domingo, 7 de dezembro de 2014

"Não ser o primeiro a instalar armas no espaço", artigo de José Monserrat Filho

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Não ser o primeiro a instalar armas no espaço

José Monserrat Filho *

“Se o espaço exterior, sem fronteiras nacionais e abrigos naturais, está destinado a ficar repleto de armas, o maior perigo pode vir de acidentes, alarmes falsos e mau funcionamento dos sistemas de comando.” Alexei Arbatos e Vladimir Dvorkin in “Outer Space: Weapons, Diplomacy, and Security”, Carnegie Endowment for International Peace, USA, 2010, p. 100.

A grande imprensa brasileira não deu importância ao fato, mas a verdade é que a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) aprovou, no dia 5 de dezembro, uma resolução recomendando a seus 183 países-membros que nenhum deles seja o primeiro a instalar armas no espaço.

A medida não tem força de lei, mas seu peso político não é nada desprezível.

Aprovada por 126 votos, com 40 abstenções e apenas quatro votos contrários (EUA, Geórgia, Israel e Ucrânia), a resolução indica, claramente, que, se houvesse democracia nas relações internacionais, os países derrotados não poderiam ignorá-la facilmente, como ocorre hoje.

A Rússia, autora da resolução, chamou esse resultado de “brilhante”. Segundo nota de sua chancelaria, “a vontade da comunidade internacional tem demonstrado vivamente que nossa iniciativa é importante, moderna e conta com amplo apoio”, informou o “Space Daily”.

A resolução, apresentada em outubro e aprovada inicialmente pelo Comitê de Desarmamento das Nações Unidas, teve mais de 34 países como co-autores, entre eles a Bielorússia, o Brasil, a China e Sri Lanka, que participaram ativamente na elaboração do projeto.

Há razões para tal mobilização. O cenário espacial inspira cuidados. Hoje, já existem armas prontinhas da silva para serem instaladas em órbitas da Terra. São as armas antissatélite, cuja tecnologia de desenvolvimento e produção há muito deixou de ser segredo para, pelo menos, três potências espaciais: Estados Unidos, China e Rússia.

Mas quem ousará ser o primeiro colocar armas no espaço? Há quem aposte nos EUA, onde alguns generais têm dito publicamente que a guerra no espaço é inevitável. Moscou não parece disposta. Os governantes chineses são comedidos e cautelosos. Tudo indica que eles já dispõem da tecnologia e do equipamento necessários para uma guerra espacial, mas não demonstram o desejo de anunciar essa capacidade aos quatro ventos. Pelo contrário. Em fevereiro de 2008, a China e a Rússia, unidas, apresentaram na Conferência de Desarmamento, em Genebra, Suíça, o projeto de um “Tratado sobre a Prevenção da Instalação de Armas no Espaço Exterior e da Ameaça ou Uso da Força Contra Objetos Espaciais”, cuja tramitação está bloqueada desde o começo

Se ratificado, sobretudo pelas grandes potências, esse tratado proibiria os países signatários de pôr em órbitas da Terra qualquer tipo de arma, bem como de empregar a força militar no espaço.

A diplomacia russa considera a resolução sobre o compromisso de “Não ser o Primeiro a Instalar Armas no Espaço” como “importante passo no avanço natural rumo à elaboração de um tratado obrigatório sobre “a Prevenção da Instalação de Armas no Espaço Exterior e da Ameaça ou Uso da Força Contra Objetos Espaciais”. A iniciativa inclui como elemento-chave o apelo para o início imediato das negociações na Conferência de Desarmamento em torno da preparação e adoção de um acordo vinculante para impedir a colocação de armas no espaço.

Cabe diferenciar com clareza os termos “instalação de armas no espaço” (weaponization of outer space) e “militarização do espaço” (militarization of outer space).

A militarização do espaço costuma ser entendida como o uso de meios espaciais para fins militares, o que vem ocorrendo desde a entrada em funcionamento, nos anos 60, dos primeiros satélites de comunicação. Hoje, as forças armadas de todo o mundo se valem de satélites para efetuar operações de comando e controle, reconhecimento, comunicação, monitoramento, alerta precoce e navegação baseadas nos sistemas de posicionamento global, como o popular GPS (Global Posicioning System) dos EUA, o GLONASS da Rússia, o GALILEO da União Europeia e o COMPASS da China (ora limitado à região Ásia-Pacífico, mas com plano de se tornar global). Assim, por estranho que pareça, o conceito de “uso pacífico do espaço” inclui o “uso militar do espaço”, desde que seja um “uso não agressivo”. Isso na teoria. Na prática, considera-se “pacífico” até mesmo o uso de satélites para direcionar bombardeios ou para comandar a capacidade de lançar um “imediato ataque global", que significa "a habilidade de controlar qualquer situação ou de derrotar qualquer inimigo em toda a gama de operações militares".

A “instalação de armas no espaço”, por sua vez, refere-se em geral à colocação em órbita de objetos com poder de destruir outros objetos espaciais pertencentes a outros países. Há, porém, quem defina como “armas espaciais” as que, embora não colocadas em órbitas, podem ser lançadas da Terra ou de aviões para aniquilar satélites ou naves espaciais. Concordo com essa visão, mas creio que, primeiro, devemos impedir a instalação de armas no espaço. Concordo também com quem considera “armas espaciais” aquelas que cruzam o espaço para atingir seus alvos no território ou no espaço aéreo de outro país. Isso, sem dúvida, é uma forma de usar a força militar no espaço. Ademais, muitos elementos integrantes do sistema de defesa antimíssil, que os EUA estão desenvolvendo, podem ser vistos como “armas espaciais”, pois podem destruir tanto mísseis balísticos quanto satélites, naves e qualquer objeto espacial artificial.

Até hoje, os conflitos bélicos têm ocorrido na superfície da Terra, nos mares e no espaço aéreo. A perspectiva agora é acrescentar a essa lista mais um teatro de guerra – o espaço.

A Carta das Nações Unidas, aprovada em 1945, é o primeiro tratado de toda a história humana que proíbe as guerras como forma de solucionar conflitos entre os países. Ela estabelece que todo e qualquer litígio entre as nações deve ser resolvido apenas e tão somente por meios pacíficos. E que o direito de auto defesa só é lícito para rechaçar um ataque de fora. Nenhum país tem o direito de ocupar outro país sob a alegação de estar se defendendo dele.

A Carta das Nações Unidas tem plena vigência também no espaço, do qual a Terra depende tanto e cada vez mais. Mas como o direito de auto defesa no espaço só seria aplicável por meio de um ataque preventivo – considerado ilícito em qualquer circunstância –, esse direito deixaria de ser de defesa para tornar-se, paradoxalmente, um “direito de agressão”. Logo, a guerra no espaço, que necessariamente exigiria ações antecipadas, deve ser terminantemente proibida.

Daí que o mais justo, legítimo e sensato é que cada país firme o compromisso de nunca ser o primeiro a colocar armas no espaço. Essa decisão abriria o caminho para, a seguir, fechar-se o espaço – sem exclusões ou exceções – a qualquer tipo de armas e à ameaça ou uso da força militar.

* Vice-Presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica (IAA) e Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional da Agência Espacial Brasileira (AEB). Este artigo reflete apenas a opinião do autor.
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