A mais recente edição da revista Espaço Brasileiro, editada pela Agência Espacial Brasileira (AEB) ("Revista "Espaço Brasileiro" nº 8 no ar"), conta com uma pequena reportagem (pp. 24-25) comparando o VLS brasileiro com o lançador Cyclone 4, da Ucrânia, a ser operado pela binacional Alcântara Cyclone Space (ACS). O propósito do texto foi demonstrar que os dois projetos são complementares e não competem (ao menos tecnicamente) entre si.
A matéria, no entanto, vai um pouco além desse comparativo e acaba por revelar a necessidade de se ampliar a capacidade do Cyclone 4 para missões geoestacionárias, hoje limitadas a cargas úteis de até 1.700 kg. Como já tratado pelo blog algumas vezes, o desempenho do foguete ucraniano em missões de transferência geoestacionária (GTO) é grande barreira a ser vencida para a ACS para viabilizar comercialmente a iniciativa. Tem sido raros os satélites geoestacionários com massas inferiores a 1.700 kg, e de acordo com pessoa bastante familiarizada com o tema, talvez nos últimos dez anos o número de cargas de até 1.700 kg lançadas para órbitas GTO não chegue ao total de dedos de uma mão.
E o acréscimo de capacidade do Cyclone 4, fundamental para melhorar seu posicionamento no mercado, poderia se dar por meio do uso de strap-on boosters de propulsão sólida, similares aos utilizados no primeiro estágio do VLS-1, ideia, diga-se de passagem, que não é recente. Desde a concepção do veículo, na época em que a italiana Fiat Avio participava do projeto, já se considerava o uso destes impulsores para melhorar a sua performance. No início dessa década, a possibilidade de uso do booster S 43 (usados no 1º estágio do VLS-1), inclusive, já figurava em alguns materiais informativos (figura abaixo) sobre o binômio Cyclone 4 / Alcântara. Com o passar dos anos, porém, a ideia pareceu perder força, e agora volta a ser considerada mais seriamente, como se pode concluir da leitura da reportagem.
Numa configuração com quatro impulsores S 43 e dois tanques adicionais de combustível, a capacidade do Cyclone 4 para órbita GTO seria ampliada para 2.700 kg (desenho da direita). Observar também as configurações adicionais, com performances de 2.000 e 2.400 kg.
João Ribeiro, vice-diretor técnico da ACS, explica objetivamente na matéria o que são os boosters e como funcionam: "Os boosters são motores auxiliares externos movidos a propelente sólido, como os do VLS, fixados lateralmente no veículo. A queima ocorre junto com o motor principal, depois é feita a ejeção lateral e o foguete continua sua trajetória. Têm a função de fazer a impulsão inicial, tirar o foguete do chão, dar velocidade, e, quando terminada a queima, seriam ejetados".
A possibilidade do uso do S 43 pelo Cyclone 4, além de razões técnicas, tem também certa fundamentação política. Originada como iniciativa meramente com fins comerciais, passou-se a ter em relação à ACS a necessidade de se mostrar outros pontos positivos da empreitada ucraniano-brasileira, até para justificar seu elevado custo. Assim, seus dirigentes brasileiros costumam destacar um possível envolvimento da indústria nacional no projeto do lançador, possivelmente envolvendo inclusive transferência de tecnologia.
A instalação de boosters num foguete, no entanto, não é tarefa simples, e tem custos que geralmente chegam a casa das dezenas de milhões de dólares. No caso do Cyclone 4, surgem várias dúvidas, tais como sobre quem arcaria com os despesas da eventual adaptação, e também se esta seria justificável nesse momento. Outra questão, bem mais sensível: uma vez identificada a incapacidade do foguete em atender o maior filão do mercado (GTO), por que não se exigiu da parte ucraniana a inclusão de boosters no projeto do lançador, desde o seu início? Seria isto um indicativo da falta de consistência técnica na estruturação da joint-venture?
A reportagem afirma que a decisão sobre o aumento da capacidade do lançador depende de acordo entre os governos envolvidos no projeto. "A decisão de investir no aumento da capacidade do Cyclone-4 em lançamentos geoestacionários teria de ser do governo da Ucrânia com o governo brasileiro, talvez até em parceria. O Brasil fabrica boosters sólidos e com uma qualidade bastante aceitável, mas quando se coloca booster no veículo é preciso ajustar toda a estrutura e com os sistemas do lançador. Há uma série de aspectos que precisam ser estudados por parte do construtor-chefe responsável pelo foguete, no caso, a empresa Yuznoye. Seria necessário esse estudo e o seu desenvolvimento, na Ucrânia."-
2 comentários:
Olá Mileski,
Muito interessante esta matéria.
Eu, particularmente fico dividido entre o entusiasmo e a decepção.
Por um lado, teríamos a grande oportunidade de sermos co-fabricantes do Cyclone IV, e quem sabe, de outras versões futuras.
Mas por outro lado, existe um grande "lenga-lenga" em relação aos grandes projetos espaciais brasileiros, é uma enrolação!
Mas espero que, essa parceria resulte em algo frutífero para o programa espacial brasileiro.
Mais dinheiro do contribuinte brasileiro para financiar empregos na Ucrânia.
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