domingo, 28 de setembro de 2014

"SCD-Hidro: Um alento à indústria espacial brasileira"

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SCD-Hidro: Um alento à indústria espacial brasileira

André M. Mileski

Apesar de alguns importantes acontecimentos nos últimos anos, como a edição de um novo Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE 2012-2021), o surgimento da figura de uma prime contractor e a contratação do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), não se pode dizer que a indústria espacial brasileira vive um momento de exuberância. Pelo contrário. Formada por um pequeno número de pequenas e médias empresas, o setor industrial nacional está em crise, decorrente, principalmente, da falta de encomendas de seu principal (e único) cliente, o que tem gerado, inclusive, demissões.

A Agência Espacial Brasileira (AEB), a quem em tese compete exercer ações de política industrial previstas na PNAE, reconhece a situação. “Realmente, esse momento é o momento em que estamos concluindo vários projetos e precisamos retomar outras iniciativas”, afirmou José Raimundo Coelho, presidente da Agência, em entrevista dada à T&D no final de 2013.

É com base neste cenário, e enquanto outras missões do PNAE e do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE) não se materializam, que se busca viabilizar o projeto do Sistema de Coleta de Dados Hidrometeorológicos (SCD-Hidro), lançado pela AEB em conjunto com a Agência Nacional de Águas (ANA), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.

Histórico

Muito embora tenha um forte componente de política industrial, o SCD-Hidro não está sendo desenvolvido pura e simplesmente para gerar carga de trabalho para as indústrias brasileiras. A participação da ANA decorre do fato desta ser a principal usuária do Sistema Brasileiro de Coleta de Dados Ambientais (SBCDA) (ver box), mantido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), do qual depende para seus monitoramentos do volume de água e do balanço hidrológico dos reservatórios. Desta forma, o projeto atende a uma demanda do governo, além de funcionar como uma ação de política industrial, num campo tecnológico já plenamente dominado pela indústria espacial nacional.

Oficialmente, o projeto teve início no final de maio de 2012, com a assinatura de um memorando de entendimentos que previa a criação de um grupo de trabalho para o estudo sobre a viabilidade de desenvolver um microssatélite para missão de coleta de dados hidrometeorológicos. Com isso, o projeto avançou relativamente rápido, com a contratação da iniciativa privada para um estudo comparativo de soluções. Em agosto de 2013, a AEB lançou o Edital da Concorrência n.º 01/2013, prevendo a “contratação de empresa especializada para realizar Estudo Comparativo de Soluções para o Sistema de Coleta de Dados Hidrometeorológicos (SCD-Hidro), mediante o regime de empreitada por preço global”.

Dando prosseguimento à licitação, no mês seguinte foram habilitadas três empresas interessadas na concorrência: a Mectron, pertencente ao grupo Odebrecht Defesa e Tecnologia, a Equatorial Sistemas, do grupo Airbus Defence and Space, e a Omnisys Engenharia, controlada pela francesa Thales. O resultado final saiu em outubro, tendo a Equatorial Sistemas sido selecionada com uma proposta de R$ 1,885 milhão. Do estudo comparativo, participam ainda, na qualidade de subcontratadas, a Visiona Tecnologia Espacial, uma joint-venture entre a Embraer e a Telebras, e a Orbital Engenharia, de São José dos Campos (SP).

Propósitos, finalidades e perspectivas

O projeto tem por propósito principal garantir a continuidade dos serviços do Sistema Brasileiro de Coleta de Dados Ambientais, que teve início com os satélites SCD-1 e SCD-2 desenvolvidos pelo INPE e colocados em órbita durante a década de 1990.

Segundo informou a AEB, a proposta atualmente em estudo, direcionada aos interesses da ANA, não apenas atende aos requisitos originais do sistema, mas amplia sua capacidade e funcionalidade, possibilitando o aumento do número de plataformas instaladas, a ampliação dos serviços para além das fronteiras nacionais, além da redução do tempo de revisita, o que permitiria atender também à comunidade que lida com desastres naturais com origem hidrológica. As capacidades do SCD-Hidro também podem vir a servir outros projetos, como o futuro Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), da Marinha do Brasil, considerando que na atualidade o SBCDA já recebe dados ambientais gerados a partir de plataformas marítimas localizadas em zonas marítimas do Brasil e da África. Ainda, a reportagem apurou que a Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais (CCISE), responsável por ações do Ministério da Defesa no âmbito espacial, acompanha a iniciativa com atenção, interessada em sua capacidade de coleta e transmissão de dados gerados em solo.

As alternativas em análise consideram constelações que variam de dois satélites em órbita baixa e equatorial, a até seis satélites também em órbita baixa, mas dispostos em três planos orbitais distintos.

A proposta leva em conta um prazo de até três anos para o primeiro lançamento, contados da data da contratação. Tal prazo, no entanto, dependerá da definição quanto à configuração do sistema em órbita, que poderá ser de lançamento múltiplo, isto é, com todos os satélites sendo lançados ao mesmo tempo, ou por plano orbital, com lançamentos distintos.

A expectativa da AEB é de que o sistema seja contratado até o final de 2014 junto a uma empresa integradora nacional, potencialmente, a Visiona Tecnologia Espacial, que já exerce este papel no SGDC, estratégia em linha com os preceitos do PNAE. Representantes da Visiona, aliás, têm visitado empresas nacionais que poderiam participar do projeto, e também participado de reuniões com possíveis parceiros estrangeiros.

A propósito, uma das parcerias internacionais em consideração é com a Espanha. No final de maio, representantes da AEB, da ANA e da Visiona tiveram uma reunião de apresentação da proposta de cooperação do Centro Espacial da Galícia, ligado à Universidade de Vigo, com o Brasil, envolvendo a missão hidrometeorológica. Segundo divulgou a AEB na ocasião, a ação cooperativa envolveria financiamento de projetos com os recursos de ambas as instituições, com investimentos igualitários entre as partes.

O centro espanhol, que no momento conta com dois cubesats em órbita e prepara o lançamento de outro para breve, coordena uma rede mundial de satélites apoiada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que possibilita aos países parceiros transmitir e compartilhar dados sobre emergências humanitárias ou outras informações úteis a estudos sobre o câmbio climático e o controle e detecção de incêndios, por meio de sensores orbitais considerados de baixo custo.

Caso a previsão de contratação do SCD-Hidro este ano se confirme, espera-se sua entrada em operação até o final de 2017. Os custos do projeto ainda estão em revisão e, de acordo com a AEB, ainda não há previsão orçamentária para o projeto completo. “Os recursos disponíveis no momento estendem-se por quatro anos, mas a um nível ainda insuficiente para arcar com todos os investimentos”, segundo informação a Agência.

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Sistema Brasileiro de Coleta de Dados Ambientais

A origem do Sistema Brasileiro de Coleta de Dados Ambientais (SBCDA) remonta à Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), criada no final da década de 1970 e que buscava dotar o País de autonomia na construção, lançamento e operação de meios espaciais. Dentre as missões compreendidas na missão, estavam os satélites SCD-1 e SCD-2, inspirados no programa franco-americano ARGOS, para coleta de dados ambientais gerados em plataformas terrestres. De fato, 35 anos após a criação da MECB, os satélites de coletas de dados são umas de suas poucas ações bem sucedidas.

Apesar de terem superado em muitos anos suas vidas úteis planejadas, os dois SCD continuam em operação, e ao longo desse tempo foram complementados por transpônderes de coleta de dados instalados em satélites da série CBERS, desenvolvido pelo Brasil em conjunto com a China.

Grosso modo, o SBCDA funciona por meio da retransmissão de mensagens enviadas por centenas de plataformas de coletas de dados, gerados por sensores, distribuídas por todo o território nacional, áreas marítimas e mesmo em alguns países vizinhos. Uma vez recebidas, os satélites armazenam os dados e os retransmitem para estações de recepção localizadas em Cuiabá (MT) e Alcântara (MA), quando visíveis, isto é, com passagens na área de cobertura das estações de recepção. Grande parte das plataformas, conhecidas pela sigla PCD (Plataforma de Coleta de Dados) dispõem de sensores que geram dados meteorológicos, como velocidade e direção dos ventos, umidade e temperatura, e hidrológicos, como os níveis de reservatórios. As PCDs mais modernas contam com painéis solares e baterias que garantem seu funcionamento de forma autônoma.

Os dados são enviados para o Sistema Integrado de Dados Ambientais, (SINDA) situado no Centro Regional do Nordeste do INPE, em Natal (RN), onde são processados, armazenados e disseminados aos usuários, por meio da internet, no prazo máximo de 30 minutos após a recepção.

Além do SCD-Hidro, outra iniciativa que visa dar continuidade ao SBCDA é desenvolvida no CRN/INPE desde 2011. Trata-se do CONASAT, uma constelação de seis nanossatélites, projetados com base na tecnologia dos cubesats. (AMM)

Fonte: revista Tecnologia & Defesa n.º 138, setembro de 2014.
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