológicas (TSA, de Technology Safeguards Agreement) com os EUA é essencial para qualquer iniciativa de exploração comercial do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), mesmo por lançadores que não sejam de origem norte-americana. Isto se deve pelo fato de grande parte dos satélites terem algum componente fabricado por indústrias dos EUA, o que os tornam sujeito a legislação desse país. O TSA com os EUA, aliás, é bastante importante para os esforços comerciais, ainda que de difícil concretização, da Alcântara Cyclone Space. Há rumores de que a empresa binacional estaria negociando com uma empresa o lançamento de um satélite com componentes americanos. No passado, algumas empresas dos EUA chegaram a discutir a possibilidade de operarem lançadores a partir de Alcântara. A que chegou em estágio mais avançado de negociações foi a Orbital Sciences Corporation, que pretendia operar o lançador de pequeno porte Pegasus a partir do centro brasileiro. Para um histórico sobre os interesses comerciais pelo CLA, leiam a reportagem "De olho em Alcântara", de fevereiro de 2004.
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Um comentário:
Acordo de salvaguarda é uma coisa; toda empresa que investe em desenvolvimento tecnológico precisa proteger seu investimento.Porém,proibir o Brasil de negociar com outros interessados,introduzir caixas pretas no nosso território sem nenhum controle,proibir a entrada das nossas autoridades é negar nossa soberania, é nos tratar explicita e acintosamente como colônia, é uma humilhação; é inaceitável até para o nosso Congresso corrupto.
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