segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Programa Espacial Brasileiro: da teoria à prática

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André M. Mileski

Nos últimos meses, várias iniciativas relacionadas ao Programa Espacial Brasileiro tomaram ou começaram a tomar forma. Após mais de um ano de atividades, em novembro, o Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados, em trabalho relatado pelo deputado federal e senador eleito Rodrigo Rollemberg, divulgou um amplo estudo com uma avaliação e orientações relacionadas à Política Espacial Brasileira. Já em dezembro, a Associação Aeroespacial Brasileira (AAB), de São José dos Campos (SP) deve divulgar um documento elaborado por associados e especialistas com a sua visão para o setor.

Paralelamente a esses esforços, em ação coordenada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, trabalha-se na reestruturação do programa, possivelmente com a criação de um novo modelo para o setor, provavelmente aproveitando-se de várias das sugestões feitas nos estudos da Câmara dos Deputados e AAB. Tirar da teoria e colocar na prática todas essas sugestões de forma a realmente engrenar o Programa Espacial Brasileiro, no entanto, logicamente, demandará recursos. Uma vez se tratar de programa de Estado, o orçamento governamental continuará a ser a principal fonte de recursos, mas não deve ser a única. Alternativas e novas fontes de recursos precisam ser desenvolvidas.

Em termos de criatividade na obtenção de investimentos, um caso interessante de ser analisado é o da Argentina. Se por um lado, o país não se encontra em seu melhor momento no reequipamento e modernização de suas Forças Armadas, por outro, seu programa espacial pode ser considerado como o mais avançado da América do Sul, ao menos em matéria de tecnologia de satélites. Nos próximos anos, os argentinos devem colocar em órbita satélites radares e geoestacionários de comunicações, desenvolvidos e construídos localmente, tecnologias até então sem precedentes no continente.

Grande parte desse sucesso se deve à criatividade portenha em obter recursos para seus projetos espaciais, através de acordos de cooperação internacional e busca de financiamentos junto a organismos multilaterais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Corporação Andina de Fomento (CAF), para o projeto SAOCOM, de observação terrestre, e Arsat, de comunicações, respectivamente. No caso dos acordos internacionais, merece destaque o caso do satélite científico e de observação SAC-D/Aquarius, que deve ser lançado ao espaço em 2011. A missão conta com forte envolvimento da NASA, a agência espacial dos Estados Unidos, que arca com os custos do principal instrumento a bordo, e também com o lançamento. Curiosamente, o Brasil é também um dos “patrocinadores” do avanço vizinho, já que há anos, sem qualquer ônus, satélites argentinos são testados no Laboratório de Integração e Testes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (LIT/INPE), em São José dos Campos.

Há tempos as entidades espaciais brasileiras buscam, até agora sem sucesso, recursos para o projeto do primeiro satélite radar do País, particularmente com o Fundo Amazônia, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com a função primária de monitorar a floresta amazônica, diuturnamente e independente de cobertura de nuvens, o financiamento da missão radar por fundo dedicado à Amazônia seria até lógico, mas as autoridades espaciais têm falhado em alcançar sucesso nessa empreitada.

O Brasil tem, certamente, o que aprender, não apenas com a Argentina, mas também com muitos outros países no que tange à obtenção de recursos para o programa espacial. Nossos atrasos e insucessos nesse campo não podem ser simplesmente escusados com o argumento da falta de recursos orçamentários. Devemos buscar soluções, desenvolver mecanismos e outras formas de viabilização de projetos, aproveitando-se de parcerias internacionais, do poder de compra governamental, de um maior envolvimento da iniciativa privada e mesmo de recursos estatais, como os fundos setoriais.

Num momento em que se discute seriamente uma verdadeira reestruturação do Programa Espacial Brasileiro, associada ao relevante papel outorgado ao setor pela Estratégia Nacional de Defesa, as questões sobre alternativas de viabilização de projetos espaciais precisam ser devidamente analisadas e desenvolvidas. Ainda que relevantes, apontamentos sobre o significado e a importância de um programa espacial para a sociedade não são suficientes para viabilizá-lo. É preciso pensar em formas de tirá-lo da teoria e colocá-lo efetivamente na prática.

N. da R.: André M. Mileski é advogado, membro do conselho deliberativo da Associação Aeroespacial Brasileira (AAB) e editor adjunto de Tecnologia & Defesa.

Créditos: artigo publicado na edição nº 123 da revista Tecnologia & Defesa.
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Um comentário:

Aureo André disse...

Visão perfeita do misto de profissionalismo e ingenuidade que graça no programa espacial tupiniquim.