quarta-feira, 26 de agosto de 2009

EUA: mudança de paradigma

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Várias reportagens publicadas na imprensa sobre o lançamento sul-coreano trazem uma interessante afirmação de Ian Kelly, porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, sobre o programa do país asiático. "Os sul-coreanos desenvolveram o seu programa de modo muito aberto e transparente, de acordo com os compromissos internacionais que eles assinaram", disse Kelly.

Seria esta afirmação do governo norte-americano simplesmente palavras simpáticas a um grande aliado na Ásia, ou uma mudança de paradigma dos EUA em relação a programas locais de lançadores?

Os Estados Unidos sempre foram muito críticos sobre programas locais de lançadores desenvolvidos por nações emergentes (ou terceiro-mundistas, usando o conceito do período da Guerra Fria), como o Brasil (Programa VLS), a Argentina (Condor), a África do Sul, e o Egito (Badr-2000), entre outros, por receio do eventual uso da tecnologia dual para propósitos militares. Vários países acabaram desistindo de seus projetos, mas alguns continuam a tocá-los, como o Brasil.

Em meados da década de noventa, com o objetivo de esclarecer e formalizar as intenções brasileiras na área de lançadores, o governo Fernando Henrique Cardoso assinou e ratificou alguns compromissos internacionais na área, como o Missile Technology Transfer Regime (MTCR). Isto por si só já seria elemento para caracterizar o Programa VLS como “aberto e transparente”.

Independente de qual seja a real motivação do posicionamento americano sobre o lançamento sul-coreano, o fato é que a cada dia que se passa notam-se pequenas mudanças na política dos EUA sobre questões sensíveis em áreas entendidas como duais, como a de lançadores espaciais, no comércio e transferência de tecnologia aeroespacial e militar. O interesse crescente por mudanças na legislação ITAR, algumas vezes abordadas aqui no blog, é exemplo dessa aparente mudança de paradigma. Quando Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA envia carta ao governo brasileiro dizendo que seu país propõe "transferência de tecnologia sem precedentes" no fornecimento de caças para a Força Aérea Brasileira, vê-se outro exemplo de aparente mudança.
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Um comentário:

Josué P. J. de Freitas disse...

Eu acho que esta "mudança de paradigma" é interessante por um lado mas por outro deve ser algo sobre o qual temos muito que pensar.

Até que ponto esta transferência de tecnologia será realizada ? Como saberemos se os circuitos integrados que farão parte dos produtos comprados não possuem algum 'backdoor' como se especula que ocorreu no caso entre Israel e Síria (http://www.spectrum.ieee.org/semiconductors/design/the-hunt-for-the-kill-switch). Assim sendo, poderíamos comprar(ou fabricar nacionalmente que seja) caças norte-americanos que poderiam ter suas armas desabilitadas por sinal de radiofrequência em um embate cuja desabilitação fosse interessante para os EUA.

Se já é complicado para os EUA auditarem todos os circuitos integrados de seus produtos militares para nós seria ainda mais complexo.

Na minha opinião esta "mudança de paradigma" é algo interessante mas que não deveria substituir em hipótese alguma o incentivo ao desenvolvimento destas tecnologias dentro do nosso país. Isto se torna ainda mais importante se considerarmos que esta transferência de tecnologia pode ser encerrada ao desejo do governo norte-americano.

Utopicamente falando eu gostaria de ver $2 bilhões investidos em P&D nacional nestas áreas para cada $1 bilhão adquirido nesta "transferência de tecnologia sem precedentes".

Cordialmente, Josue.