domingo, 29 de março de 2009

A face comercial da ITAR

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As últimas semanas foram de polêmica no setor espacial francês, polarizada entre a principal provedora mundial de lançamentos espaciais, a europeia Arianespace, e a gigante de telecomunicações via satélite Eutelsat. A polêmica começou com uma carta de Jean-Yves Le Gall, presidente da Arianespace, enviada ao presidente francês Nicolas Sarkozy, criticando a contratação da China para a execução da colocação em órbita de um satélite de telecomunicações da Eutelsat.

Na semana passada, durante o evento Satellite 2009, realizado em Washington, nos Estados Unidos, a polêmica atingiu seu ápice, com Le Gall acentuando suas críticas. "Vários governos - mais notavelmente o dos Estados Unidos - têm boas razões para desejar que não haja transferência de tecnologia para a China". Sob o seu ponto de vista, a decisão da Eutelsat de contratar um lançador chinês poderia ser interpretada como um ato "hostil aos EUA." "Nós estamos chocados com isto (a política) ter sido colocado em prática", concluiu.

Jean-Paul Brillaud, executivo da Eutelsat, não deixou por menos. Alegou que a escolha do lançador chinês Longa Marcha foi baseada em preço e cronograma. "A garantia da data do lançamento foi fator principal na escolha que fizemos". Houve também uma "questão de preço", afirmou, acrescentando que a Arianespace "aumentou significativamente os seus preços".

O satélite geoestacionário W3C, a ser lançado por um foguete Longa Marcha chinês, foi construído pela europeia Thales Alenia Space e é considerado “ITAR-free”, isto é, não possui componentes de origem norte-americana. Isso não evitou, porém, a crítica de Le Gall, que alegou que o W3C possui componentes europeus igualmente sensíveis, desrespeitando o “espírito da regulação ITAR”.

O discurso de Le Gall conquistou apoiadores nos EUA, particularmente políticos. Dana Rohrabacher, congressista, disse em audiência no congresso americano que Washington deveria exercer pressão econômica sobre a Eutelsat para fazê-la reverter a decisão de contratar um lançador chinês. "A Eutelsat vende dezenas de milhões de dólares em serviços de satélites para o governo dos EUA," afirmou.

Le Gall usou argumentos de natureza política (ITAR) para uma briga eminentemente comercial. É pouco provável que o lançamento de um satélite estrangeiro por um lançador chinês possibilite algum tipo de acesso a tecnologias ou conhecimentos sensíveis que a China já não detenha. A situação é, portanto, diferente do escândalo de transferência “involuntária” à China de tecnologia de lançadores por companhias americanas como a Loral Space & Communications, Hugues Electronics e Lockheed Martin, em meados da década de noventa, o que levou, inclusive, a uma maior restrição pelo governo das regras da ITAR (International Traffic in Arms Regulations).

Ao falar em “espírito da regulação ITAR”, o presidente da Arianespace inovou. Estaria a França pensando em aplicar uma legislação estrangeira aos seus negócios? Imagina-se que não. O argumento de Le Gall é, aliás, contraditório com as práticas comerciais francesas nos setores Aeroespacial e de Defesa, inclusive de empresas que integram a própria estrutura societária da Arianespace, que largamente oferecem ao mercado global soluções “ITAR-free”.

Essa polêmica mostra que a ITAR também está sendo usada para disputas comerciais. Se por um lado a indústria norte-americana lamenta a considerável perda de mercado em decorrência da legislação, a Arianespace a utiliza conforme os seus interesses.

Como o Brasil deseja se tornar um player em lançamentos espaciais (Alcântara Cyclone Space - ACS), essas disputas, nas suas mais variadas vertentes, farão parte do negócio. Resta saber como a ACS e o governo brasileiro irão atuar nesse ambiente.
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