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Reproduzimos abaixo um novo artigo enviado pelo Prof. José Monserrat Filho, sobre a cooperação entre o Brasil e a China. No âmbito espacial, são dadas informações muito interessantes sobre os tópicos que serão discutidos na reunião da Subcomissão do Espaço da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Coordenação (COSBAN), na próxima semana:
Brasil-China – Mais espaço e muito além do espaço
José Monserrat Filho *
Na próxima segunda-feira, 22 de agosto, reúne-se em Beijing, China, a Subcomissão do Espaço da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Coordenação (COSBAN). E na terça-feira, dia 23, também na capital chinesa, reúne-se a subcomissão de Ciência, Tecnologia e Inovação. O que as duas subcomissões aprovarem será levado à consideração da COSBAN, que tem reunião marcada para o início de setembro, em Brasília.
Estes encontros devem articular a implementação das decisões tomadas durante a viagem à China da presidente Dilma Rousseff, em 12 e 13 de abril, quando foi recebida pelo presidente chinês, Hu Jintao, com quem assinou um comunicado conjunto de 29 pontos, que vale a pena ler. A visita, como logo veremos, marcou nova e promissora etapa nas relações bilaterais.
Trata-se não apenas de um dos maiores parceiros comerciais do Brasil. “A China hoje é um vetor muito importante na ordem mundial. E quem não estiver de certa forma interagindo com a China, tende a ficar alienado desse movimento mundial”, notou muito bem, em julho passado, Segen Estefen, diretor de Tecnologia e Inovação da Coordenação de Programas de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ).¹
Quem primeiro descobriu a China como país importante para o Brasil, no século XX, foi o competente embaixador Saraiva Guerreiro (1918-2011). Em maio de 1982, oito anos após o nosso reconhecimento diplomático da China, o então chanceler brasileiro, inovador como poucos antes dele, inaugurou o caminho a Beijing para fomentar o comércio bilateral e ver o que viria por aí; foi recebido por Deng Xiaoping, sucessor de Mao Tsé-tung à frente do país e promotor da grande reforma cujos frutos hoje impressionam o mundo.
Em 1985, redemocratizado o Brasil, Renato Archer, primeiro titular do novo Ministério da Ciência e Tecnologia, herdou do Itamaraty a carta chinesa enviada em 1984, propondo cooperação espacial. Não hesitou e, em julho de 1986, já estava na China com sua equipe, na qual despontavam Celso Amorim, então seu assessor internacional, hoje Ministro da Defesa (depois de ter sido chanceler por oito anos), e Marco Antônio Raupp, então diretor geral do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), hoje presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB).2
O nascimento do CBERS
Foi tudo muito rápido. Apenas dois anos depois, em junho de 1988, o então Presidente José Sarney firmou, na China, o acordo histórico para a construção conjunta do CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres), o maior programa de cooperação entre países em desenvolvimento em tecnologia de ponta, na definição de Amorim. “A China contribuiu para colocar o Brasil na era espacial”, escreveram historiadores.²
O programa paralisado pelo Governo Collor (1990-92) e defendido pelo então embaixador do Brasil na China, Roberto Abdenur, sobreviveu airosamente até ser retomado pelo Governo Itamar Franco (1092-94) e assumido pelo então ministro da C&T, José Israel Vargas (1992-98). Mas faltou dinheiro. O CBERS-1 só foi lançado em 1999. Vargas já deixara o MCT. Felizmente, o CBERS-2 subiu em 2003 e o CBERS-2-B, em 19 de setembro de 2007.³ Esse último, porém, deixou de funcionar em abril de 2010. Seu período de vida útil era estimado em dois anos. Ele viveu mais tempo do que se previa. Deu 13 mil voltas na Terra. Gerou 270 mil imagens, distribuídas de graça a usuários brasileiros, e outras 60 mil distribuídas a usuários de mais de 40 países. Todas elas podem ser acessadas sem custo em http://www.dgi.inpe.br/CDSR.4 O fim do CBERS 2B deixou no ar um vazio que será preenchido pelo CBERS 3, a ser lançado em outubro de 2012. Essa questão, de suma relevância, está no primeiro ponto da pauta da referida reunião do dia 22, em Beijing.
Graças à família CBERS, o Brasil tornou-se país sensoriador, espécie ainda rara no mundo, e, hoje, é um dos maiores distribuidores de dados de satélite: já forneceu de graça mais de 600 mil imagens a dezenas de milhares de usuários, em instituições públicas e privadas. Os dados têm múltiplas utilidades, entre elas a de monitorar desmatamentos e expansão da agropecuária, planejamento urbano e gerenciamento hídrico.
Em 2007, Brasil e China decidiram oferecer gratuitamente as imagens do CBERS a toda a África. Isso habilitará governos e organizações africanas a monitorarem desastres naturais, desmatamento, ameaças à produção agrícola e riscos à saúde pública. O continente já conta com três estações de recepção das imagens do sistema CBERS: CSIR, Hartebeeshoek, na África do Sul; INTA, Maspalomas, nas Ilhas Canárias, Espanha; e NARSS, Aswan, no Egito. A estação no Gabão, que está sendo negociada, depende de um acordo entre esse país, China, Brasil e França.
Por um CBERS mais abrangente
Chegou a hora de ampliar o programa CBERS e abrir novos campos de cooperação espacial. É o que reza o ponto 15 do Comunicado Conjunto dos presidentes Dilma Rousseff e Hu Jintao:
“As duas partes reafirmaram a elevada importância que atribuem à cooperação espacial e manifestaram a disposição de ampliar e diversificar a cooperação no Programa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres – CBERS. Os órgãos relevantes dos dois países promoverão a conclusão da pesquisa e fabricação dos CBERS 03 e 04, conforme planejado, assim como planificarão o programa de cooperação aeroespacial sino-brasileiro conforme as necessidades do desenvolvimento aeroespacial dos dois países, iniciando as consultas sobre a continuidade da cooperação.”4
Na reunião de Beijing, em 22 de agosto, estarão em pauta não apenas os CBERS 3 e 4, mas também vários outros assuntos:
1) Os próximos passos da política de distribuição de imagens a países sul-americanos e africanos, a fim de se preparar a infraestrutura para a recepção das imagens do CBERS-3, com lançamento programado para outubro do ano que vem;
2) A decisão de lançar ou não o CBERS-4b;
3) Os projetos dos CBERS 5 e 6;
4) A construção conjunta do satélite SAR, equipado com radar de abertura sintética;
5) O apoio de estações terrestres do Brasil a voos tripulados da China (Missão Shenzhou); e
6) A construção do satélite BRICS
Serão também discutidas questões de política espacial internacional e a ideia de elaborar um programa decenal de cooperação espacial Brasil-China.
Dois temas de cooperação espacial constam da pauta da Subcomissão de CT&I, que se reúne em 23 de agosto:
1) Criação do centro bilateral de pesquisas meteorológicas por satélite, unindo o INPE e o Centro Nacional de Meteorologia da Administração Meteorológica da China; e
2) Programas de mobilidade, capacitação e treinamento na área espacial, em parceria com os institutos de ensino e pesquisa da Academia de Ciências da China, com base, inclusive, no programa “Ciências sem Fronteiras”, lançado pelo governo brasileiro.
Muito além da cooperação espacial
No seminário “Diálogo de Alto Nível Brasil–China em Ciência, Tecnologia e Inovação”, que abriu o programa oficial da presidente Dilma Rousseff em Beijing, em 12 de abril, discutiu-se, além do programa CBERS, a cooperação bilateral em energias renováveis, nanotecnologia, agricultura e segurança alimentar, tecnologia da informação e políticas de inovação.
Na véspera, o ministro da C&T, Aloizio Mercadante, secretários do MCT e o diretor do INPE, Gilberto Câmara, visitaram a Academia de Ciências da China, visando incrementar a colaboração nas áreas de observação da Terra, aplicações de sensoriamento remoto e clima espacial. Estiveram, também, na Academia Chinesa de Tecnologia Espacial (CAST), um dos esteios da parceria estratégica Brasil-China.
No mesmo 12 de abril, os dois países firmaram acordos destinados à cooperação tecnológica petroleira e aeronáutica, inclusive a venda de 35 aviões da Embraer a empresas chinesas, operação estimada em 40 milhões de dólares. Assinou-se, também, o acordo pelo qual a Embraer produzirá o avião Legacy 600 na China, junto com a Corporação da Indústria de Aviação Chinesa (AVIC).
Informou-se que a empresa chinesa Foxconn projeta investir nos próximos cinco/seis anos 12 bilhões de dólares no Brasil, na produção de aplicativos para telefonia móvel e informática, como telas para aparelhos celulares. Esse projeto será estudado por grupo de trabalho já formado. E a empresa de telefonia Huawei anunciou a construção de um centro de pesquisas na região de São Paulo, com investimentos de 300 a 400 milhões de dólares.
Outros acordos também firmados instituem programas de cooperação nas áreas de defesa, nanotecnologia, recursos hídricos, normas fitossanitárias, tecnologia agrícola e agricultura tropical.
Acertou-se o intercâmbio de reitores de universidades, professores e estudantes.
E uma novidade, pela qual o MCT tem se empenhado nos últimos anos: o Brasil terá a colaboração da China para desenvolver tecnologias para o aproveitamento do bambu.
Em suma, o investimento chinês no Brasil, só nas áreas de CT&I, deve superar um bilhão de dólares, calcula o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel.
A Petrobras, por seu turno, assinou contratos com as empresas estatais chineses Sinopec e Sinochem para a exploração e aproveitamento de óleos de poços praticamente extintos.
E, last but not least, a China autorizou a importação de carne de porco brasileira, até então proibida por razões fitossanitárias.
Cooperação em nanociência, nanotecnologia e biotecnologia
A Subcomissão de CT&I examinará, agora no dia 23, uma pauta rica, em que despontam dois projetos:
1) Centro Brasil-China de Pesquisa e Inovação em Nnotecnologia, com a elaboração de um programa de trabalho em nanociência e nanotecnologia, incluindo-se o cronograma de atividades, a previsão dos recursos financeiros necessários, a lista da instituições, equipes de pesquisadores e empresas participantes;
2) Trabalho conjunto em genética de plantas entre o Laboratório Virtual da Embrapa (Labex), com sede na China, e a Academia de Ciências Agrárias da China. Em abril, durante a visita da presidente Dilma Rousseff à Beijing, a Embrapa assinou acordos de cooperação com duas Academias chinesas, a de Ciências (CAS) e a de Ciências Agrárias Tropicais (CATAS).
Há, ainda, possibilidades de cooperação em biomedicina, genética humana e bioinformática.
Mudanças climáticas e tecnologias inovadoras para energia
Outro avanço cooperativo é o Centro China-Brasil de Mudança Climática e Tecnologias Inovadoras para Energia, que promoveu um seminário na Coppe-UFRJ, em 27 de julho último, com resultados especialmente úteis ao desenvolvimento de energias renováveis.5
O centro, criado pela Coppe e pela Universidade de Tsinghua, principal instituição chinesa de engenharia, tem por missão formular estratégias e ações destinadas a subsidiar decisões dos dois governos nas áreas de energia e meio ambiente.
Brasil e China têm características comuns em matéria de emissões de gases poluentes e podem atuar juntos nessa convergência. A China está na frente em tecnologias renováveis, graças sobretudo ao baixo custo de sua produção. Pode transferir tecnologia para o Brasil, particularmente em torres de aerogeradores (que produzem energia eólica), e também em painéis solares, com destaque para os fotovoltaicos.
Em breve, a Coppe deve assinar acordo com uma grande empresa chinesa produtora de aerogeradores, que serão adaptados às condições brasileiras. Pesquisadores da Coppe também trabalham na China na produção de biocombustíveis, com ênfase no biodiesel a base de palma, tecnologia desenvolvida por chineses e dinamarqueses, passível de ser adaptada ao Brasil.
A cooperação Coppe-Universidade de Tsinghua pode resultar em transferência de tecnologia chinesa ao Brasil e de tecnologia brasileira à China. Cada parte com o direito de agregar valor à solução da outra. A China, em geral, é mais avançada em tecnologias de energia solar e eólica. Mas o Brasil também tem o que oferecer: a Coppe, por exemplo, trabalha com a geração de energia a partir de ondas e marés, que pode ser útil aos chineses. E os chineses estudam na Coppe a tecnologia de produção de petróleo em águas profundas, de que o Brasil é líder mundial.
Há, portanto, um longo caminho pela frente. Um belo contraponto à crise mundial.
* Chefe da Assessoria de Cooperação Espacial da Agência Espacial Brasileira (AEB).
Referências
1) Portal Brasil, Agência Brasil, 27/07/2011.
2) Oliveira, Fabíola de, Brasil - China - 20 anos de Cooperação Espacial: CBERS - O Satélite de Parceria Estratégica, publicado em 2008, sob a supervisão e o patrocínio do Ministério da Ciência e Tecnologia, através de sua Assessoria de Cooperação Internacional.
3) Cervo, Amado Luiz, e Bueno, Clodoaldo, História da política exterior do Brasil, 4ª ed. Rev. Ampli., Brasília: Universidade de Brasília, 2011, p. 515
4) Ver em http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/04/confira-comunicado-conjunto-do-encontro-de-dilma-com-hu-jintao.html
5) Portal Brasil, Agência Brasil, 27/07/2011.
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domingo, 14 de agosto de 2011
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