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Começamos o mês de março com a segunda parte da entrevista com o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Gilberto Câmara. A segunda parte é mais extensa e densa, mas revela informações interessantes sobre projetos e possibilidades na área de satélites. Para acessar a primeira parte da entrevista, clique aqui.
Compra de ACDH argentino
O blog questionou Gilberto Câmara sobre aquele que é considerado um dos mais polêmicos negócios do setor espacial brasileiro nos últimos anos: a compra do projeto de subsistema de atitude e controle de órbita (ACDH, sigla em inglês) da indústria argentina INVAP, para a Plataforma Multimissão (PMM). Câmara logo esclareceu que não existe complicação na aquisição. Segundo ele, várias concorrências já haviam sido realizadas visando a aquisição do subsistema, todas mal sucedidas, com complicações na justiça, entre outras razões.
De acordo com o diretor do INPE, a indústria espacial brasileira se caracterizou pela especialização em diferentes áreas – câmeras, estruturas, etc. No entanto, não haveria hoje no País indústria capaz de desenvolver a tecnologia de ACDH, o que decorreria, segundo explicou, “de falha na formação da mão-de-obra aeroespacial brasileira”, focada no ensino de desenvolvimento de hardware, e não software.
Na opinião de Gilberto Câmara, se o INPE tivesse optado por contratar uma empresa brasileira consorciada com alguma companhia estrangeira, como era a realidade de todos os consórcios participantes da concorrência nacional cancelada no ano passado, a companhia estrangeira integrante do consórcio acabaria por ter uma participação maior no projeto, dada a falta de conhecimento da indústria nacional sobre a tecnologia. A participação nacional seria reduzida, com geração de menos empregos. A transferência de tecnologia seria também mais demorada, afirmou. “Iríamos receber uma caixa-preta, agora receberemos uma caixa-branca”, argumentou. “A INVAP fornecerá o código-fonte”, complementou Câmara.
Gilberto reconheceu que a compra do ACDH argentino era o “Plano B” do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. A proposta do país vizinho foi apresentada por representantes da INVAP que foram a São José dos Campos (SP) especialmente com esse propósito. O INPE não buscou a proposta argentina, foi convencido de que era a melhor alternativa diante dos problemas que ocorriam com a concorrência nacional (nota do blog: recurso judicial de um dos consórcios participantes, a Aeroeletrônica e a italiana Carlo Gavazzi Space). “A melhor solução foi a da INVAP.” “A PMM não pode virar um projeto sem fim”, alegou. Poderia ainda comprar um ACDH da China, mas isso não foi seriamente considerado, afirmou.
Dando continuidade ao assunto, o blog argumentou sobre o longo prazo de entrega do subsistema argentino (43 meses), o que viabilizaria o lançamento do satélite Amazônia-1, o primeiro que utilizará a PMM apenas para o final de 2012 ou início de 2013, considerando-se que não ocorram atrasos no cronograma contratado. Câmara afirmou que o prazo de entrega do ACDH da INVAP poderá ser reduzido, a depender da liberação de recursos orçamentários. A razão do prazo contratado de 43 meses foi meramente por razões orçamentárias, explicou.
Ao abordarmos a questão do desconforto da indústria espacial brasileira com a contratação de solução estrangeira, tratada por alguns industriais como um “golpe” ao setor nacional, Câmara categoricamente afirmou: “não houve golpe”. Ressaltou que a indústria nacional tem cerca de 400 milhões de reais em contratos, e que é natural que reclamações e desconfortos surjam. Fez questão de frisar que o INPE espera que a INVAP subcontrate indústrias brasileiras para o projeto, embora não exista essa previsão no contrato assinado (nota do blog: tivemos acesso ao contrato. Em breve, divulgaremos mais detalhes sobre o seu conteúdo).
Um ponto levantado pelo blog foi a possibilidade de subcontratação pela indústria argentina de determinada empresa brasileira que está com dificuldades técnicas para a entrega de um dos subsistemas da PMM (nota do blog: preferimos omitir o nome da empresa para preservá-la). Câmara esclareceu que não vê isso como um grande risco, uma vez que a contratada é a INVAP, de tal modo que a empresa não se comprometeria subcontratando outras empresas com problemas. Câmara também afirmou haver no INPE conforto quanto à maturidade tecnológica da solução argentina.
Quanto ao preço do ACDH argentino – 47,5 milhões de reais, Câmara informou que este foi determinado pelo INPE, que apresentou à INVAP o valor que poderia pagar. Perguntado sobre a hipótese de no futuro ter que se aditar o contrato por insuficiência de recursos, Câmara respondeu que por entendimento legal do governo federal, não se admite a celebração de aditivos a contratos assinados com dispensa de licitação.
Encerrando o tópico, o blog perguntou se a compra do subsistema argentino tinha alguma relação com a possível contratação da binacional ucraniano-brasileira Alcântara Cyclone Space (ACS) para o lançamento ao espaço do satélite SAOCOM, da CONAE, numa espécie de contrapartida, como se chegou a especular nos bastidores (nota do blog: a ACS participa da concorrência aberta pela CONAE para o lançamento do SAOCOM, que ainda não teve uma definição). Câmara foi direto ao afirmar não existir relação entre os dois negócios. A escolha da proposta argentina, além dos critérios técnicos, tem forte razão geopolítica, pois é do interesse do Brasil uma aproximação com o país vizinho na área espacial, revelou.
Política industrial
Gilberto Câmara foi questionado sobre a necessidade ou não de uma indústria brasileira que atue como contratante principal (“prime contractor”), a exemplo do modelo argentino, com a INVAP. Respondeu que não falta um “prime contractor” no País, pois, antes disso, haveria um “dever de casa” para se fazer.
Segundo explicou, não existe volume no Brasil que justifique a existência de um “prime contractor”. O volume deveria, portanto, crescer. Câmara afirmou ainda que o INPE realizou um estudo levando-se em consideração a possível existência de um contratante principal no País, no qual se constatou que os custos dos projetos contratados aumentariam em 40%.
Observação da Amazônia
O blog perguntou ao diretor do INPE a sua opinião sobre os sistemas de observação da Amazônia hoje disponíveis. Câmara alegou ser “suspeito” para falar a respeito, afinal, esteve envolvido com os seus desenvolvimentos desde o início. De qualquer modo, afirmou: “o nosso sistema (DETER e PRODES) é o melhor que existe e ainda assim insuficiente.” Falta, em sua opinião, um satélite radar (SAR, sigla em inglês).
O projeto do satélite MAPSAR, que envolveria o INPE e a agência espacial alemã (DLR) seria o elemento para se preencher a lacuna existente. Gilberto Câmara informou que o projeto ainda está indefinido, aguardando-se uma definição do governo alemão sobre a sua continuidade. A data limite para que a Alemanha dê uma resposta é setembro ou outubro desse ano. De qualquer modo, o INPE já estuda alternativas, como a construção de um satélite radar com a Argentina, que está construindo o SAOCOM com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ou com a China, que já demonstrou interesse em desenvolver com o Brasil um satélite com sensor SAR embarcado.
Comentários finais
O blog encerrou a entrevista com a seguinte pergunta: desde 1998, portanto, há mais de dez anos, o Brasil não lança ao espaço um satélite 100% nacional. Quando teremos o próximo satélite 100% brasileiro?
Câmara respondeu que tem trabalhado para lançar o Amazônia 1 o quanto antes, embora o orçamento e a contratação do ACDH prevejam a sua disponibilização apenas no final de 2012 ou início de 2013. Não quis arriscar nenhum palpite sobre um possível adiantamento da missão, pois prefere aguardar a definição do orçamento de 2010. Quanto ao possível lançador a ser utilizado, também não quis aprofundar, afirmando apenas que a preferência é o Cyclone 4, da ACS.
Em relação ao Sistema de Coleta de Dados, integrado pelos satélites da série SCD-1 e 2, e pôr transpônderes a bordo do CBERS, Câmara esclareceu haver dificuldades para o lançamento de satélites totalmente dedicados por falta de lançadores para a órbita equatorial. De fato, existem lançadores, porém, o custo é proibitivo quando se leva em consideração que a construção de um novo satélite custaria algo em torno de 3 a 4 milhões de dólares, enquanto que o frete do foguete seria da ordem de 10 milhões de dólares. “Não tenho como lançá-los”, disse. Com a conclusão do projeto do VLS-1B, do Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA), isso deve mudar, sendo possível o lançamento de satélites totalmente dedicados. Enquanto isso, o sistema é mantido com a rede Argos, das agências espaciais da França (CNES), dos EUA (NASA), e NOAA (EUA).
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Mais uma vez, o blog agradece Gilberto Câmara, Marjorie Xavier e Ana Paula Soares por terem tornado possível essa entrevista.
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Um comentário:
Diz o dito popular que quem tem coração de rato nunca chegará a ser leão.
Este caso da Invap mostra que o Brasil não tem lideranças politicas, industriais e cientificas à altura de quem quer ser potência.
É inacreditável como o Inpe não tenha ainda a capacidade de fazer ele mesmo ou subcontratar aqui no Brasil, um sistema de controle de atitude de satélite, e o compra de uma empresinha argentina de 500 funcionários
“falha na formação da mão-de-obra aeroespacial brasileira” : nunca ouvi um argumento tão medíocre como este. Mão de obra existe quando há emprego e oportunidade, ela não surge do nada.
O Inpe é famoso por pagar mestrados fora do Brasil, gastar os tubos e o cara ficar no exterior e não voltar, sem ressarcir os cofres públicos.
Caro Mileski, é triste reconhecer, mas o problema do Brasil como dizia Peter Drucker, resume-se a uma só palavra “mismanagement”, ou para o bom português, incompetência gerencial
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