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Uma das peculiaridades mais interessantes de Jean-Yves Le Gall é sua abertura em falar sobre concorrentes. Suas opiniões sobre os competidores primam pela objetividade e sinceridade - para alguns de modo até chocante. Foi o caso de sua afirmação sobre a Alcântara Cyclone Space (ACS). Para ele, "o Cyclone 4, por agora, é apenas um projeto."
Como é sabido, ainda que com seus problemas, a ACS está avançando, ao menos do lado brasileiro. Mas, a afirmação de Le Gall até tem a sua lógica. Aqueles que acompanham o mercado de lançamentos se recordarão sem muita dificuldade de dois ou três casos de iniciativas de exploração do mercado de lançamentos espaciais comerciais. O caso mais emblemático talvez seja o da Asia Pacific Space Centre (APSC), "vaporware" surgido no início desta década e que se propunha a construir na Ilha de Christmas, na Austrália, um sítio de lançamento do foguete Aurora, de design russo. O projeto ganhou a mídia e a comunidade especializada, foi muito comentado na época, mas, aos poucos, por variadas razões, acabou desaparecendo. Curiosamente, um dos responsáveis pela APSC, alguns anos depois tentou viabilizar um projeto similar no Brasil.
Outra passagem que corrobora as palavras de Le Gall, em linha com as dificuldades de se estabelecer no mercado. Em setembro de 2007, uma operadora do Reino Unido assinou com a norte-americana SpaceX um contrato para o lançamento de seu satélite HYLAS. Seria o primeiro lançamento de satélite geoestacionário pelo revolucionário foguete Falcon 9.
Em julho de 2009, um novo anúncio: a Arianespace lançaria o HYLAS usando um Ariane 5 ou Soyuz, como de fato o fez em novembro de 2010. O curioso é que a operadora inglesa havia previamente criticado a Arianespace por ser muito "cara". Sua decisão de substituir o lançador foi motivada pelas preocupações dos clientes sobre os riscos associados ao Falcon 9. O mote da lançadora europeia, "qualidade tem o seu preço", se comprovou mais uma vez.
O exemplo da APSC e SpaceX / Falcon 9 - e outros tantos - mostram que em se tratando de projetos espaciais, sempre arriscados e que demandam grandes investimentos de capital, é necessário que se tenha muita cautela.
Jean-Yves Le Gall não analisou especificamente o caso da ACS, até por que este não era o propósito de nossa entrevista e nem a sua função, mas em conversas com pessoas familiarizadas com o setor, a percepção de que o Cyclone 4 terá pequena penetração no mercado geoestacionário - algo esporadicamente abordado pelo blog - é real. Isto por que sua capacidade de inserção de cargas úteis em órbita de transferência geoestacionária (entre 1.700 e 1.800 kg) está abaixo dos menores satélites de comunicações que têm sido lançados ao espaço (superiores a 2.000 kg).
Essa realidade tem levado a Agência Espacial Brasileira (AEB) a considerar, inclusive, a construção do Sistema Geoestacionário Brasileiro (SGB) com massas em torno de 1.500 kg, de modo a viabilizar cargas para o lançador ucraniano, como revelou Carlos Ganem ao blog em setembro de 2010 (ver a postagem "AEB: Carlos Ganem fala ao blog"). No mesmo sentido, vale a leitura da interessante entrevista de Ganem dada à revista Teletime de novembro de 2010 ("Olhando para o alto"), mas apenas há algumas semanas disponibilizada na internet. Importante destacar, a opinião de Ganem sobre o SGB não é necessariamente unânime dentro do Programa Espacial Brasileiro (e fora dele também).
Outro indicativo, inclusive oficial, de que a capacidade do Cyclone 4 preocupa são os estudos (preliminares, diga-se de passagem) para o uso de "strap-on boosters" no lançador, o que poderia ampliar sua performance para 2.700 kg (veja "Booster S 43 para o Cyclone 4: uma possibilidade").
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terça-feira, 4 de janeiro de 2011
Entrevista de Jean-Yves Le Gall, uma análise
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