terça-feira, 28 de julho de 2009

Sea Launch: uma análise

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Uma das mais importantes notícias do mundo dos negócios no setor espacial nas últimas semanas foi o pedido de proteção contra falência (Chapter 11 do Código sobre Falências dos EUA) da Sea Launch, provedora de lançamentos espaciais com sede nos EUA, apresentado em junho perante a justiça daquele país. De fato, a medida adotada pela Sea Launch não era inesperada pelo mercado. Desde o seu início, o projeto de lançar cargas úteis ao espaço a partir de uma plataforma de petróleo convertida para aproveitar os benefícios que a proximidade com a linha do equador oferecem se mostrou complexo, tanto do ponto de vista técnico como logístico, com implicações nos custos de operação. Uma falha do lançador de grande porte usado pela companhia, o Zenit 3SL, ocorrida em 2007, agravou a situação, resultando em atrasos nos cronogramas de lançamento de vários satélites, e cancelamentos de várias missões.

A Sea Launch é controlada pela companhia norte-americana Boeing (40%), e tem ainda como sócios a russa Korolev Energia RSC (25%), o estaleiro noruguês Aker (20%), e as indústrias espaciais ucranianas Yuzhnye e Yuzhnoye (15%), estas duas últimas, aliás, sócias da companhia ucraniano-brasileira Alcântara Cyclone Space (ACS). Desde o início de sua operação, em março de 1999, foram 30 lançamentos, 27 bem-sucedidos (índice de sucesso de 90%).

Da difícil situação desta companhia multinacional, podem se tirar algumas conclusões, de certo modo, aplicáveis ao Brasil, que, em parceria com a Ucrânia, almeja se tornar um player no mercado de lançamentos espaciais com a ACS.

Sendo um lançador ucraniano com o último estágio ("upper stage") russo, o poderoso Zenit 3SL teve vários problemas relacionados à entrega de componentes do foguete e consequente disponibilização de lançadores para a realização de missões, algo não raro em se tratando de sistemas espaciais fabricados em países da ex-URSS. Vários componentes do Zenit 3SL e de outros lançadores ucranianos são importados da Rússia, cuja comercialização está sujeita ao temperamento das relações comerciais e políticas entre os dois países. Estes problemas resultaram em diversos cancelamentos de clientes, que não viram na Sea Launch condições de terem seus cronogramas de lançamento atendidos, acelerando o processo de insolvência da companhia.

A solicitação de proteção judicial da Sea Launch não significa necessariamente que a companhia será encerrada, embora respeitados analistas entendam que este seja o caminho lógico, uma vez que o seu plano de negócios não se mostrou economicamente viável. Caso a Sea Launch deixe de fato de operar, o mercado comercial de lançamentos de cargas úteis de grande porte para órbita geoestacionária terá apenas dois players, a Arianespace e a International Launch Services (ILS), o que deve preocupar em muito as companhias de comunicações, operadoras e proprietárias dos satélites lançados. A preocupação não é apenas baseada em preço (sendo menor a concorrência, a tendência é que os fretes sejam mais altos), mas também na falta de opções de lançadores alternativos em caso de falhas ou problemas de adequação dos cronogramas de cada lançamento. Haverá, portanto, espaço para um novo player no mercado de lançamentos geoestacionários de grande porte.

Iniciativas no mercado comercial de lançamentos espaciais exigem forte apoio político dos países-sede e parceiros das empresas lançadoras. São entendimentos e acordos de salvaguardas tecnológicas, esforços comerciais, uma gama de ações nas quais as participações de governos são de fato essenciais. Sem entrar em detalhes, há quem afirme que a Sea Launch, por ter vários países envolvidos (EUA, Rússia, Ucrânia e Noruega), acabou ficando sem o devido suporte governamental (algo, com alguma imaginação em mente, equivalente ao ditado popular "cachorro que tem dois donos morre de fome"). O próprio diretor-financeiro (chief financial officer) da Sea Launch, Brett Carman, mencionou o apoio governamental recebido pelos competidores Arianespace (Europa) e ILS (Rússia) como um dos fatores que levaram a companhia ao seu estado atual.
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Um comentário:

O mar vivo da não existência disse...

Caso o Brasil tenha que depender de componentes russos no negócio da ACS, ou americanos, entendo que será negócio de alto risco. São cachorros grandes que não gostam de dividir o osso.