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No início de novembro, publicamos no blog pequena resenha sobre um livro do Programa CBERS (vejam em "Resenha do livro sobre o Programa CBERS"), escrito pela jornalista Fabíola de Oliveira, também autora de outro livro de temática espacial ("O Brasil chega ao Espaço: SCD-1 Satélite de Coleta de Dados"), sobre o primeiro satélite brasileiro, o SCD-1. Apesar de o livro ter sido publicado há mais de dez anos, publicamos abaixo uma pequena resenha com algumas informações de caráter mais histórico sobre o programa brasileiro.
O livro está organizado em seis capítulos, os primeiros com uma perspectiva histórica das atividades espaciais brasileiras, e o terceiro em diante sobre o desenvolvimento do SCD-1, seu lançamento, aplicações e o que viria após ele. Certamente, a obra tem grande valor histórico.
Os dois primeiros capítulos ("O início da engenharia espacial no país"; e "A opção pela MECB") trazem informações difíceis de encontrar em outros livros sobre o Programa Espacial Brasileiro. Em alguns parágrafos do primeiro capítulo, por exemplo, é abordado o pouco conhecido projeto SACI (não confundir com o projeto de satélite científico do INPE) das décadas de sessenta e setenta, surgido de estudos de especialistas brasileiros na Universidade de Stanford, nos EUA, e que tinha como objetivo desenvolver e construir localmente um satélite de comunicações para fins educacionais. O projeto acabou sendo extinto em 1976, considerado bastante ambicioso e inviável ao País na época, dado o alto custo e o nível tecnológico exigido para a sua construção.
Com enfoque histórico, o segundo capítulo dá um retrato do surgimento da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), que por muitos anos capitaneou praticamente todos os esforços nacionais na área espacial. A MECB, aliás, surgiu poucos anos depois do governo brasileiro ter buscado juntar todas as atividades espaciais desenvolvidas no País por diferentes setores e órgãos do governo, esforço este que teve como marco o 1º Seminário de Atividades Espaciais - SAE, realizado em agosto de 1977.
Paralelamente, já se considerava dentro do governo uma parceria tecnológica com a França, que acabou não avançando, mas que influenciou sobremaneira a MECB. Entre os meses de abril e junho de 1979, vários especialistas brasileiros participaram de missão técnica em Toulouse, no sul da França, ocasião em que foram preparadas todas as especificações técnicas do Satélite de Coleta de Dados (SCD), do Laboratório de Integração e Testes (LIT), e do Centro de Controle de Satélites (CCS).
A cooperação com a França não avançou por variados motivos, dentro os quais o custo (na época, acreditava-se que a parceria francesa teria custo 4 ou 5 vezes maior do que o programa nacional, lógica que possivelmente se mostrou incorreta), elevado nível de importações (algo que se considerava negativo para a imagem do programa brasileiro, que buscava transmitir uma imagem de autonomia e independência), e também a questão da propulsão dos lançadores (a França estava propondo um foguete-lançador com estágios de propulsão líquida, mas o Brasil insistia na propulsão sólida, talvez pelo caráter dual do VLS à época).
A MECB como hoje é conhecida, com três áreas principais, a de lançadores (programa VLS), satélites (dois SCDs e dois satélites de sensoriamento remoto, os SSRs), e infraestrutura (sítios de lançamento de Natal (RN) e Alcântara (MA)), foi aprovada no 2º SAE, em setembro de 1979. Os primeiros recursos orçamentários para o seu desenvolvimento, no entanto, demoraram a aparecer, uma das razões pelo seu considerável atraso e, de certo modo, insucesso em alguns aspectos.
O quarto capítulo ("O engenho brasileiro em órbita") tem explicações detalhadas sobre o projeto do SCD-1 e sua construção. Um dado bastante interessante é a história da contratação do lançamento do satélite, uma vez que o VLS brasileiro estava bastante atrasado. No início da década de noventa, depois de solucionar questões políticas, o governo enviou cartas-consulta para fornecedores dos EUA, França, URSS, China, Japão e Israel. Três opções foram pré-selecionadas: (i) lançamento a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), ou de submarino soviético pelo consórcio Alport, que envolvias as empresas Glavkosmos (URSS), Elebra (Brasil) e Space Commerce Corporation (EUA); (ii) lançamento por meio do sistema Pegasus/B-52, da Orbital Sciences Corporation (EUA), a partir dos EUA; e (iii) lançamento de Wallops Island (EUA) pelo lançador Scout, da LTV Aerospace and Defense Company. A decisão recaiu sobre a proposta da Orbital, tendo o contrato sido assinado em setembro de 1991, ao custo de 14 milhões de dólares.
É curioso observar o panorama que se tinha em 1996 sobre o futuro do Programa Espacial Brasileiro. No sexto e último capítulo, a autora discorre sobre os futuros satélites do INPE, citando o SCD-2, o SCD-3, que além do transponder de coleta de dados teria uma carga-útil para comunicações móveis, a constelação de satélites de comunicações para órbita baixa ECO-8, os satélites científicos SACI e FBM (French-Brazilian Microsatellite), CBERS, o de sensoriamento remoto SSR-1, e a expectativa quanto à Plataforma Multimissão (PMM). Enfim, muitos projetos.
Sobre o ECO-8 (qualquer dia, trataremos mais a fundo desse projeto), é interessante notar que havia muita expectativa do INPE e de vários de seus dirigentes (isso pode ser percebido nos depoimentos publicados no livro) quanto às constelações de satélites de órbitas baixas para comunicações, que pareciam ser a tendência da época (projetos como o Iridium, Globalstar e Teledesic). Tendência esta que, ao menos na época, não se confirmou.
Outro ponto muito interessante é que vários dos dirigentes do Programa Espacial Brasileiro daquele período mencionaram em seus depoimentos o objetivo de se transferir projetos de satélites para a indústria nacional, elegendo um contratante-principal (“prime-contractor”). Ideia bastante avançada para a época, e ainda bastante atual.
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3 comentários:
Olá Mileski!
Tudo bem contigo amigo?
Olha, é uma pena e ao mesmo tempo lamentável que esses livros não estejam a disposição do público em geral. No entanto, existe um livro que diferentemente dos livros da Fabíola, pode ser adquirido e também faz uma descrição histórica desde os primórdios do PEB até por volta do ano de 2000. (o livro é de 2002). Trata-se da obra “Política Espacial Brasileira” do economista Edmilson Costa Filho (Editora Revan), que curiosamente tem em sua orelha um texto assinado pela jornalista Fabíola de Oliveira. Caso o leitor do blog queira adquiri-lo, procure o site submarino, pois foi onde o encontrei meses atrás.
Abs
Duda Falcão
Obrigado, Duda. Eu tenho o livro do Edmilson que, aliás, é meu amigo. De fato, é uma obra muito boa. Mas fato é que, sob uma perspectiva histórica, são poucas as obras existentes no País. Abraço. André
Não tem de quê Mileski e realmente a obra do Edmilson Costa vale a pena ser adquirida por quem se interessar. Quanto à falta de uma maior literatura sobre o assunto, em minha modesta opinião, é muito provavelmente fruto da falta de interesse da sociedade como um todo pelo mal conduzido e pouco exitoso Programa Espacial Brasileiro. Assim sendo, não poderia ser diferente, ou seja, não desperta o interesse das editoras sobre o assunto. Além disso, diferentemente do que o governo vem dizendo pela mídia, o PEB não é, nunca foi e enquanto a mentalidade não mudar, nunca será um programa estratégico. Tome como exemplo o programa nuclear da Marinha (esse sim um programa considerado estratégico pelo governo), desde que o governo resolveu investir nesse programa (segundo semestre de 2008) até hoje, o mesmo avançou mais tecnologicamente e estruturalmente falando que o PEB nos últimos 15 anos. Fruto de recursos e de apoio político consideráveis, bem diferente do que acontece com o PEB. Fora o fato de o programa ter convivido durante esse período com gestões administrativas essencialmente políticas e de péssima qualidade. Lamentável!
Abs
Duda Falcão
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