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Satélite meteorológico: um próximo passo
Após contratar um satélite de comunicações, o Brasil começa agora a planejar uma missão meteorológica própria
André M. Mileski
Em qualquer apresentação sobre a importância da exploração espacial para a Humanidade, é quase certo que os satélites meteorológicos venham a ser mencionados como um dos grandes benefícios gerados a partir do espaço. Afinal, seus dados são hoje largamente usados para uma imensa variedade de aplicações, do cotidiano a questões de forte cunho comercial e estratégico, como no planejamento, estimativa e controle de safras, prevenção a desastres naturais, rotas aéreas, missões militares, apenas para citar algumas.
Não faltam exemplos da importância da meteorologia para as atividades atuais. No teatro militar, um caso conhecido, que demonstra o risco oferecido pela não autonomia na geração de seus próprios dados a partir do espaço, aconteceu no Atlântico Sul, durante a Guerra das Falklands/Malvinas, em 1982. Um dos satélites geoestacionários da série GOES, operados pelos Estados Unidos, foi reposicionado, causando prejuízos no fornecimento de imagens utilizadas para as previsões brasileiras ao longo de um período de dois meses.
A história recente também tem outros casos envolvendo a América do Sul. Em 2010, o Brasil se viu novamente em cheque. Com a desativação do satélite norte-americano GOES-10, operado pela Administração Nacional do Oceano e Atmosfera (NOAA), as imagens do subcontinente, antes produzidas a cada 15 minutos, passaram a ser geradas a cada 30 minutos por seu sucessor, o GOES-12. Eventualmente, por necessidades internas dos Estados Unidos para o monitoramento de tornados, furacões ou tempestades severas, como aconteceu em 2005 com o furacão Katrina, em New Orleans, os satélites da série GOES podem ser reposicionados, reduzindo a frequência de imageamento de sua área inicial de cobertura.
Por um acordo internacional no âmbito da Organização Mundial de Meteorologia (WMO), da qual o Brasil faz parte, a geração e disponibilização de imagens meteorológicas por satélite no período mínimo de cada três horas está garantida, sem custos. Mas, muitas das previsões e aplicações hoje existentes para dados espaciais demandam frequências maiores de imageamento, o que coloca os países que não contam com meios próprios em relativa situação de vulnerabilidade.
A situação atual
Atualmente, o Brasil conta com duas instituições governamentais principais responsáveis por receber dados, processá-los e disponibilizar previsões meteorológicas para os usuários, que atuam de forma coordenada em seus propósitos: o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), ligado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), com sede em Brasília (DF) e subordinado ao Ministério da Agricultura.
Para a produção de previsões, o sistema de computação do CPTEC é alimentado por informações de média resolução oriundas dos satélites estrangeiros GOES (norte-americano) e METEOSAT (europeu), da rede de dados da WMO e das redes nacionais sob a responsabilidade do INMET, além de outras fontes como sensores dos Comandos da Aeronáutica e da Marinha, entre outros.
No caso dos METEOSAT, operado pela organização intergovernamental europeia EUMETSAT, o Brasil tem acesso a seus dados, mas, em razão de suas localizações em órbita, na intersecção entre o Meridiano de Greenwich com a Linha do Equador, sobre a costa africana, suas imagens são geralmente adequadas apenas para o imageamento de fenômenos e intempéries no nordeste do País.
Os dados obtidos são então processados pelo CPTEC, em Cachoeira Paulista (SP), por meio de um supercomputador, o Tupã (trovão, na língua indígena Tupi). Instalado em dezembro de 2010 ao custo de cerca de R$50 milhões, o Tupã é um modelo XT6, da Cray, capaz de realizar 258 trilhões de cálculos por segundo, sendo considerado um dos mais poderosos do mundo para previsão de tempo e estudos em mudanças climáticas.
As informações geradas diariamente pelo CPTEC são indispensáveis para muitos setores socioeconômicos, tais como agricultura, defesa civil, geração e distribuição de energia elétrica, transporte e meio ambiente. Ainda, cabe ao CPTEC realizar o monitoramento de ocorrência de tempo severo e fornecer imagens de satélites meteorológicos e ambientais para usuários brasileiros e estrangeiros.
Um satélite próprio
De tempos em tempos, a busca brasileira por relativa autonomia no imageamento espacial para finalidades meteorológicas ganha um novo ímpeto e, de fato, uma missão geoestacionária consta formalmente da última versão do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), referente ao período de 2012 a 2021. Tratou-se da primeira versão do documento, basilar para as atividades espaciais brasileiras, que conta com uma missão geoestacionária específica de meteorologia, fato que, por si só, já indica o caráter estratégico outorgado a esta demanda.
Segundo a descrição do PNAE, a missão do Satélite Meteorológico Brasileiro (GEOMET), como é conhecida, será destinada à “produção de imagens da atmosfera terrestre a partir do espaço para gerar dados indispensáveis aos sistemas de previsão do tempo”, tendo os seguintes objetivos estratégicos: (i) tornar o País capaz obter dados e informações meteorológicas do território nacional e outras regiões da Terra, de forma autônoma; e (ii) tornar a indústria nacional tecnologicamente mais competente, inovadora e competitiva nos mercados interno e externo. Segundo o programa, o GEOMET deverá estar operacional em 2018, data alvo bastante arrojada e que muito provavelmente não será cumprida.
O documento relaciona ainda alguns dos potenciais usuários dos dados gerados pelo futuro GEOMET, como o INPE e os ministérios da Agricultura, Integração Nacional, e Defesa, revelando o caráter multiministerial adotado para a estruturação de projetos complexos, seguindo o caminho trilhado com o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), contratado no final de 2013.
“A percepção da necessidade é antiga. É uma unanimidade”, afirmou à reportagem Petrônio Noronha de Souza, diretor de Política Espacial e Investimentos Estratégicos da Agência Espacial Brasileira (AEB). No entanto, ainda que a ideia de uma missão esteja capturada no PNAE, neste momento não existe nada de muito concreto, como a definição de requisitos, do cronograma e da arquitetura industrial, passos iniciais para o lançamento de uma missão espacial. “Não está indo na velocidade que todos gostariam”, disse Souza, que citou outros projetos em andamento no Programa Espacial, que consomem recursos humanos e financeiros – ambos escassos, como o lançamento do CBERS-4, previsto para dezembro deste ano, o SGDC e o satélite de observação Amazônia-1.
Segundo o dirigente, “será um desafio na hora de desenvolver os requisitos deste satélite”, considerando-se especialmente os aspectos técnicos, como as especificações dos sensores, conciliando-se as necessidades nacionais, em busca de alguma autonomia, com a continuidade do País no âmbito da rede meteorológica internacional já existente. “Não deve haver um passo atrás”. Para superar este desafio, a Agência reunirá todas as partes interessadas, desde o governo, usuários, indústria e academia, em linha com os projetos que têm sido lançados.
Outro aspecto desafiador será a busca por alguma participação da incipiente indústria espacial brasileira, que reúne certa capacidade em determinados elementos, como em sensores de imageamento. Invariavelmente, será colocada sobre a mesa a escolha entre a transferência tecnológica e/ou a efetiva participação e capacitação industrial.
Estudo de caracterização
Apesar de o diretor da Agência reconhecer que a velocidade dos avanços do GEOMET não é a ideal, já existem algumas ações planejadas para os próximos anos. Antes da falha no lançamento do CBERS-3, na China, em dezembro de 2013, a AEB trabalhava com o plano de iniciar o chamado estudo de caracterização do GEOMET ainda em 2014. Com os esforços agora concentrados principalmente no voo do CBERS-4, o início dos estudos deve escorregar algo como um ano. “Não pode passar de 2015”, destacou.
O estudo de caracterização seria nada mais do que um primeiro passo em direção à especificação e definição da missão meteorológica, etapa precedente à definição da modelagem de contratação, possivelmente seguindo o conceito de prime contractor adotado no SGDC, em que uma empresa principal é contratada para a construção do sistema – no caso do satélite de comunicações, a Visiona Tecnologia Espacial. “No nível industrial, não se contempla possibilidade em que não haja um prime contractor”.
Em alguns pontos, o GEOMET se assemelha ao SGDC, como na modelagem industrial pretendida e no caráter multiministerial do projeto que envolve as Comunicações, Defesa e Ciência, Tecnologia e Inovação. No caso do GEOMET, o número de ministérios envolvidos será ainda maior, dada a quantidade de usuários de dados meteorológicos no governo, o que abre também maiores e melhores oportunidades para o seu financiamento. Destaque-se ainda a sua provável conexão com outras iniciativas espaciais, como o Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE) (ver T&D n.º 136), que contempla missões meteorológicas de órbita polar, complementares à órbita geoestacionária, como é o caso do GEOMET. Para a sua viabilização, o Brasil também não descarta parcerias com países amigos, seguindo a estratégia adotada noutras missões espaciais, como o programa CBERS, com a China, e o SABIA-MAR, com a Argentina.
Um destes parceiros pode vir a ser a China, com quem o Brasil já colabora no campo espacial há mais de 25 anos. Em novembro de 2013, durante a Terceira Sessão Plenária da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), em Cantão, na China, um dos pontos incluídos para discussão futura na agenda de cooperação espacial para os próximos dez anos foi o desenvolvimento de um satélite geoestacionário meteorológico. À época, consultado por Tecnologia & Defesa, o presidente da AEB, José Raimundo Coelho, esclareceu que uma nova missão com os chineses estaria sujeita a discussões internas, deixando aberta a possibilidade de cooperações com outros países.
Fonte: Tecnologia & Defesa n.º 137, junho de 2014.
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