quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

ACDH: INPE muda de idéia, cancela licitação e compra subsistema argentino

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Desde a sua criação, em abril do ano passado, o blog Panorama Espacial tem dado atenção a notícias sobre licitações e aquisições de componentes, subsistemas e outros itens para projetos do Programa Espacial Brasileiro. Tem sido assim com a licitação do subsistema ACDH (sigla em inglês de Controle de Atitude e Supervisão de Bordo) para o satélite de observação terrestre Amazônia 1, projeto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Este é considerado um dos mais importantes contratos no setor espacial no Brasil nos últimos tempos, e por várias razões: (i) é um dos últimos subsistemas necessários para a “conclusão” da Plataforma Multimissão (PMM); (ii) tem valor estimado bastante considerável, algo em torno de 50 a 60 milhões de reais (apenas para comparação, o orçamento total do Programa Espacial para 2009 é de cerca de 350 milhões de reais, isto é, um único contrato equivaleria a cerca de 1/6 de todo o orçamento, o que denota a sua importância); (iii) além destas duas razões, a ACDH atraiu o interesse de várias indústrias nacionais e estrangeiras, especialmente da Europa.

Ao longo deste tempo, quem acompanhou o blog com freqüência pôde ler várias notícias sobre esta licitação. A concorrência teve seu edital publicado em agosto, republicado em seguida para algumas correções, suspenso pela Justiça no final de outubro, e relançado em 17 de dezembro. Foram ao todo seis ou sete postagens.

Para a surpresa do blog (de fato, não só dele, mas de várias outras pessoas, segundo foi possível apurar), em 29 de dezembro de 2008 foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) um aviso de seis linhas revogando a licitação reaberta no meio daquele mês. O texto do aviso de revogação: “fica revogada a licitação supracitada, referente ao processo N 01340000381200802. Objeto: Contração da empresa ou consórcio de empresas que apresentar a proposta mais vantajosa para a contratação de serviços de desenvolvimento, projeto, fabricação, testes e validação do Subsistema de ACDH (Controle de Atitude e Supervisão de Bordo) a ser utilizado no satélite Amazônia 1.”

Isto, porém, não é tudo. Na edição do DOU do dia seguinte, 31 de dezembro, constou um extrato de dispensa de licitação para a contratação de “assistência técnica, transferência de tecnologia de projeto, fabricação e validação, e fornecimento de hardware e software de um sistema de navegação, controle e supervisão de bordo para a Plataforma Multimissão (PMM)”. Segundo o extrato, o valor do contrato, conferido à empresa argentina INVAP é de 47,520 milhões de reais. A dispensa de sua licitação foi embasada no artigo 24, inciso XIV da Lei n. 8666/93, que faculta a realização de processo licitatório "para a aquisição de bens ou serviços nos termos de acordo internacional específico aprovado pelo Congresso Nacional, quando as condições ofertadas forem manifestamente vantajosas para o Poder Público".

Num espaço de duas semanas, um novo edital para a aquisição do ACDH foi relançado, revogado e uma alternativa contratada por meio de dispensa de licitação. Curiosamente, não se sabe se por alguma razão, o extrato de dispensa de licitação para a compra do projeto de ACDH argentino não menciona a sigla ACDH. O que levou o INPE a num curto espaço de tempo, e no apagar das luzes de 2008, mudar a sua estratégia para a obtenção do ACDH, numa atitude, aliás, no mínimo deselegante aos participantes do processo?

Dado o inesperado movimento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, muitas outras questões virão à tona. Abaixo, relacionamos algumas perguntas, várias delas implicitamente revelando a preocupação do blog (e supõe-se, não só dele) com as conseqüências desta decisão, para as quais buscaremos respostas:

- Por que o INPE optou pelo ACDH argentino? A Argentina detém maduro conhecimento nesta tecnologia? Satélites equipados com o ACDH de origem argentina já foram lançados e estão operacionais?

- A PMM será a plataforma de praticamente todos os satélites do Plano Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), com exceção dos da série CBERS e universitários. A tecnologia de ACDH da INVAP será usada em todas as PMMs?

- 47 milhões de reais são suficientes para o desenvolvimento e produção do primeiro subsistema para o satélite Amazônia 1? O projeto do Amazônia 1 corre o risco de novos atrasos?

- Além da tecnologia de ACDH argentina, a tecnologia de outros países também foi avaliada?

- De acordo com a legislação brasileira que trata de licitações, a dispensa de concorrência para a contratação da INVAP teria que ser baseada num acordo internacional específico aprovado pelo Congresso Nacional. Que acordo seria este?

- No início de outubro de 2008, foi postada uma nota no blog ("Atualizações sobre a licitação do ACDH") dando conta de que uma indústria de um país vizinho ao Brasil participaria da concorrência, consorciada com um ou mais indústrias nacionais. Sem revelar o nome o blog se referia à INVAP. Assim, por que a INVAP não se consorciou com indústrias nacionais para participar da licitação, uma vez que todo o processo só traria resultados em benefício do INPE, da indústria nacional e ao erário público?

- E quanto à "estratégia" para a absorção de tecnologia de controle de atitude e supervisão de bordo revelada ao blog pelo atual Coordenador de Engenharia de Satélites do INPE em junho de 2008 (ver a nota "PMM: mais informações sobre o ACDH")?

Pela manhã de hoje (7), antes de tomar conhecimento da contratação da INVAP com dispensa de licitação, o blog já havia enviado um e-mail ao INPE solicitando informações sobre a revogação da concorrência do ACDH. Até o momento desta postagem, não havia obtido resposta.
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5 comentários:

iurikorolev disse...

Mileski
Que país é este meu Deus?
Comprar tecnologia espacial da Argentina e ainda por cima de uma empresa que tem 500 funcionarios e atua até na área nuclear!

Era de se esperar que pela especialização do Inpe soubessem fazer pelo menos um sistema de Controle de Atitude.
E esse monte de doutorados no exterior pagos com suado dinheiro publico ? Para que serviram ?

O problema do Brasil é de falta de lideranças de qualidade.
Pouco trabalho e muito blablabla.

Sds
Iuri

Duda Falcão disse...

O que dizer Mileski? Desde que o programa espacial começou no inicio dos anos 60 somos o país mais desenvolvido na área espacial na América do Sul. A continuar assim em breve perderemos esse posto, já que não é a primeira vêz que o governo brasileiro investa em desenvolvimento da indústria espacial argentina. A bem pouco tempo atrás houve uma missão conjunta onde a parte principal do foguete da missão era a plataforma onde os experimentos científicos ficaram alojados. No entanto, a PSO (Plataforma Suborbital) desenvolvida e testada em vôo pelo INPE no final dos anos 90 ou inicio dos anos 00 (creio eu) parece ter sido abadonada. O que houve com esse projeto? Foi realmente abandonado? Por esse e outros motivos que notícias como essas não me surpreendem mais. Decisões como a tomada pelo INPE a meu vêr são políticas ou até mesmo por falta de visão estratégica por parte das pessoas e instituições envolvidas. É lametável, lamentável, mas fazer o que?

Abs

Duda Falcão

O mar vivo da não existência disse...

Isso me cheira mais a acordo político. Tem algo de política complacente-lulista nisso. Ano passado o Lula esteve lá e a Cristina falou muito de aliança estratégica. Que essa aliança não afunde esse projeto!

Andre Mileski disse...

Sengedradog, acredito que exista um componente político na decisão bastante relevante. De fato, existe um rumor de que a compra do ACDH seria na verdade uma contrapartida a um negócio que pode ser anunciado em breve. Ainda estou apurando algumas informações, e no domingo farei nova postagem no blog dando detalhes de toda a história.

iurikorolev disse...

Mileski

Penso que caberia pelo menos uma ciência ao Tribunal de Contas da União e talvez até ao MPF, para se averiguar.