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Num dos debates do 9º Congresso Latino-Americano de Satélites, foi possível ter uma visão clara e atual sobre a situação do projeto do Satélite Geoestacionário Brasileiro (SGB) e também sobre o caminho mais provável para a sua viabilização, as Parcerias Público-Privadas (PPP). O caminho até o SGB, no entanto, não será fácil. Existem muitas dúvidas que precisam ser respondidas, além de interesses a serem conciliados, conforme detalhamos a seguir.
Status atual
No início da atual década, foi realizado um estudo preliminar sobre o SGB, e ao seu término, o projeto foi transferido para a Agência Espacial Brasileira (AEB), onde ficou em segundo plano até que o novo presidente da Agência, Carlos Ganem, assumisse em 2008.
Basicamente, como já por diversas vezes abordado aqui no blog, o SGB consiste num sistema de satélites geoestacionários para atender várias demandas nacionais, como telecomunicações militares e estratégicas, meteorologia e controle de tráfego aéreo.
No momento, considera-se fortemente a ideia de se concretizar o SGB por meio de PPP. Com este objetivo, foi lançada em março deste ano uma chamada pública para a contratação de consórcio responsável pela elaboração de um estudo jurídico e de viabilidade econômico-financeira da iniciativa.
Inicialmente, seis consórcios demonstraram interesse na chamada, tendo este número sido reduzido posteriormente para quatro. Destes, apenas três apresentaram propostas formais, e a expectativa é que ainda este mês seja assinado o contrato com o consórcio selecionado. Uma vez oficializada a contratação, o consórcio terá nove meses para realizar os estudos, que então serão apresentados para avaliação do Conselho Superior da AEB, e posterior decisão política sobre o seu lançamento. A oficialização do projeto ainda neste governo é pouco provável.
Questão-chave: conciliação de objetivos
O SGB tem dois objetivos principais: fomento do desenvolvimento espacial nacional (formação de mão-de-obra, desenvolvimento tecnológico-espacial industrial), e atendimento da demanda identificada no País (comunicações militares, meteorologia, tráfego aéreo). Conciliar estes dois objetivos não será tarefa fácil. Segundo Himilcon Carvalho, diretor de Política Espacial e Investimentos Estratégicos da AEB, estas demandas podem ser alinhadas, mas várias questões precisam ser respondidas (e o estudo sobre as PPPs deve responder algumas delas).
Curiosamente, e como já é característico do Brasil, existiram ou ainda existem duas discussões paralelas sobre o SGB não necessariamente convergentes entre si. Enquanto a AEB, outros órgãos do governo e alguns integrantes da iniciativa privada discutiam e planejavam o SGB, altas instâncias do governo federal se envolveram na criação de um grande player nacional em comunicações para fazer frente a grupos estrangeiros, como a Telefonica (Espanha) e a Embratel (México). Este player nacional surgiu com a compra da Brasil Telecom pela Oi (antiga Telemar), em abril de 2008, operação que contou com participação do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e costura política comandada pelo Palácio do Planalto.
Para a compra da Brasil Telecom pela Oi, o governo federal impôs algumas obrigações e condicionantes, e um deles "foi olhar de uma maneira mais ampla um sistema de satélites brasileiro", disse Luiz Perrone, da Oi. A visão ou proposta da Oi foi elaborada e apresentada ao governo, tendo identificado três necessidades principais que justificam um satélite de comunicações brasileiro:
1) demanda nacional comercial por dezenas de transpônderes em banda Ku para os próximos anos (2012 a 2015), o que exigirá ampliação da capacidade hoje disponível;
2) necessidade de banda X, para uso pelas forças armadas também irá crescer; e
3) haverá demanda por transpônderes para comunicações relacionadas ao controle de tráfego aéreo, atendendo exigências da Organização de Aviação Civil Internacional (OACI).
Perrone explicou que estas necessidades justificam o desenvolvimento de um sistema nacional de satélites, mas desde que sejam harmonizadas entre si. Na visão da Oi, pela exigüidade do prazo, algumas necessidades poderiam ser atendidas com uma maior participação da indústria nacional, enquanto que outras não.
A visão da Oi é fortemente baseada em aspectos comerciais, enquanto que a iniciativa comandada pela AEB tem grande foco em capacitação espacial no País. A tendência é que as duas visões sejam harmonizadas, o que exigirá concessões dos dois lados.
Contradição?
Um interessante ponto levantado por um dos presentes no congresso foi a alegada contradição entre os objetivos do SGB de capacitação espacial e de atendimento à demanda nacional. Haveria aí um risco considerável em se contratar o desenvolvimento e construção de componentes de satélites de comunicações junto a indústrias nacionais, tecnologia não dominada pelo Brasil, o que conflitaria com os interesses dos parceiros privados na PPP.
Thyrso Villela, diretor de Satélites, Aplicações e Desenvolvimento da AEB disse que existe uma visão clara por parte do governo daquilo que pode ou não ser feito no País em termos de sistemas espaciais. Segundo Villela, haveria de fato dificuldade em envolver a indústria nacional na construção das cargas úteis, mas este não seria o caso em relação a alguns dos subsistemas dos satélites.
Preocupações
No painel sobre o SGB, ficou bastante clara a preocupação dos operadores de telecomunicações via satélite com uma eventual concorrência entre o SGB e a iniciativa privada, ou mesmo uma reestatização disfarçada do setor brasileiro de comunicações por satélite. Isto ocorreria caso os satélites do SGB tivessem transpônderes de banda C (ou outras bandas comerciais) ofertando capacidade para empresas ou mesmo órgãos públicos usuários de serviços comerciais, como exemplificou um diretor da Star One, subsidiária da Embratel.
Oficialmente, porém, o governo nega qualquer intenção neste sentido. "SGB não é reestatização do setor de comunicações brasileiro", argumentou Jovino Francisco Filho, do Ministério das Comunicações.
Possibilidades
Embora ainda seja cedo para se falar sobre possíveis interessados em participar da PPP, caso viável, para o Satélite Geoestacionário Brasileiro, o envolvimento de operadoras de telecomunicações nas discussões é indicativo de que estas podem de alguma forma participar do projeto.
Dada a suposta variedade de interessados no SGB, é bem possível que uma vez lançada a PPP, sejam formados consórcios entre provedoras de serviços de telecomunicações, fabricantes de satélites e outros investidores.
O blog já tratou no passado sobre PPPs para o setor espacial, discorrendo brevemente sobre as regras no Brasil e alguns casos estrangeiros. Para saber mais, cliquem aqui.
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domingo, 4 de outubro de 2009
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Um comentário:
Grande e esclarecedora matéria Mileski. Parabéns amigo. Fazia tempo que não tínhamos informações sobre esse projeto. Fica claro pelas informações que o caminho é longo para o entendimento devido aos interesses conflitantes em certos pontos do projeto. No entanto, a necessidade do desenvolvimento deste satélite certamente fará com que os players entrem num acordo mais cedo ou mais tarde. Só espero que não leve uns vinte anos para que isso aconteça.
Abs
Duda Falcão
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