segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

HISTÓRIA: O flerte russo com Alcântara

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O interesse russo no campo de lançadores espaciais no Brasil não é nenhum segredo. Já há muitos anos, instituições de pesquisa e empresas da Rússia colaboram com o governo brasileiro, especialmente com o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE/DCTA), no desenvolvimento e transferência de conhecimento em matéria de foguetes, especialmente em propulsão líquida. O que poucos conhecem, ao menos em maiores detalhes, é que uma companhia com parceiros e investidores da Rússia, EUA e Austrália chegou a seriamente considerar seriamente na primeira metade da década de 2000 a ideia de construir no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, uma plataforma para um novo lançador russo de grande porte, com vistas ao mercado comercial de lançamentos espaciais.

Entre 2002 e 2004, foram realizados estudos de viabilidade e vários contatos com autoridades e empresas brasileiras, dentre as quais congressistas e dirigentes, envolvendo a a instalação da Orion Space Launch Systems (OSLS) no CLA. Seguindo o exemplo de outros projetos de parcerias para a exploração comercial de Alcântara, a iniciativa da OSLS tinha por objetivo se aproveitar da posição geográfica favorável do centro, próxima a linha do equador, e também da infraestrutura, ainda que limitada, já existente. O investimento total estimado da OSLS era de 339 milhões de dólares, incluindo financiamentos junto à instituições financeiras. Na época, contatos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Nordeste e International Finance Corporation (IFC) chegaram a ser realizados, além de buscas por outros investidores brasileiros dispostos a aportar capital no projeto.

A expectativa da Orion Space Ventures, empresa responsável pelo OSLS, era obter uma fatia de 20% a 25% do mercado de lançamentos, considerando-se um número total anual de 25 a 30 missões geoestacionárias, e 50 lançamentos espaciais ao todo.

O veículo de lançamento Orion seria desenvolvido por empresas russas, como a Makeyev, KBTM e NPO Lavochkin, utilizando-se de tecnologias já comprovadas, dentre as quais a dos propulsores NK-33 e RD-0124. O Orion teria a capacidade de levar satélites com massas de até 6 toneladas em órbita de transferência geoestacionária (Geostacionary Transfer Orbit- GTO), e de mais de 14 toneladas em órbita terrestre baixa (Low Earth Orbit – LEO). Um detalhe curioso, mas que não necessariamente tem qualquer ligação, é que a Makeyev e a KBTM trabalharam na revisão crítica do VLS-1 após o acidente em agosto de 2003, e também nos programas de propulsão líquida do IAE/DCTA.

Embora a iniciativa fosse inicialmente privada, de empresários envolvidos com o projeto da Asia Pacific Space Centre (APSC), em Christmas Island, a OSLS contava também com o apoio do governo russo. Em carta datada de 21 de junho de 2004, Anatoly Perminov, na época e ainda hoje diretor da agência espacial russa, explicitava o suporte de Moscou: "A Agência Espacial Federal acredita que o Projeto Orion, juntamente com seu atrativo comercial, atende os interesses de ambos Estados, tanto Rússia quanto Brasil. A respeito disso, a Agência Espacial Federal considera o projeto Orion como uma possível direção para a cooperação espacial entre Rússia e Brasil e por isto o incluiu no proposto Programa de Cooperação, o qual foi apresentado para a parte brasileira em fevereiro de 2004 durante a Terceira Reunião da Comissão Intergovernamental em cooperação econômica, científica e tecnológica."

O projeto da Orion Space Ventures acabou não indo adiante por motivos até hoje não completamente claros. Entre 2003 e 2004, houve uma forte disputa política dentro do governo brasileiro (Ministério da Defesa, Ministério da Ciência e Tecnologia e Agência Espacial Brasileira), em relação aos projetos para a exploração comercial de Alcântara, com alguns setores defendendo o modelo de parceria com a Ucrânia, e outros com a Rússia/Orion Space Ventures.
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